sábado, 22 de junho de 2013

O homem que não tinha tempo



Ele tinha muita pressa. Corria sem parar de um lado para o outro, impaciente. Não conseguia conceber a ideia de esperar um pouco para que as coisas dessem certo: queria tudo “pra ontem!”, como costumava dizer. Para ele, “desperdiçar tempo é desperdiçar dinheiro”, e ele nunca tinha tempo algum para nada, nem para usufruir de todo o dinheiro que tinha conseguido acumular ao longo dos anos, fruto de seu trabalho e da falta de tempo. Contava os segundos. Tudo seu era rigorosamente cronometrado, desde as horas de sono, o tempo do banho e até o tempo dedicado para fazer amor com sua esposa; esposa com quem ele nunca saia à noite ou numa tarde de domingo, com quem ele vivia há anos, mas nem ele mesmo sabia há tanto tempo estavam juntos (logo ele, que tinha “o tempo nas mãos”).
            Seu tempo ia passando rápido, e ele sempre a reclamar que não tinha tempo para nada. Seus filhos foram crescendo sem que ele se desse conta. Um dia, haviam nascido, passado algumas noites chorando (incomodando seu precioso tempo dedicado ao sono), e na hora seguinte estavam já adolescentes, entrando na universidade, para em seguida já serem adultos, constituindo suas próprias família, e só percebeu isso, que seus filhos não moravam mais na mesma casa que ele, quando, por um acaso, ele estava em casa, num feriado, quando não tinha nada para fazer, que os chamou. Ninguém respondeu. A enorme casa onde morava estava vazia. Tornou a chamar um a um pelos nomes, e a única resposta que teve foi o silêncio. Abriu a enorme e pesada porta do seu escritório e olhou pelo longo corredor. Nenhum eco de um único passo! Voltou contrariado para dentro do escritório, quando bateu os olhos numa série de porta-retratos. Neles havia fotos de todos os principais momentos da vida da família: a esposa grávida, os meninos pequenos, os primeiros passos, os aniversários, fotos de escola, viagens na adolescência, formatura, casamentos, entre outros tantos momentos retratados. Em todas as fotos havia algo em comum: em nenhuma delas, ele estava presente. Lembrou-se, então, das desculpas que dera para cada uma daquelas ausências: não tinha tempo para estar presente.
            Sentia, agora, o peso da idade, dos anos acumulados sobre os ombros e do tempo perdido. Fechou os olhos e jogou todo o peso de seu corpo desabando na poltrona, que protestou contra aquele repentino golpe. Numa mesa ele viu uma foto de sua esposa, uma foto antiga, de quando se conheceram. Estava linda, com seu sorriso radiante naquele dia, e ele sorriu ante essa lembrança. Chamou-a pelo nome, depois pelos apelidos carinhosos com que a tratava. Ela não apareceu. Tornou a chamar, quase gritando, com insistência, até perder a voz. Quando cansou, deu por si e os ecos de uma lembrança, de palavras, começaram a vir à sua mente. Nessas palavras, que lhe chegaram vindas de tão longe, lhe davam conta da morte repentina de sua esposa. Ele estava envolvido, como sempre, em importantes negócios, e não chegou a tempo do velório e enterro. Apareceu em casa vários dias depois, e mesmo muito triste pela perda de sua companheira de tantos e tão longos anos, só ficou uns breves minutos no cemitério, em frente a sepultura da esposa, esperando em silencio que, de alguma forma, ela lhe dissesse algumas palavras que lhe desculpassem por mais essa falta cometida pela falta de tempo. Sentiu-se decepcionado, como que tivesse perdido um precioso tempo ali, e não obtivera resposta alguma.
            Com os olhos marejados das lágrimas que nunca tivera tempo de dar vazão, levantou-se e, às cegas, caminhou pelos amplos e vazios aposentos de sua casa. Viu os quartos dos filhos como nunca havia visto antes, passou por enormes salas que nunca eram usadas, pela cozinha ampla tão com cheiro de vazia e entrou no seu quarto e se sentou na cama que dividira com a esposa. Ali chorou copiosamente, como nunca antes havia chorado em sua vida. Quando o pranto cessou, levantou-se e caminhou a esmo pelos cômodos da casa, todos repletos de ecos de lembranças às quais ele não tinha, pois não estivera presente pela simples falta de tempo para coisas tão banais (e essenciais) da vida!
            Em sua caminhada pela casa vazia, seus passos acabaram por levá-lo até um enorme espelho. Ele então levantou a cabeça e se mirou nele. Não reconhecia aquele homem que via no reflexo do espelho. Aquele rosto não era o seu, aqueles cabelos, aquelas rugas, aquela expressão cansada, aqueles olhos... nada naquele que via no espelho representava ele! Mas ao se mirar melhor, percebeu que aquele no reflexo do espelho era ele, sim, muito mais velho, tendo sofrido a ação do tempo e dos anos passados, pesados, sobre seus ombros. E enquanto se olhava no espelho, percebeu uma sombra se aproximando lentamente, e foi só então, quando viu sua face, se deu conta de que o seu tempo tinha findado, de que naquele momento, realmente, não lhe restava mais tempo.

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