quinta-feira, 6 de junho de 2013

Escultura na pedra



O sol já estava se pondo no horizonte, sumindo na linha em que o céu e o mar se fundem e o mar, vagaroso e preguiçoso, batia nas pedras à beira-mar. Tinha o mar todo o tempo do mundo para esculpir aquela pedra ao seu gosto. As ondas batiam lentamente na pedra e escorriam pelo seu corpo úmido das águas salgadas. Há tempos aquelas mesmas batidas, há tempos naquele longo e inesgotável trabalho de moldura da pedra bruta em obra de arte.
            Um homem observava esse trabalho sentado na praia. Todo fim de tarde ele ficava ali, parado, olhando o mar em seu trabalho, vendo a solitária pedra recebendo tão delicados golpes em sua superfície sólida. Fechava, por horas a fio, os olhos, e ficava apenas a ouvir o barulho das ondas indo e vindo e por vezes chegava mesmo a escutar o barulho do clamor da pedra, e quando isso acontecia, abria os olhos e ficava a mirá-la, para vê-la em sua dor, mas a pedra se calava, e continuava a aceitar compassivamente os golpes.
            Era um homem já velho, com a pele ressecada pelo sol inclemente e tão marcada de rugas quanto um antigo mapa desenhado numa folha de papel antigo. Aquelas rugas eram sua história, cada uma era uma cicatriz deixada pelo tempo. Fora, nos áureos tempos de sua juventude, um valente navegante, cujo imponente barco, açoitado por enormes ondas de uma tempestade acabara naufragando e ele, único sobrevivente da tripulação, jogado naquela praia distante, esquecida, localizada bem no meio do coração do oceano, e desde esse dia nunca mais ousara entrar no mar.
            Nunca se sentira triste em todos aqueles longos e solitários anos, mas naquele dia, naquele fim de tarde, ao ver pela enésima vez a mesma pedra sendo açoitada pelas mesmas ondas, ele chorou. Suas lágrimas correram pelo seu rosto, nos sulcos de suas rugas. Eram lágrimas que escapavam e corriam lentamente, tão lentas quanto as ondas do mar daquele fim de tarde.
            Um vento frio lhe bateu no rosto úmido e penetrou em seus poros lhe gelando todos os músculos e ossos da face, causando-lhe uma dor que se espalhou por todo seu corpo. E quanto mais ele chorava de dor, mais lágrimas escapavam de seus olhos e mais o vento lhe batia com força no rosto. Aquela dor era tamanha que ele se debatia no chão e seu rosto e corpo logo ficou encoberto pela areia fina da praia.
            O mar se agitava e as ondas vinham bater com mais e mais força na pedra, que urrava de dor junto com o homem.
            Sem pensar no que fazia, cego pela dor que lhe tomava por inteiro, o homem tropeçou à beira mar e teve seus pés apanhados por uma onda, que lhe sugou, puxando-o para os braços do mar. O homem se debatia, tentando nadar por sobre as ondas, mas o mar era mais forte e o puxava para baixo, cada vez mais para fundo. Quando o homem perdeu, por fim, todas as forças e resolveu se entregar, o mar se acalmou e o pegou nos braços e numa onda o atirou sobre aquela pedra. As rugas de seu rosto e seus membros se fundiram à pedra.
O mar e suas vagarosas e preguiçosas ondas continuaram a esculpir aquela pedra, à espera de que mais um navio passasse naquela rota para só então tornar a se agitar em gigantescas ondas e fazê-lo naufragar, para que somente um bravo navegante se salvasse e viesse a ser jogado naquela ilha e passeasse a perder horas a fio a contemplar a escultura da pedra...

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