sábado, 7 de setembro de 2013

Os herdeiros do floricultor



Ele era um homem muito rico, que passara a vida inteira a acumular um imenso patrimônio, mas já estava velho e cansado. Olhava para trás e via de onde tinha partido e de como tinha acumulado toda aquela imensa fortuna. Olhava para frente e percebia que não teria muito mais tempo de vida. Olhou para o hoje e se deu conta de que precisaria fazer algo para que seu legado fosse bem aproveitado por seus herdeiros.
            Tivera uma família numerosa que se espalhara por todo o mundo, mas a seu chamado, todos vieram vê-lo uma última vez, pois sabiam que o patriarca da família desejava se aposentar e se recolher a um canto de paz onde pudesse gozar de seus últimos anos de vida. Chegaram um a um e foram se instalando nos quartos daquela mansão de infindáveis corredores. Quando todos chegaram, o velho homem os chamou na imensa sala. Ele esperou que todos se acomodassem para poder dizer as primeiras palavras.
            - Chamei-os aqui hoje, meus filhos, netos e bisnetos, porque, como sabem, já estou velho e cansado, e pretendo me recolher a um canto onde possa descansar e viver em paz os meus últimos anos. Mas antes gostaria de dividir o meu patrimônio entre todos vocês, meus herdeiros.
            O homem então pediu que um fiel empregado, a quem ele tinha como o melhor amigo em todos aqueles longos anos, entregasse, a cada um daqueles que ali estava, um jarro. Seus herdeiros não entenderam aquilo, e se perguntaram se, por conta da avançada idade, o homem já não estava senil. Ele olhava preocupado para cada um daqueles que recebia o jarro. Quando cada um recebeu a sua parte da herança, começaram a discutir entre si, e a sala tornou-se uma balbúrdia de mil e umas vozes falando ao mesmo tempo.
            Pela face do idoso homem escorriam grossas lágrimas que percorriam os sulcos formados por suas profundas rugas. Sentia-se cada vez mais triste pela forma como via como seus herdeiros tratavam aquele seu presente, aquela parte de uma herança que lhes cabia por direito.
            - Esse jarro não é tudo – disse, para fazê-los calar-se e prestarem atenção novamente a ele. – Gostaria que cada um viesse até mim para receber a parte que realmente importa na herança.
            Um a um, os herdeiros foram se dirigindo até onde estava sentado o patriarca, que depositou em cada jarro uma diminuta semente, e quando todos receberam aquela segunda parte, e mais essencial, da herança, começaram novamente a discutir. Alguns tinham a absoluta certeza de que o velho tinha perdido a razão e começaram mesmo a discutir a séria e real possibilidade de interná-lo numa clínica psiquiátrica. E quanto mais ouvia tais despautérios, mais o homem se enterrava em suas tristezas, e mais grossas e pesadas eram as suas lágrimas.
            Um barulho se fez mais alto que todas aquelas vozes, que foi a do jarro arremessado ao chão pelo primogênito. O jarro espatifou-se, a terra nele contida espalho-se e a diminuta semente perdeu-se. O homem, ao ver um ato daqueles feito pelo próprio filho, respirou fundo, engoliu as lágrimas, e o chamou para perto. Entregou-lhe um cheque com uma vultosa soma em dinheiro, dizendo que, ali, agora, continha a sua parte da herança. Outros seguiram o exemplo, e foram arremessando e quebrando seus jarros, perdendo as suas sementes, e recebendo uma considerável soma em dinheiro como recompensa. Alguns poucos, apenas, ficaram olhando toda a cena, e ficaram protegendo seus jarros. Destes, alguns até foram convencidos a quebrar, também, seus jarros. Quando o chão da sala estava repleto de terra e de cacos da cerâmica dos jarros e os herdeiros tinham recebido cada um o seu cheque, foram, um a um, indo embora, cada qual com sua felicidade naquele pedaço de papel assinado, autorizando a retirada de uma imensa soma financeira numa instituição financeira qualquer.
            O homem chorava copiosamente quando se viu abandonado naquela imensa sala. Ali estavam apenas seu amigo-empregado, e uma de suas bisnetas, que ele não tinha dado por sua presença. Era uma menina magrinha, que mal havia entrado na adolescência, e que em sua inocência e imensa sabedoria, resolvera ficar com o jarro e a semente, mesmo sua mãe insistindo para que ele o quebrasse em troca do dinheiro que receberia.
            O homem abriu um grande e lindo sorriso ao vê-la ali, sozinha, tão frágil, pequena, forte e grande.
            - Adorei a herança, bisavô – disse ela, sorrindo. Via-se que ela tinha e protegia com seus finos braços não um simples jarros de cerâmica com terra onde fora depositada uma semente, mas sim um imenso tesouro de valor inestimável.
            Ele então a chamou para perto de si e a sentou em seu colo, beijando sua cabeça coroado por aqueles fios de cabelo finos, dourados e sedosos.
            - Tudo que realmente importa, minha querida, está aqui, nessa diminuta semente. Você deve regá-la, da mesma forma que eu reguei a primeira semente que deu origem a essa grande fortuna que construí ao longo de tantos anos. Essas flores que cultivo em minhas propriedades e que as vendo nas cidades, são todas filhas dessa primeira que cuidei com tanto zelo e amor. Se não tivesse sido por essa primeira flor, eu jamais teria enriquecido e feito toda essa fortuna. Todos os dias, quando acordo, que abro a janela de meu quarto, não vejo o luxo pelo qual sou cercado, mas sim o imenso jardim que vejo desabrochar todas as manhãs perante meus olhos.
            - Eu vou regar todo dia essa sementinha e vê-la germinar, e quando a flor surgir, irei plantá-la no meu jardim.
            - Você, entre tantos filhos, netos e bisnetos, é a que se tornou a minha verdadeira e única herdeira, minha querida menina. A você coube a maior e mais importante parte de meu legado nessa vida. Vá e cultive o seu jardim e torne-se, como eu, uma grande e muito feliz floricultora.
            A menina então beijou a face do ancião e saiu correndo, abraçada ao jarro que guardava o legado e o tesouro. Antes de fechar a porta atrás de si, virou-se para trás e acenou para o bisavô mandando-lhe um beijo no ar. O velho homem recebeu aquele delicado e belo gesto com um imenso sorriso. Virou-se para o amigo e disse estar imensamente feliz com o que acontecera: dividira toda a sua fortuna em dinheiro entre os descendentes e encontrara uma herdeira, a única em tão numerosa prole que iria continuar a cultivar flores.

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