domingo, 1 de abril de 2012

A Espera

Todos os dia, no mesmo horário, aquele homem saia de sua casa e ia se sentar naquele banco de praça, para ver o pôr do sol. Todos os dias, mesmo quando chovia e o sol se escondia atrás das nuvens, ele estava lá. Sentava-se no mesmo banco e ficava longos e infindáveis minutos ali, parado, esperando. Depois que o sol se punha e as luzes nos postes eram acesas, ele olhava para o céu e procurava pela lua, soltava o ar de seus pulmões, desapontado, e voltava para casa. Todos os dias havia mais de meio século, no mesmo horário, no mesmo local, com o mesmo olhar.
            Tinha filhos, mas todos já casados, cada um morando na sua própria casa, os quais nunca tinham reparado nesse hábito do pai. Sua esposa havia morrido há anos, e embora achasse estranho tal hábito do marido, nunca o questionou do por quê daquilo. Ele morava sozinho, e só esporadicamente era visitado por algum familiar, que ficava pouco tempo e sempre saía antes da hora do pôr do sol, ou só aparecia à noite, quando a lua já brilhava no alto, solitária, no céu.
            Ele já estava cansado e seus passos não eram mais os mesmos, seguros, que foram em outros tempos. Andava devagar, arrastando os pés, mas não deixava de, dia após dia, se sentar naquele banco daquela praça, com os olhos voltados para onde o sol se punha. Quando a chuva o apanhava desprevenido, enquanto se dirigia à praça, ele não se importava em se molhar. Ficava debaixo d’água e voltava para casa completamente encharcado. Mesmo quando estava doente, com febre, ele ia, ainda que ficasse menos tempo do que o habitual.
            Um dia, após tantos longos anos vivendo sempre aquela rotina, ao se sentar naquele banco, dando-se conta do quão em vão foi aquela espera, ele expirou fundo e, olhando para o horizonte, lá longe, onde o sol minguava, ele chorou. Foram lágrimas dolorosas, solitárias, que ele vinha guardando durante todo aquele tempo. Seus ombros tremiam e ele não conseguia articular uma única palavra. Suas lágrimas escorriam pelo rosto enrugado e caiam em seu peito. Quando as lágrimas secaram e ele, por fim, se acalmou, se deu conta de que o sol já tinha sumido no horizonte e a lua brilhava no alto do céu. Ele a olhou e ficou a contemplá-la, se perguntando se a pessoa por quem tanto esperava também estava, naquela hora, contemplando a mesma lua, se ela se lembrava da promessa que havia feito, tantos anos atrás. Talvez estivesse a olhar para o céu, como ele, vendo aquela lua, mas não devia mais se lembrar do que havia prometido, pois, se lembrasse, não o teria feito esperar em vão por todos aqueles anos. Levantou-se e contemplou o banco por uma última vez e olhou para a árvore próxima, onde tinha escrito, certa vez, seus nomes, imaginando que aquela marca, aquela cicatriz que deixara na pele de árvore seria tão eterna quando o seu amor. Mas a cicatriz se apagou, sumiu com o tempo, e o seu amor, a ilusão de seu amor, permanecera eterna, o mesmo amor que sentia no dia em que ela se despediu dizendo que voltaria, que viria para seus braços, na hora do pôr do sol, e que ele podia esperá-la olhando para o lado que o sol se punha. Ela não veio no dia seguinte, nem no outro, no outro nem no outro. Passaram-se semanas, meses, anos e décadas, e ela não apareceu. Ele se deixou levar pela mão, certa vez, por uma mulher, com quem se casou, teve filhos, mas que nunca amou como aquela a quem tinha amado pela primeira vez. A outra, com quem havia se casado, o amava, e seu amor lhe bastava. Ele também a amou, à sua maneira, durante todos os anos em que foram casados, até o dia em que ela fechou os olhos, mas nunca a amou no horário do pôr do sol.
            Agora estava de pé, olhando aquela árvore, para o local onde tinha escrito seus nomes, que tinham se apagado com o tempo e ele não havia se dado conta. Agora via que sua espera tinha sido em vão. Chorou, mais uma vez, deixando escorrer pelo seu rosto aquelas lágrimas silenciosas que lhe brotavam da alma. Deu as costas à árvore, à praça, ao banco e ao horizonte, onde o sol se punha, e voltou para casa.
            No dia seguinte não voltou, nem no outro, no outro e nem no outro, pois como sua espera tinha terminado, pois sua espera tinha sido em vão, não tinha mais motivo para voltar ao mesmo local, no mesmo horário, em que tinha esperado durante todos aqueles anos. Não mais voltou a abrir os olhos. Na manhã seguinte ao dia em que tinha dado às costas ao horizonte, foi visitado, enquanto dormia, por uma mulher, que pegou suavemente sua mão e o conduziu para o alto, onde poderiam contemplar o pôr do sol por toda a eternidade, juntos.
            Ele, enquanto era levado, olhou para ela, para dentro de seus olhos, e disse:
            - Mas eu te esperei todo esse tempo, e você nunca veio!
            - Eu vim, todos os dias, e ficava ao seu lado, olhando o mesmo sol. Eu era a presença, a esperança do reencontro, todo dia, que fazia você voltar no dia seguinte – respondeu ela.
            Ele tinha tantas perguntas, tinha tanta coisa a falar, mas ela não deixou. Cobriu seus lábios com os dedos da mão direita, pedindo silêncio. Chorou, pedindo desculpas.
            Os dois, de mãos dadas, agora andavam lado a lado, em direção ao nascer do sol.

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