domingo, 24 de março de 2013

Mea Culpa



Ninguém mais precisa procurar pelo culpado por tudo, por todas as “desgraças” que estão acontecendo em nosso país: eu sou o culpado.
            Eu sou o grande culpado por toda essa corja de políticos que está aí no poder, pelas pessoas a quem dei o cargo, a quem escolhi para me representar no dia da eleição, por todos esses que ao invés de política se entregaram ao vício e práticas da politicagem. Eu sou o grande culpado, portanto, por toda a desgraça que a política nacional tem causado. Sou o único culpado por escolher pessoas que vão ocupar os cargos para defender os meus interesses, particulares, de minha classe, ao invés de pensar em defender os interesses da nação, de todas as pessoas.
            Sou o único culpado pela inatividade, pela passividade perante tudo que acontece. Poderia e deveria lutar mais, ter feito mais barulho, me fazer entender, gritar mesmo, mas, ao invés disso, preferi/ optei, pelo conforto e a paz de meu lar, e fingir que tudo que está acontecendo não me diz respeito. Se estoura mais um escândalo de corrupção, finjo indignação quando estou com amigos e até sinto certa ojeriza ao meu país quando assisto a um noticiário ou leio notícias dessa ordem num jornal qualquer, mas é um sentimento de repulsa passageiro, e logo estou agindo como se tudo aquilo não fosse comigo. Vejo noticia após notícia em telejornais, de escândalos após escândalos de corrupção, de mil e uma CPIs, das práticas políticas (ou, melhor dizendo, das politicagens) tão comuns, e a única coisa que penso é “mais uma” e “não vai acontecer nada de mais com nenhum dos envolvidos”, e pronto. Minha única ação é desligar a televisão ou mudar de canal, ou fechar a revista ou o jornal.
            Sou eu quem coloca os Renan Calheiros, os Bosonaros, os Dirceus, os Jenuinos e os Felicianos da vida onde eles estão, sou eu quem lhes dá amplos poderes.
            Sou eu o responsável por tantas leis defasadas, pela justiça injusta, por deixar que tanta coisa aconteça tanto “a torto e a direito”, só e unicamente por que “não estou nem aí”, porque não me preocupo, porque não fiscalizo. Sou eu aquele que não mais se choca com as injustiças...
            E eu sou culpado não só por isso, pelo que está acontecendo com o país; sou o verdadeiro e único culpado, também, por todas e tantas as miudezas que causam mal a tanta gente e as quais ninguém se dá conta.
            Sou o culpado pela televisão que temos, pelos BBBs de número intergaláctico que ainda estão por vir, só e unicamente por que eu lhes dou audiência, apesar de reclamar, reclamar e reclamar. Tais reclamações, confesso, são da boca pra fora, apenas. Quando estou só, em casa, quando ninguém mais vê, ligo a TV e coloco no canal a que tanto critico, acreditando que só nele eu vou estar bem informado, acreditando que ele é o detentor da única e universal verdade, que ele é o imparcial, que retrata os fatos tal como eles são, que ele só mostra o que me imprescindível, e se não é noticiado algo de que todos falam, algo que é importante, significa que é importante para um alguém, que não é importante para mim e não me diz respeito.
            Sou o culpado pela sujeira na rua, no bairro e na cidade, pois sou eu quem não joga o lixo no lixo, quem joga o papel quando ninguém está olhando na lixeira, quem joga o lixo pela janela do carro no meio da rua. E ainda tenho o descaramento de reclamar, para todo mundo ouvir, da sujeira!
            Sou eu quem não fiscaliza, quem “deixa pra lá”, que digo que aquilo não me diz importância, embora saiba, em meu íntimo, que aquilo, sim, é de meu interesse, que se eu ‘deixar pra lá” agora, depois não vou estar aqui, e o problema já não irá mais me afetar, já não mais “me dirá respeito”.
            Sou eu o grande e único responsável por toda essa baixeza que vemos na televisão e ouvimos nas rádios, pois sou eu quem lhes dá a audiência.
            Sou eu aquele que se julga “o puro”, “o incorruptível”, “o de consciência limpa”, sendo o primeiro a tentar proveito de algo, a oferecer “um trocado” para um guarda de trânsito para que ele não me multe, sou o que fura a fila, quem não respeita as leis.
            Sou eu aquele típico brasileiro, aquele que acredita e cuja lei universal é a do “jeitinho”.
            E sou eu, principalmente, aquele que está perpetuando tudo isso, quem está espalhando o mau exemplo, quem está deixando todo esse legado, toda essa herança maldita para as gerações vindouras, para que elas vivam nesse mesmo país que eu vivo, para que esse país viva sempre a se iludir naquele jargão de “Brasil, o país do futuro”, mas de um futuro nunca irá se tornar presente.
            Eu sou o culpado, e torno aqui, pública, a minha culpa. Não procurem mais por ninguém, não apontem mais seus dedos para ninguém, pois aqui estou eu, de consciência limpa, ao menos uma vez na vida, tirando um peso das costas, da consciência, ao me entregar para ser julgado, condenado e para cumprir minha pena, só e unicamente por ser o responsável por toda uma série de desgraças que têm acontecido no país e na sociedade.

2 comentários:

  1. Muito bom o texto...
    Um excelente e bem áspero texto político..

    Abraço e sucesso

    Josué Melo

    ResponderExcluir