segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A cama de nossos pais


Um dos maiores segredos do Universo, um dos maiores enigmas que os homens tem se debruçado, sobre o qual tantos sábios, filósofos e cientistas estudaram, está em descobrir por que a cama de nossos pais é sempre a melhor cama do mundo, o lugar mais seguro, quentinho e aconchegante do Universo. A cama de nossos pais é uma verdadeira ilha de calor e paz em meio ao oceano de águas profundas e geladas onde fomos jogados.
            Desde que o mundo é Mundo e foi criado o quarto dos filhos, para que os pais possam ter uma noite de sono sossegada em seus quartos, é que as pobres crianças sentem-se verdadeiras órfãs, pois muitas vezes existe uma parede quase intransponível que os separa da cama de seus pais, e desde esses imemoriais tempos que estas crianças dão seu jeitinho para atravessar a aparente inexpugnável muralha que os separa de seu objetivo. E a maneira encontrada é simples: bater a porta do quarto, tendo sempre um coberto enrolado ao corpo e um travesseiro debaixo do braço, alegando estar com medo do escuro, dizendo que tem um bicho-papão debaixo da cama, quando, na verdade, o que há, no máximo, é um playmobil esquecido na última brincadeira ou aquela sandália ou sapato que a gente nunca encontra na hora que mais precisa. E então vem nossa mãe, é normalmente ela quem abre a porta, e olha para nós, da forma como só as mães nos olham.
            - O que foi, menino? – pergunta ela.
            Então nós desenrolamos a nossa história, a nossa desculpa, quando, na verdade, só o que queremos é um pouco do espaço mágico daquela cama.
            Quando nossa mãe está, finalmente, se convencendo da veracidade da nossa história do bicho-papão e do escuro que quer nos tragar para sua profundeza, ouvimos a voz de nosso pai, que acorda de repente e quer saber o motivo de estarmos ali, parados à porta do quarto. Ele nos manda voltar para nosso próprio quarto, para dormir em nossa própria cama e, já com olhos chorosos, damos o primeiro passo para trás, eis que nossa mãe, sempre ela, nos salva e nos dá passagem, de forma que nos jogamos sobre sua cama e muitas vezes antes mesmo dela se deitar, já estamos dormindo um sono tão pesado que nem mesmo um carnaval fora de época, se passasse em frente a nossa casa, seria capaz de nos acordar. E ficamos ali, naquela cama tão grande, entre nosso pai e nossa mãe, impedindo que eles se abracem, desejando apenas o abraço de ambos.
            Muitos são os que se debruçam sobre essa complexa questão primordial para a existência de qualquer ser humano. Os matemáticos, por exemplo, alegam que o ângulo do colchão de nossos pais com relação ao travesseiro faz com que aquele seja um local tão propício para um sono agradável; os físicos, por seu lado, falam de calor; os poetas tentam, em vão, com seus versos explicar a relação existente entre os filhos e a cama de seus pais; os psicólogos chegaram a conclusão de que, nesse caso, nem Freud explica;os biólogos falam que esse é um de nossos instintos primitivos; os geógrafos, que esse é nosso norte; os historiadores, bem, esses não chegaram a um consenso, ainda. Enfim, todos falam, falam e falam, mas nenhum chegou a questão primordial.
            Eu, por meu lado, acredito que essa é uma questão por demais complexa, que por mais que nos debrucemos sobre ela jamais chegaremos a um consenso, que é uma questão puramente afetiva.
            E de tanto falar nisso, enquanto escrevo esse texto, ouvi um barulho vindo debaixo de minha cama. Olho para o quarto escuro e começo a tremer de medo e resolvo sair de meu quarto, e ir para o de meus pais. Lá, quando eu bater a porta, provavelmente virá minha mãe abri-la e me olhará com uma cara estranha, como se dissesse “o que que tu ‘tá fazendo aqui, menino?” e eu, enrolado a meu lençol, tendo o travesseiro debaixo do braço, olharia para ela como se respondesse que o que fazia ali era óbvio, que vinha dormir na sua cama, onde não me deitava há tempos. Ela me lançaria um olhar indiferente, daria de ombros e me daria passagem. Quando me deitasse na cama, antes de pegar no sono, ainda escutaria meu pai reclamar, dizendo:
            - Esse menino aqui de novo? Você já está grande demais, rapaz. Vai dormir na sua cama!
            Mas antes que ele terminasse de falar isso, eu, do alto dos meus vinte e poucos anos, já estaria dormindo.

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