Pai e mãe sempre foram muito
zelosos quanto à educação de seu único filho. Costumavam dizer que valores
morais são imutáveis, por mais que os tempos sejam outros, que as pessoas
estejam mais “moderninhas” nos dias atuais. O filho, já adolescente, já começava
a sair com amigos, a chegar tarde a casa, mas de algumas coisas os pais não
abriam mão. Algumas pessoas, amigos mais próximos e parentes, julgavam até
excessiva essa preocupação que os pais tinham para com o filho. Mas não havia
nada que os demovesse caso julgassem algo necessário à educação do filho, caso
encasquetassem algo.
Mas
havia algo estranho com o jovem. Já há semanas ele mal falava com os pais e
parecia envergonhado com algo que tinha para falar, como se o que tivesse para
revelar fosse mudar para sempre a imagem que os pais tinham dele. Ele andava
cabisbaixo, comendo pouco e sempre que os pais o chamavam para assistirem a um
filme juntos, ele sempre arranjava uma desculpa, só para não ter que, depois do
filme, ter que conversar com eles.
O
tempo passa e os pais começaram a perceber as mudanças nos trejeitos do filho.
Perceberam a mudança no seu olhar, na sua voz, no seu jeito de falar, nos
gostos e até no andar. O pai, sempre preocupado com o que os amigos pudessem
falar a respeito de seu filho, estava tão preocupado que passava noites em
claro, se perguntando onde tinha errado. Sempre foi um pai exemplar, um homem
digno, provedor de todo o sustento da família. Sempre foi o que comumente se
chama de homem da casa. Não havia
falado nada abertamente com a mulher a respeito do filho, como se só em tocar
no assunto fosse capaz de fazer com que o seu pesadelo se tornasse realidade. A
mãe, por seu lado, sempre mais compreensiva, imaginava se tinha sido ela a
culpada, por ter passado tantas e tantas vezes a mão na cabeça do filho, quando
ele fazia coisas erradas.
A
situação estava ficando insustentável, com uma tensão e expectativa no ar, como
se alguma bomba estivesse prestes a explodir. A relação entre pais e filho
havia mudado, e até a relação entre marido e mulher estava estremecida.
Houve
uma noite em que o homem não aguentou mais e, quando viu o filho sair, chamou a
esposa.
-
Marília, eu não aguento mais. Essa dúvida me angustia. Eu não consigo mais
dormir só de pensar no que meu filho pode ter se tornado. Eu fico imaginando o
que meus amigos poderão falar de mim. Não quero falar isso, mas não quero
sentir vergonha dele. De meu próprio
filho! Não, isso eu não quero.
-
Pedro, eu também não aguento mais, meu amor. É o nosso filho, mas não consigo
imaginar onde erramos. Não acredito que nosso filho tenha se desgarrado de tal
maneira.
-
Onde foi que erramos, querida? Acho que eu sou o culpado. Não sai tanto com ele
como deveria, não o levei para ir jogar futebol na praia, não o levei para as
reuniões com os meus amigos e nem o apresentei aos filhos de meus amigos. Eu
sequer o levei a um estádio, para assistirmos a um jogo de futebol! Que péssimo
pai eu fui – lamentou-se ele, começando a chorar.
-
Não chore, querido. Na verdade, a culpa é toda minha. Eu sempre fui muito
complacente, sempre passei muito a mão na cabeça dele quando não deveria.
Escondi os erros que ele cometeu. Sempre deixei ele assistir televisão até
tarde, todos os programas que ele queria. A televisão, você sabe, querido, pode
influenciar as pessoas, principalmente aos jovens, com personalidade e gostos
em formação, como é o caso dele.
-
A culpa é nossa, querida. A televisão tem sua parcela de culpa, sim, por estar
fazendo o que está com essa juventude, mas nós, como pais, devemos supervisionar
o que nosso filho assiste ou deixa de assistir.
-
Eu sou uma péssima mãe. Deveria ter prestado mais atenção em nosso filho –
disse ela, começando a chorar.
Os
dois então se abraçaram e choraram juntos, lamentando, cada um o seu erro, na
educação do filho, por ele ser o que ele era (ou que pelo menos eles julgavam
ser).
