terça-feira, 24 de maio de 2011

Que decepção...


Pai e mãe sempre foram muito zelosos quanto à educação de seu único filho. Costumavam dizer que valores morais são imutáveis, por mais que os tempos sejam outros, que as pessoas estejam mais “moderninhas” nos dias atuais. O filho, já adolescente, já começava a sair com amigos, a chegar tarde a casa, mas de algumas coisas os pais não abriam mão. Algumas pessoas, amigos mais próximos e parentes, julgavam até excessiva essa preocupação que os pais tinham para com o filho. Mas não havia nada que os demovesse caso julgassem algo necessário à educação do filho, caso encasquetassem algo.
            Mas havia algo estranho com o jovem. Já há semanas ele mal falava com os pais e parecia envergonhado com algo que tinha para falar, como se o que tivesse para revelar fosse mudar para sempre a imagem que os pais tinham dele. Ele andava cabisbaixo, comendo pouco e sempre que os pais o chamavam para assistirem a um filme juntos, ele sempre arranjava uma desculpa, só para não ter que, depois do filme, ter que conversar com eles.
            O tempo passa e os pais começaram a perceber as mudanças nos trejeitos do filho. Perceberam a mudança no seu olhar, na sua voz, no seu jeito de falar, nos gostos e até no andar. O pai, sempre preocupado com o que os amigos pudessem falar a respeito de seu filho, estava tão preocupado que passava noites em claro, se perguntando onde tinha errado. Sempre foi um pai exemplar, um homem digno, provedor de todo o sustento da família. Sempre foi o que comumente se chama de homem da casa. Não havia falado nada abertamente com a mulher a respeito do filho, como se só em tocar no assunto fosse capaz de fazer com que o seu pesadelo se tornasse realidade. A mãe, por seu lado, sempre mais compreensiva, imaginava se tinha sido ela a culpada, por ter passado tantas e tantas vezes a mão na cabeça do filho, quando ele fazia coisas erradas.
            A situação estava ficando insustentável, com uma tensão e expectativa no ar, como se alguma bomba estivesse prestes a explodir. A relação entre pais e filho havia mudado, e até a relação entre marido e mulher estava estremecida.
            Houve uma noite em que o homem não aguentou mais e, quando viu o filho sair, chamou a esposa.
            - Marília, eu não aguento mais. Essa dúvida me angustia. Eu não consigo mais dormir só de pensar no que meu filho pode ter se tornado. Eu fico imaginando o que meus amigos poderão falar de mim. Não quero falar isso, mas não quero sentir vergonha dele. De meu próprio filho! Não, isso eu não quero.
            - Pedro, eu também não aguento mais, meu amor. É o nosso filho, mas não consigo imaginar onde erramos. Não acredito que nosso filho tenha se desgarrado de tal maneira.
            - Onde foi que erramos, querida? Acho que eu sou o culpado. Não sai tanto com ele como deveria, não o levei para ir jogar futebol na praia, não o levei para as reuniões com os meus amigos e nem o apresentei aos filhos de meus amigos. Eu sequer o levei a um estádio, para assistirmos a um jogo de futebol! Que péssimo pai eu fui – lamentou-se ele, começando a chorar.
            - Não chore, querido. Na verdade, a culpa é toda minha. Eu sempre fui muito complacente, sempre passei muito a mão na cabeça dele quando não deveria. Escondi os erros que ele cometeu. Sempre deixei ele assistir televisão até tarde, todos os programas que ele queria. A televisão, você sabe, querido, pode influenciar as pessoas, principalmente aos jovens, com personalidade e gostos em formação, como é o caso dele.
            - A culpa é nossa, querida. A televisão tem sua parcela de culpa, sim, por estar fazendo o que está com essa juventude, mas nós, como pais, devemos supervisionar o que nosso filho assiste ou deixa de assistir.
            - Eu sou uma péssima mãe. Deveria ter prestado mais atenção em nosso filho – disse ela, começando a chorar.
            Os dois então se abraçaram e choraram juntos, lamentando, cada um o seu erro, na educação do filho, por ele ser o que ele era (ou que pelo menos eles julgavam ser).
