domingo, 16 de outubro de 2011

Uma folha de papel em branco e uma caneta

Todos em casa dormiam, mas ele estava acordado. Há meses vinha pensando naquilo, mas não sabia como fazê-lo nem qual o momento certo. Agora estava no mais absoluto silêncio, ouvindo os sons dos sonhos de cada pessoa da sua família, a respiração alta acelerada de um, o ronco de outro e o silêncio de sua mãe. Justamente sua mãe seria a pessoa que mais sentiria a sua falta. Iria sofrer no início, vendo-o em todos os cantos, sem saber para onde ele tinha ido, até que pouco a pouco se acostumaria com a sua ausência, mas jamais iria esquecê-lo, pois as mães nunca esquecem. Seu pai, perante todos, iria se mostrar forte e quem sabe até passaria a admirá-lo por seu ato e falar nisso para os amigos, mas no fundo também estaria despedaçado. Suas irmãs, uma sentiria a sua falta, mas a outra ficaria até feliz, pois poderia insistir com sua mãe para ficar com o quarto dele, já que ele não estava mais ali.
            Ninguém iria saber de seu paradeiro, ninguém sequer sabia que ele nutria aquele desejo de ir embora, pois ele jamais o confidenciou a ninguém, nem mesmo ao melhor amigo ou ao espelho. Nenhuma palavra à ninguém. Sofreu por longas semanas e meses com aquilo guardado no peito, com aquele plano impensado. Sentia-se inseguro por muitas vezes até, mas ora parecia tão determinado... Mas agora sentia, sabia que havia chegado a hora. Daria o primeiro passo sozinho ou correria para os braços dos pais. Pensou até em bater à porta do quarto deles e pediria para se deitar e dormir entre eles, como fazia quando era criança. Agora se sentia tão indefeso e confuso quanto uma criança, precisando de um amparo. Mas agora ele não tinha em quem se amparar, se realmente fosse fazer aquilo, dar aquele tão longo e difícil passo.
            Aquele silêncio opressivo àquela hora da noite lhe deixava em dúvida. Estava, já, imóvel, sentado à mesa, há horas. Seus olhos pesados, queriam se fechar; sentia um enorme peso sobre seus ombros, que faziam com que ele se curvasse. Talvez fosse aquele o peso da responsabilidade, da tão difícil decisão que tinha de tomar naquele momento: voltar para seu quarto e dormir, como se nada tivesse acontecido, e passar o resto da vida se sentindo um fracassado, um covarde, ou dar aquele passo rumo ao imprevisível.
            Levantou-se, sentindo todos os músculos de seu corpo doerem e começou a andar de um lado para o outro. Foi até o quarto de suas irmãs e as viu dormindo, cada uma em sua cama. Se fosse embora sentiria falta delas. Quem seria o “irmão mais velho” se ele fosse embora? Fechou delicadamente a porta do quarto, para não acordá-las. Foi até o quarto dos pais e, da porta, os viu dormindo, cada um de um lado da cama. Uma lágrima dolorosa e silenciosa escapou de seu olho e escorreu por sua face quando os viu.
            Voltou à mesa e se sentou, derramou lágrimas silenciosas e dolorosas. Ficou longos minutos com a respiração entrecortada, tendo cuidado para não fazer qualquer barulho que pudesse acordar alguém. Olhou para a sua mochila no chão, à porta do seu quarto, olhou para a porta de casa, fechada, mas que ele poderia abrir com tanta facilidade. Distava apenas alguns poucos metros daquela porta, mas, para ele, naquele momento, parecia uma distancia tão longa. Se fosse embora, talvez não pudesse mais voltar; se ficasse, talvez nunca mais fosse embora, ficando preso para sempre. Eram dúvidas que lhe atormentavam, que lhe doíam no peito e faziam sua cabeça explodir.
            Tinha uma folha de papel em branco à sua frente e uma caneta na mão. Pensava no que poderia escrever, no que poderia dizer em tão curto espaço. Que palavras diria? Pediria desculpas? Diria que um dia iria voltar? Que sentiria falta de todos? Como expressar tanto, falar tanto e com quem palavras num momento como aquele? Nada que escrevesse, numa simples carta, seria suficiente para expressar tudo o que sentia, tudo o que teria para dizer.
            Suas pernas doíam, seus ombros pesavam, mas ele se levantou. Andou de um lado para outro, sofrendo com as dúvidas e incertezas. Foi até a porta, girou a chave, mas não girou a maçaneta. Ela lhe parecia muito dura e lhe queimava a mão.
            Olhou para trás uma última vez e viu a casa que tanto conhecia, onde podia andar com os olhos fechados sem esbarrar em nada. Sentiria falta da casa, da mãe, do pai, das irmãs e de cada cantinho que lhe trazia lembranças.
            Abriu a porta. Agora era só uma questão de um passo; de um único tão longo e difícil passo, um passo para frente, e nada mais, mas se o desse, não poderia mais voltar atrás. Olhou a porta aberta à sua frente e tudo o que estava deixando para trás. Prendeu a respiração, mergulhando, agora, no desconhecido, no incerto, e deu aquele derradeiro passo. Sentiu um alívio e opressão no peito ao fazer aquilo. Agora não podia voltar atrás, teria que ser sempre em frente.
Assim que o amanhecesse, iriam procurar por ele por todos os cantos da casa, iriam dar mil e um telefonemas, para todos os parentes e seus conhecidos, a fim de saberem algo sobre o seu paradeiro, mas ninguém saberia de nada. A essa altura, ele já estaria longe, onde, nem ele mesmo sabia. A única coisa de concreta que havia deixado para trás, como uma lembrança, foi uma folha de papel em branco e uma caneta.

Um comentário:

  1. Muito bom o texto. Percebo que o personagem parece deixar traços de sua vida e ao mesmo tempo se identifica tanto com alguns momentos nossos.

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    Até mais!

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