domingo, 15 de setembro de 2013

Um rosto estranho no espelho



Ao ver o seu próprio reflexo no espelho a olhar dentro de seus olhos, ele se deu conta do quanto o tempo tinha passado sem que ele se desse conta. Não reconhecia as rugas-cicatrizes que o tempo tinha escavado em sua pele nem fazia ideia de quando e como elas surgiram; não reconhecia mais aquele olhar, cansado, fugidio, que não conseguia enxergar mais nada além daquilo que lhe aparecia perante os olhos, tão diferente daquele que conseguia olhar ao longe e vislumbrar mil e um futuros que poderia ter; não conseguia ver sombras daquele sorriso largo e franco de outrora. Baixou os olhos, pois não conseguia mais ver refletido no espelho, transformado em um alguém que não conhecia.
            O tempo havia passado sem que ele tivesse se dado conta, e só percebia isso agora. Perguntava-se o que tinha acontecido com todo o tempo do mundo que tivera há muito tempo, perguntava-se como o tempo pôde correr e escorrer por entre seus dedos sem que nada pudesse fazer para contê-lo. Não era mais o jovem da juventude eterna que pregou que seria certa vez, não havia se transformado no homem que imaginou que iria se transformar. Ao invés desses, o que tinha diante de si, no outro lado, no reflexo do espelho, era um homem acabado pelo tempo, já cansado.
            Triste com o tempo que não tinha mais, com o futuro que não se tornaria presente, ele abaixou a cabeça e se deixou sentir todo o peso daqueles anos todos caírem sobre seus ombros. Era uma carga pesada, difícil de suportar, e ele só a muito custo, só desprendendo uma força sobre-humana, conseguia se manter de pé, firme. Olhou novamente para aqueles olhos que não eram os seus e viu deles brotarem grossas e doídas lágrimas, que ele viu escorrerem pelos tortuosos caminhos e curvas traçados pelas rugas do rosto, para depois saltarem em mergulhos suicidas em direção ao chão.
            Na medida em que as lágrimas iam brotando em abundância de seus olhos e escorrendo pelo rosto, o peso do tempo que tinha sobre seus ombros foi diminuindo, as cicatrizes deixadas pelo tempo, sendo curadas, e seus olhos, ganhando o mesmo brilho de outrora. Fechou os olhos e quando os reabriu, deu-se conta de que tudo não passara de um sonho. Passou as mãos pelo rosto e sentiu a sua pele, sem marcas, sem rugas, sem cicatrizes. Inspirou fundo, deixando que o ar inundasse seus pulmões e se espalhasse por seu corpo, e expirou longamente, expulsando as lembranças daquele pesadelo. Com os olhos fechados, no mais completo silêncio e paz de espírito, ele ficou, até que foi despertado de seu devaneio pelo forte barulho de algo que quebrava com um forte estalo. Assustado, ele abriu os olhos e foi até o local de onde julgava ter vindo o barulho, e viu, que se tratava do espelho que havia quebrado, que tinha acabado de ganhar uma enorme cicatriz que o atravessava de ponta a ponta. O homem respirou aliviado e fechou os olhos, e quando os reabriu viu que o espelho estava intacto, como sempre estivera. Deu passos curtos e inseguros em direção a ele, e quando estava à sua frente, levantou os olhos, ainda temeroso do que e de quem iria encontrar refletido. Viu-se refletido tal como era, com os mesmos olhos, com a mesma fisionomia, e só então conseguiu respirar aliviado.

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