domingo, 19 de agosto de 2012

À espera

Ele ficou longos dias ali, esperando, com os olhos voltados para a porta, na expectativa de que ela se abrisse e desse passagem àquele a quem ele tanto queria ver. Foram dias de intensa expectativa, de angústia e ansiedade em que todas as visitas que recebia eram as de pessoas a quem ele não queria ver, que vinham lhe dar notícias que ele não queria ouvir. Mas ele não perdeu as esperanças com o passar dos dias, muito pelo contrário: quanto mais tempo passava, mais ele acreditava estar próximo do dia em que a porta iria se abrir e aquele a quem esperava surgir, com um sorriso no rosto, e toda a demora e angustia provocada por ela seria desculpada em fração de segundos, assim que se estreitassem num prolongado abraço.
            Os minutos que passavam lentamente ele acompanhava observando o demorado giro dos ponteiros naquele relógio da parede. A cada vez que via a maçaneta da porta se abrindo o seu coração dava um salto, ameaçando sair por sua boca, pois imaginava que chegava ao fim a sua longa espera. Mas não era a pessoa a quem queria ver: eram apenas os mesmos rostos conhecidos de sempre, que vinham lhe administrar uma gota de esperança. Algumas diziam “não se preocupe, ele deve estar vindo”, enquanto outras apenas ficavam em silêncio, pois não sabiam o que dizer.
            O tempo é inclemente, e por mais que desejemos prolonga-lo, jamais teríamos forças suficientes para tal. A porta se abria com cada vez mais frequência, o que significava urgência e preocupação por parte daqueles que por ela passavam. Ele passou sequer piscava, pois imaginava que, quando piscasse, na fração de tempo que dura um piscar dos olhos, perderia o exato instante da entrada daquele a quem esperava com tanta ansiedade, como se sua vida dependesse daquele encontro. Havia ensaiado, naqueles longos dias de espera, mil e uma palavras que iria dizer, as quais tinha certeza ser incapaz de dizer, pois no momento do encontro palavra alguma seria capaz de expressar o que sentia, e as lágrimas lhe roubariam a voz.
            As pessoas que entravam por aquela porta, as que outrora lhe diziam algo, agora só falavam que não havia mais tempo, que o outro não viria. Aquele que esperava olhava com olhos suplicantes, pedindo apenas mais um instante, como se fosse possível pedir tempo àquelas pessoas, impotentes, que nada podiam fazer.
            Ele sabia, sentia, que não havia mais tempo, que o pouco que ainda lhe restava estava lhe escapando por entre os dedos, mas se agarrava naquela tênue esperança, que era a única coisa que lhe mantinha vivo. Mas por mais esperança que ainda tivesse guardado no peito, chegou o momento em que o tempo lhe alcançava, se esgotava e o seu coração parava de bater no peito. Com os olhos voltados para aquela porta, como se fosse a última coisa que quisesse levar daquela vida, sua alma abandonou o corpo. Só então, quando nada mais restava além do corpo, a porta se abriu de supetão e por ela entrou aquele a quem o outro esperara até o último momento. Sentiu antes de ver, que tinha chegado tarde demais. Se ao menos tivesse tido coragem de vir um pouco antes, teria dado tempo de vê-lo ainda com vida, de ouvir a sua voz uma última vez, de sentir seu corpo quente ao abraça-lo, de ao menos se despedir; mas não: fora um covarde. E ele, que tanto queria ouvir, nem que fosse um último conselho, naquele momento só fazia repetir uma palavra enquanto chorava abraçado ao corpo sem vida: “desculpe”.

2 comentários:

  1. Ele foi um dos meus heróis!! Politicamente incorreto... mas uma autoridade hierárquica na família, portanto, com o ônus em educar e ser responsável pelos filhos e sobrinhos. Ele fez esse papel, passando com convicção os ensinamentos que conseguiu aprender com as oportunidades que teve na vida um tanto "fora dos padrões". O que nos dava (sobrinhos dele) um porto seguro para ser também politicamente incorretos, que era muito legal em ser, naquela época onde a própria sociedade natalense ainda era ingênua e nossas pequenas "transgressões" não prejudicavam ninguém e nem a nós mesmos. INTENSIDADE é a palavra que o define, não tem outra. A saudade vai bater as vezes porque é normal te-la por pessoas que nos fazem falta. Deus o tenha meu tio!!

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  2. "engraçado", realmente, como os textos nascem na cabeça de nós que escrevemos.
    meu pai foi uma pessoa muito importante para minha vida, apesar de todos os seus defeitos (e quem não tem defeitos?!), mas eu não falo muito nele, é bem verdade. prefiro guardar os pensamentos e as boas lembranças não numa gaveta, na memória, mas no peito, onde possa senti-las batendo, pulsando.
    após o dia de pais, domingo passado, fiquei pensando, pensando e pensando em um monte de coisas e passou um "flash" em minha cabeça com bons momentos vividos, e assim que me sentei para escrever o texto dessa semana no blog, não tive a dúvida sobre o que (e quem) deveria escrever. esse conto (ou crônica - não sei bem como definir esse texto) brotou com uma facilidade e intensidade impressionante.
    fantasiei, criei uma ficção, sim, mas esse texto é profundamente biográfico.

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