domingo, 17 de julho de 2011

O Fim do Mundo

- Calma, meu filho. Só por que você ouviu alguém dizendo que o mundo está se acabando, não significa dizer que ele vai se acabar já.
            - Está acabando sim, mãe. O mundo está acabando!
            - Onde você que você ouviu essa asneira, meu filho?
            - Em todo canto a gente vê, a gente ouve, a gente lê, mãe!
            “Isso deveria ser considerado terrorismo, guerra psicológica ou seja lá como os especialistas em guerra chamam esse negócio de plantar falsas ideias para vencer uma batalha”, pensou a mulher, sem saber mais como consolar o filho e fazê-lo ver que a situação não era tão grave assim.
            Quando o jovem, adolescente, se acalmou um pouco, sua mãe o abraçou e pensou numa forma de puxar um outro assunto, para fazê-lo esquecer, nem que seja momentaneamente, essa história de “fim do mundo”. Mas ele não esquecia fácil das coisas, e logo voltou a se lamuriar, sentindo-se impotente, sem poder fazer nada contra aquela “onda do fim do mundo”.
            - Mas, meu filho, ainda tem gente boa no mundo, lutando por um mundo melhor, lutando contra esse fim do mundo.
            - Não, mãe. Ninguém faz nada, ninguém pode fazer nada. Está tudo perdido, mãe. Está tudo contaminado.
            - Mas, meu filho, veja que as pessoas estão mudando, estão começando a despertar, a ter uma consciência de que, se não mudarem, o mundo só tende a piorar para todos...
            - As pessoas estão mudando, mãe, e é essa mudança que está acabando com tudo que há de bom nesse mundo.
            - Não, meu filho. Não sei bem sob que prisma você está vendo as coisas, mas as pessoas estão mudando e por mais negro que possa parecer o futuro, ainda vejo uma luz no fim do túnel.
            - Que futuro, mãe? Que futuro? Tudo está acontecendo agora, no presente. Eu não quero pensar no que pode acontecer no futuro...
            A mãe se sentia perdida ante aquela situação. Não sabia o que fazer para consolar o filho. Se ao menos seu marido estivesse ali, saberia entender melhor o rapaz. Afinal de contas, homens sempre acabam se entendendo.
            Resolveu, entrar, ser objetiva e direta como os homens o sol. Deixou o filho na sala, onde estava sentado no sofá, e correu para pegar umas revistas e o controle da televisão.
            - Olhe, meu filho, estão aqui exemplos de que as pessoas estão mudando, tentando salvar o mundo, tentando fazer do mundo um lugar melhor.
            O rapaz segurou todas aquelas revistas sem entender. Era como se ele estivesse falando sobre um assunto e sua mãe outro, como se ele falasse de um fim do mundo e ela sobre um outro mundo, que também estava se acabando.
            - Olhe, meu filho. Leia essa reportagem aqui, dessa revista, que traz dados concretos de que as pessoas estão pensando mais num mundo sustentável. A emissão dos gases poluentes, apesar de ainda a níveis elevados, está diminuindo; o buraco da camada de ozônio está estável; o desflorestamento está sendo fortemente combatido; tem se produzido e consumido mais produtos orgânicos; as pessoas estão pensando mais em reciclagem, inclusive aqui mesmo, na rua, tem uma lixeira dessas lindas que a prefeitura colocou, para separarmos os resíduos de plástico, de metal, de vidro, ...
            O rapaz continuava olhando para ela, sem entender nada.
            - O Greenpeace está mais atuante do que nunca; estão procurando, cada vez mais, utilizar energias renováveis; as leis para quem desmata ilegalmente estão mais rígidas. Como vê, meu filho, apesar de tudo parecer perdido, ainda resta uma luz, um pouco de esperança.
            O jovem continuava sem entender que língua era aquela que a mãe falava e de que mundo ela estava falando.
            Ela ligou a televisão com o controle remoto e colocou num canal de notícias.
            - Veja essa reportagem, filho. Estão falando de sustentabilidade. Você já reparou que cada vez mais as pessoas estão falando em sustentabilidade?
            - De que fim do mundo a senhora está falando, mãe?
            - Do fim do mundo, filho. O mundo é um só.
            - Não, mãe. Eu não é desse fim do mundo que estou falando. Olhe – disse, e tomou o controle remoto da mão dela.
            Ele foi passando os canais e parava de um em um, e falava para a mãe.
            - Olhe.
            A mãe, horrorizada, não conseguia acreditar no que seus olhos viam. Com os olhos esbugalhados, era como se só agora ela se desse conta da gravidade da situação. Colocou a mão sobre os olhos, mas o que escutava ainda era um duro choque da realidade. Colocou a mão nos ouvidos e fechou com força os olhos, para não ouvir e ver nada. Pediu que o filho parasse, pois aquilo a torturava.
