Ao ver o seu próprio reflexo no espelho a olhar dentro de
seus olhos, ele se deu conta do quanto o tempo tinha passado sem que ele se
desse conta. Não reconhecia as rugas-cicatrizes que o tempo tinha escavado em
sua pele nem fazia ideia de quando e como elas surgiram; não reconhecia mais
aquele olhar, cansado, fugidio, que não conseguia enxergar mais nada além
daquilo que lhe aparecia perante os olhos, tão diferente daquele que conseguia
olhar ao longe e vislumbrar mil e um futuros que poderia ter; não conseguia ver
sombras daquele sorriso largo e franco de outrora. Baixou os olhos, pois não
conseguia mais ver refletido no espelho, transformado em um alguém que não
conhecia.
O tempo
havia passado sem que ele tivesse se dado conta, e só percebia isso agora. Perguntava-se
o que tinha acontecido com todo o tempo do mundo que tivera há muito tempo,
perguntava-se como o tempo pôde correr e escorrer por entre seus dedos sem que
nada pudesse fazer para contê-lo. Não era mais o jovem da juventude eterna que
pregou que seria certa vez, não havia se transformado no homem que imaginou que
iria se transformar. Ao invés desses, o que tinha diante de si, no outro lado,
no reflexo do espelho, era um homem acabado pelo tempo, já cansado.
Triste com
o tempo que não tinha mais, com o futuro que não se tornaria presente, ele
abaixou a cabeça e se deixou sentir todo o peso daqueles anos todos caírem
sobre seus ombros. Era uma carga pesada, difícil de suportar, e ele só a muito
custo, só desprendendo uma força sobre-humana, conseguia se manter de pé,
firme. Olhou novamente para aqueles olhos que não eram os seus e viu deles
brotarem grossas e doídas lágrimas, que ele viu escorrerem pelos tortuosos
caminhos e curvas traçados pelas rugas do rosto, para depois saltarem em mergulhos
suicidas em direção ao chão.
Na medida em
que as lágrimas iam brotando em abundância de seus olhos e escorrendo pelo
rosto, o peso do tempo que tinha sobre seus ombros foi diminuindo, as cicatrizes
deixadas pelo tempo, sendo curadas, e seus olhos, ganhando o mesmo brilho de
outrora. Fechou os olhos e quando os reabriu, deu-se conta de que tudo não
passara de um sonho. Passou as mãos pelo rosto e sentiu a sua pele, sem marcas,
sem rugas, sem cicatrizes. Inspirou fundo, deixando que o ar inundasse seus
pulmões e se espalhasse por seu corpo, e expirou longamente, expulsando as
lembranças daquele pesadelo. Com os olhos fechados, no mais completo silêncio e
paz de espírito, ele ficou, até que foi despertado de seu devaneio pelo forte
barulho de algo que quebrava com um forte estalo. Assustado, ele abriu os olhos
e foi até o local de onde julgava ter vindo o barulho, e viu, que se tratava do
espelho que havia quebrado, que tinha acabado de ganhar uma enorme cicatriz que
o atravessava de ponta a ponta. O homem respirou aliviado e fechou os olhos, e
quando os reabriu viu que o espelho estava intacto, como sempre estivera. Deu passos
curtos e inseguros em direção a ele, e quando estava à sua frente, levantou os
olhos, ainda temeroso do que e de quem iria encontrar refletido. Viu-se refletido
tal como era, com os mesmos olhos, com a mesma fisionomia, e só então conseguiu
respirar aliviado.
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