Ela caminhava
deixando que seus passos a guiassem para um lugar em que pudesse estar bem
longe de si, mas por maior que fosse a distância que seus pés a levassem, lá
estava ela mesma, diante de seus olhos, seja através de um reflexo numa superfície
espalhada, seja na própria sombra a seus pés, que não a deixavam esquecer de si
e nem do que lhe acontecera. Procurava deixar que os pensamentos voassem para
não se lembrar de nada, mas os fatos ainda eram muito recentes, e a memória
teimava em lhe fazer lembrar aquilo que queria esquecer. Tapava os ouvidos para
deixar que o silêncio a dominasse, mas ainda assim ouvia o eco de uma voz
distante que vinha se aproximando até poder ser ouvido como um sussurro ao pé
de seu ouvido, o eco da voz daquele que a seduzira, e ela, ingênua, pura como
era, se deixara levar por aqueles sonhos, se deixara ludibriar por aquelas
melífluas palavras proferidas por aquele que despertara o seu amor, mas que
nunca tivera a real intenção de amá-la.
Seus pés, já cansados, se negavam a
dar mais um passo a mais além, e ela se deixou quedar de joelhos em frente ao
mar, onde as ondas quebravam bem perto, diante de seus olhos, fazendo aquele
barulho sedutor, como que a chamando. Deixou-se tomar pela solidão e que os
barulhos e sussurros do mar sobrepujassem os sons que ouvia dentro de sua
cabeça.
Sem que percebesse, uma única e
solitária lágrima escapou de seu olho e escorreu pelo rosto, deixando um profundo
sulco em sua pele. Ela então sentiu a umidade deixada pela lágrima nos caminhos
que percorrera e se lembrou das dolorosas lágrimas derramadas tão recentemente.
Lembrou-se de cada momento, de cada palavra, da maneira como se sentira
ludibriada, de como fora seduzida e levada a entregar àquele homem o que tinha
de mais precioso.
As dores que sentia no corpo não
significavam nada comparadas às dores que sentia latejar no fundo da alma. Sentia-se
perdida, sem saber o que fazer para afastar as lembranças, sem saber como
diminuir a dor que lhe consumia pouco a pouco e ameaçava lhe tomar por inteiro.
Fechava os olhos e tentava se
concentrar apenas no barulho das ondas quebrando bem perto, lhe chamando para um
mergulho, tentando lhe seduzir, esticando seus dedos para tocá-la, mas tudo que
ouvia era a voz dele, as mentiras que ele desfiava, com as quais a envolvida
sem que ela se desse conta. Lembrou-se que havia resistido além da conta, mas
aquelas palavras sussurradas tinham um poder muito grande, e lembrando disso
teve a certeza de que a palavra gritada é a mais fraca, de que a palavra falada
baixinho, quando proferida enquanto se olha nos olhos é a que tem a verdadeira
força.
Com seus olhos belos e sua voz
sibilante, ele conseguira arrancar dela um sorriso, depois outro e mais outro,
até que ela, já sem defesas, acabou se entregando, não aos poucos, mas sem
reservas. Amou perdidamente, mas em momento algum percebeu que ele só a amava
da boca pra fora, que as palavras dele eram vazias de sentimento.
Foi, para ela, um amor platônico se
realizando. O amor platônico, o sonho, mostrou-se em sua verdadeira face quando
ele a procurou e, com a mesma voz sussurrada, com o mesmo olhar sedutor, mas
desta vez sem o brilho, e com uma fingida dor e um leve sorriso imperceptível
aos olhos, disse que não podiam mais ficar juntos, que não podiam mais se ver e
disse uma poção de palavras vazias que ela não pôde ouvir, pois a dor foi tão
intensa que todos os seus sentidos ficaram como que anestesiados: não via, não
ouvia e não sentia cheiro, mas sentiu o abraço frio que ele lhe deu e sentiu o
gosto amargo na boca.
E agora estava ali, sozinha,
chorando, e a cada lágrima que escapava de seus olhos eram como se sentisse uma
punhalada na alma. Deixou que a dor e as lágrimas lhe lavassem, lhe purificassem
e lhe apaziguassem, e quando se sentiu reconfortada, levantou-se lentamente e
entrou no mar. Lavou o rosto, deixando que o sal das lágrimas se misturasse ao
sal da água do mar. Respirou fundo e olhou para o céu e para o sol, que lhe
sorria lá do alto. Abriu os braços e deixou que o calor do sol aquecesse o frio
que sentia na alma e assim realizasse o resgate de sua vontade de voltar a
sorrir.
Saiu do mar com o corpo e alma lavada. Seu corpo
ainda estava dolorido, sim, mas na alma o processo de cicatrização daquela
ferida já tinha sido iniciado, e em muito breve tudo que ficaria seriam meras
lembranças e uma pequena marca, como de uma ferida que criou uma casca que caiu
e que tal como acontece com os machucados de uma criança, logo foi esquecida.
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