Foram
então ao quarto do filho, onde encontraram vários indícios da personalidade do
filho.
-
Ainda não acredito que nosso filho seja... é algo tão ruim, para mim, que me custa
até falar.
-
A mim também, querido.
Os
dois, então, começaram a mexer nas coisas do filho. Encontraram roupas
comprometedoras e uma revista que o pai sequer teve coragem de pegar.
-
Querida, olhe isso aqui – disse ele, mostrando a revista que tinha encontrado.
Ela veio, viu e teve que se sentar na cama para não cair.
-
Não acredito nisso.
Os
dois ficaram sentados na cama, de mãos dadas, como que tentando conseguir forças
para se reerguerem após aquele baque.
-
Olhe aquela camisa, querido. Me custa acreditar que meu filho, o meu querido e
amado filho, o nosso menininho, possa vestir algo como aquilo – disse ela,
apontando para o guarda-roupa, onde estava dobrada cuidadosamente a reveladora
camisa.
-
Devem ter sido as companhias. Nós deveríamos ter sido mais atentos quanto a com
quem ele saía, suas amizades. Deveríamos ter sido mais rígidos em sua educação.
-
Mas nós fomos rígidos, querido...
-
Mas deveríamos ter sido mais. Se tivéssemos sido mais rígidos, não teria
acontecido com ele o que aconteceu...
Ficaram
subitamente em silêncio.
-
Não posso acreditar nisso, mesmo que meus olhos tenham visto o que acabei de
ver. Tenho que ouvir isso da própria boca dele. Ligue para ele e mande-o vir
para casa imediatamente, Marília.
A
mulher pegou seu celular e ligou para o filho, que não entendeu o tom de
urgência na voz da mãe nem o motivo daquele chamado, mas não questionou. Disse que
chegaria em poucos minutos a casa.
Pais
estavam e silêncio, na sala, aguardando pela chegada do filho.
Quando
ouviram o barulho da chave entrando na fechadura, levantaram-se de um salto. O filho,
ao abrir a porta, tomou um susto ao ver os pais naquela posição. “Será que eles
descobriram que eu sou...”
-
Queríamos ter uma conversa muito séria com você, filho – disse o pai, apontando
uma cadeira para o filho se sentar.
-
Pai... Mãe... eu... posso explicar – começou a falar o rapaz, gaguejando.
-
Você pode explicar isso, filho? – falou o pai, mostrando a camisa do
Corinthians, a prova do crime, que tinha encontrado escondida dentro do
guarda-roupa.
O
rapaz apenas abaixou a cabeça, envergonhado. Sabia da culpa que lhe cabia,
sabia da vergonha que os pais sentiriam dele. Talvez a mãe até o compreendesse,
como sempre compreendia, mas mesmo ela não deixaria de se sentir envergonhado
ao sair com ele vestindo aquela camisa, mas o pai não, ele não lhe perdoaria. Iria,
sim, respeitá-lo como filho, mas jamais seria capaz de aceitar aquela escolha.
-
Corinthiano... meu filho é um Corinthiano... – dizia o pai – Que lástima, que
vergonha para mim, para toda a família... Corinthiano...
-
Calma, querido, calma... logo vai passar – falou sua esposa, levando-o para um
canto peto da janela, onde pudesse tomar um vento. Foi pegar um calmante, para ajudá-lo
a digerir aquela dura revelação.
O
filho foi para o quarto, sentindo todo o peso de sua culpa. A mãe ainda foi
lavar a louça antes de dormir. O pai, tendo tomado doses cavalares de calmante,
foi se deitar, a pedido da esposa, mas mesmo com os olhos fechados, dormindo,
sonhando, não deixava de falar:
-
Corinthiano... Não acredito que meu filho seja um Corinthiano!
Oi Lima, kkkk
ResponderExcluirMuito bom seu texto,confesso que você me surpreendeu!Bem, achei, realmente o que você me induziu que eu pensasse, isso é premio para você.Mas desde a primeira frase que eu lembrei até o fim do livro A Mãe de Gorki, exceto pelo pai, a mão também teve pensamentos duvidosos qto ao filho.
Muito bom!
o detalhe, que eu esqueci de colocar no blog, é que eu sou são paulino... rsrs
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