            - E isso não é tudo, mãe – disse ele, e se levantou. Foi ao quarto da irmã, de onde voltou trazendo uma grande quantidade de revistas (dez vezes ou vinte vezes mais revistas do que a mão havia trazido para ele ver).
            A mãe não precisou sequer abrir as revistas para compreender a seriedade de tudo aquilo, de que o fim do mundo não só estava próximo, mas que tinha começado.
            - Espere, que ainda tem mais – o jovem foi pegar uma enorme pilha de livros. A mãe, ao ver aqueles livros, cobriu os olhos. – Veja, mãe. Leia as sinopses e saiba do que estou falando.
            A mãe obedeceu. Pegava o livro na mão, olhava-os de um lado e de outro, horrorizada, com cara de nojo, e muito a contragosto lia as sinopses e comentários na contracapa e na “orelha do livro”.
            - E ainda tem mais – ele entregou a ela vários CDs e ligou o rádio – Ouça isso.
            - Não, não e não, filho. Desligue isso. Tire tudo isso de minha frente. Isso é demais para mim – pediu ela, e começou a chorar.
            - Mãe, o mundo está acabando, e isso tudo é só o começo.
            - Agora eu vejo, filho, que você tem razão – ela mal conseguia articular as palavras.
            O jovem ficou de pé, esperando a mãe se acalmar, para voltar a falar. Quando, enfim, ela se recompôs, ele abriu a boca, e o que disse foi como punhaladas no peito e no estômago dela.
            - Mãe, tudo que a gente conhece, tudo que havia de bom no mundo, acabou. A música, a verdadeira música, não existe mais. Ligo o rádio e sintonize numa rádio qualquer, e tudo que você vai ouvir é Restart, Justin Bieber, Luan Santana, Fresno e um infindável número de grupinhos e astros EMOS-aboiolados... Abra uma revista qualquer e veja os ídolos dessa geração, olhe esses mesmos astros instantâneos, olhe as poses deles, as roupas que usam, a maquiagem que usam, mãe! Ligue uma televisão e veja os programas, ouça as notícias desse mundinho colorido. Ligue a televisão de manhã mesmo e veja os desenhos animados que passam para as crianças. Os livros... Veja os livros, mãe! O que havia de bom na literatura foi destruído e todo mundo, hoje, só lê essas coisas: Crepúsculo ou uma outra aventura e romance qualquer de vampiros-EMOS que não mordem ninguém, que andam de manhã, que brilham; veja os livros de romance meloso que todo mundo está lendo, de romances e histórias impossíveis, de Nicholas Sparcks, Nora Roberts ou um outro Best-Seller qualquer. De tanto lerem esses livros, as pessoas, mulheres em sua maioria, acreditam nessas fantasias e, depois, quando percebem que aquilo não é real, acabam tendo que se refugiar, procurando os livros de auto-ajuda...
            - Meu filho, pare, por favor.
            - Isso não é tudo, mãe. Ainda tem muito mais...
            - Pare, meu filho, por favor. Não me torture mais – falou ela, e tapou os ouvidos com as mãos, para não mais ouvir o que o filho tinha a dizer.
            - Tudo, mãe, em tudo o mundo está se acabando. Em 2009 o Flamengo foi campeão brasileiro e no ano passado foi o Fluminense. Esse ano, o Vasco sagrou-se campeão da Copa do Brasil. E próximo ano, o que vai acontecer? O Botafogo vai ganhar a Libertadores?
            - Por favor, meu filho...
            - A sociedade está se acabando, mãe. Sobre a política não é nem preciso falar, não é? Corrupção, desmandos, CPIs que não servem pra nada, salários astronômicos para uns, enquanto se negam a aumentar decentemente o salário mínimo. Educação que não funciona, segurança na qual não confiamos, saúde que não temos.
            - Oh, meu filho...
            - E ainda vão fazer uma Copa do Mundo de Futebol aqui, e está bem pertinho, em 2014, e depois as Olimpíadas em 2016!
            - Não, meu filho! Já chega, já chega... Vamos falar de outra coisa, por favor. Vamos falar do fim do outro mundo.
            O filho, vendo o estado abalado da mãe, resolveu não torturá-la mais, aquelas revelações já tinham sido demais para ela.
            - É, mãe. Vamos falar do outro fim do mundo, que, apesar dos pesares, ainda tem a remota possibilidade de salvação.

2 comentários:

  1. Ótimo texto, meu caríssimo Lima Neto. Que bom ver que ainda há escritores que não deixaram o discursinho pré-moldado Rede Globo politicamente correto podar seus textos. Sou seu leitor, amigo e admirador. Esse foi um dos seus melhores textos. Grande abraço.

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  2. Engenheiros do Hawaii, Titãs, Legião Urbana, e mais Tchaikovski e Chopin! UAU!!!

    Depois, com mais vagar, lerei com carinho seus posts e comentarei ok?!

    Se não se importar te "linkei" nos meus blogs.

    Abraço!

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