            Foram então ao quarto do filho, onde encontraram vários indícios da personalidade do filho.
            - Ainda não acredito que nosso filho seja... é algo tão ruim, para mim, que me custa até falar.
            - A mim também, querido.
            Os dois, então, começaram a mexer nas coisas do filho. Encontraram roupas comprometedoras e uma revista que o pai sequer teve coragem de pegar.
            - Querida, olhe isso aqui – disse ele, mostrando a revista que tinha encontrado. Ela veio, viu e teve que se sentar na cama para não cair.
            - Não acredito nisso.
            Os dois ficaram sentados na cama, de mãos dadas, como que tentando conseguir forças para se reerguerem após aquele baque.
            - Olhe aquela camisa, querido. Me custa acreditar que meu filho, o meu querido e amado filho, o nosso menininho, possa vestir algo como aquilo – disse ela, apontando para o guarda-roupa, onde estava dobrada cuidadosamente a reveladora camisa.
            - Devem ter sido as companhias. Nós deveríamos ter sido mais atentos quanto a com quem ele saía, suas amizades. Deveríamos ter sido mais rígidos em sua educação.
            - Mas nós fomos rígidos, querido...
            - Mas deveríamos ter sido mais. Se tivéssemos sido mais rígidos, não teria acontecido com ele o que aconteceu...
            Ficaram subitamente em silêncio.
            - Não posso acreditar nisso, mesmo que meus olhos tenham visto o que acabei de ver. Tenho que ouvir isso da própria boca dele. Ligue para ele e mande-o vir para casa imediatamente, Marília.
            A mulher pegou seu celular e ligou para o filho, que não entendeu o tom de urgência na voz da mãe nem o motivo daquele chamado, mas não questionou. Disse que chegaria em poucos minutos a casa.
            Pais estavam e silêncio, na sala, aguardando pela chegada do filho.
            Quando ouviram o barulho da chave entrando na fechadura, levantaram-se de um salto. O filho, ao abrir a porta, tomou um susto ao ver os pais naquela posição. “Será que eles descobriram que eu sou...”
            - Queríamos ter uma conversa muito séria com você, filho – disse o pai, apontando uma cadeira para o filho se sentar.
            - Pai... Mãe... eu... posso explicar – começou a falar o rapaz, gaguejando.
            - Você pode explicar isso, filho? – falou o pai, mostrando a camisa do Corinthians, a prova do crime, que tinha encontrado escondida dentro do guarda-roupa.
            O rapaz apenas abaixou a cabeça, envergonhado. Sabia da culpa que lhe cabia, sabia da vergonha que os pais sentiriam dele. Talvez a mãe até o compreendesse, como sempre compreendia, mas mesmo ela não deixaria de se sentir envergonhado ao sair com ele vestindo aquela camisa, mas o pai não, ele não lhe perdoaria. Iria, sim, respeitá-lo como filho, mas jamais seria capaz de aceitar aquela escolha.
            - Corinthiano... meu filho é um Corinthiano... – dizia o pai – Que lástima, que vergonha para mim, para toda a família... Corinthiano...
            - Calma, querido, calma... logo vai passar – falou sua esposa, levando-o para um canto peto da janela, onde pudesse tomar um vento. Foi pegar um calmante, para ajudá-lo a digerir aquela dura revelação.
            O filho foi para o quarto, sentindo todo o peso de sua culpa. A mãe ainda foi lavar a louça antes de dormir. O pai, tendo tomado doses cavalares de calmante, foi se deitar, a pedido da esposa, mas mesmo com os olhos fechados, dormindo, sonhando, não deixava de falar:
            - Corinthiano... Não acredito que meu filho seja um Corinthiano!

2 comentários:

  1. Oi Lima, kkkk
    Muito bom seu texto,confesso que você me surpreendeu!Bem, achei, realmente o que você me induziu que eu pensasse, isso é premio para você.Mas desde a primeira frase que eu lembrei até o fim do livro A Mãe de Gorki, exceto pelo pai, a mão também teve pensamentos duvidosos qto ao filho.
    Muito bom!

    ResponderExcluir
  2. o detalhe, que eu esqueci de colocar no blog, é que eu sou são paulino... rsrs

    ResponderExcluir