domingo, 3 de maio de 2009

O Homem e o Pássaro - Conto

Dentro da cela de uma prisão o homem definhava. Dia após dias ele perdia suas forças, deixava de sorrir, deixava até de abrir os olhos para contemplar o nascer do sol, que podia ser visto através da janela de sua cela. Seus olhos haviam se habituado ao tom cinza das paredes daquela prisão, ao tom metálico das grades, e a luz do sol lhe feria os olhos. O único som que ouvia era o do silêncio, pois de tanto escutar as lamúrias de seus companheiros de prisão, havia ficado surdo para os homens. Aquele homem havia perdido muito mais do que sua liberdade, ele havia perdido a sua sensibilidade, havia perdido suas esperanças.
Todos os dias eram iguais para aquele homem naquele recinto. Ele acordava, mas não abria os olhos, pois a luz do sol lhe cegava, mantinha-se surdo para o mundo, apesar de todo o barulho das pessoas ao seu redor.
Mas eis que num dia, pela manhã, uma tênue luz, um raio de sol, passou pela janela e foi bater diretamente eu seu rosto, em seu olho. O homem, então, pego de surpresa por aquele golpe, procurou cobrir o rosto com ambas as mãos, pois tinha a impressão de que aquela luz lhe queimava os olhos, e foi se esconder no canto mais afastado e escuro de sua cela. Ainda atordoado por aquele golpe e tendo a luz ainda em seus olhos, ele escutou um som vindo de muito longe. Era um barulho tão suave, mas que foi se aproximando. Era o barulho do bater suave das asas de um pássaro, que se aproximou até pousar no parapeito da janela. O pequeno pássaro, de um amarelo tão belo e delicado quanto o sol no início da manhã, esticou seu pescoço e espiou dentro da cela. Olhou de um lado para o outro até que viu o homem ali, todo encolhido, como se estivesse com medo, a se esconder de algo.
O pássaro deu um salto e pousou suavemente dentro da cela, e tão logo seu pés tocaram o chão, encheu seu pequenino pulmão de ar e começou a cantar. Era um som tão suave, tão harmonioso que o homem, desacostumado como estava ao que era belo, sentiu um arrepio que lhe percorreu todo o corpo, como se a imagem de uma lembrança percorresse todo o seu corpo, despertando seus membros. O homem, então, ficou a escutar aquele canto com os olhos fechados, imaginando que se tratavam de anjos que tinham entrado naquela cela, para lhe transmitir um pouco de paz e harmonia para seu espírito. Seus olhos foram se abrindo pouco a pouco, deixando que a luz do sol lhe devolvesse a visão enquanto ele deixava que aquele canto lhe absorvesse por inteiro, entrasse em sua alma.
Após terminar sua cantoria, o pássaro abiu lentamente suas asas e olhou pela última vez para o homem e voou. O homem, estupefato como estava, nem se mexeu. Ficou apenas a observar o pássaro levantar voo e partir. E pela primeira vez em anos, desde que fora preso, um sorriso aflorou em seus lábios. Aquele sorriso era como o surgir de um arco-íris no céu após uma tempestade.
O homem ficou o resto daquele dia com os olhos voltados para fora, na tentativa vã de vislumbrar o voo do pássaro, mas para sua decepção, ele não tornou a aparecer.
No dia seguinte o homem foi novamente acordado pelo raio do sol que incidia diretamente em seu rosto, mas dessa vez ele não se assustou, mas deixou que o calor do sol tomasse conta de seu corpo. E no mesmo horário do dia anterior, o pássaro veio. Entrou novamente na cela pela estreita janela e cantou, mais uma vez, para o homem. Sendo que desta vez ele não se sentiu satisfeito por ter tão pouco tempo da paz que era transmitida pelo canto do pássaro, e se sentiu triste quando a ave foi embora, e passou o resto do dia remoendo a sua tristeza, cultivando a sua saudade, pensando numa forma de ter o pássaro um pouco mais só para si.
Na manhã seguinte, antes mesmo do nascer do sol, o homem já estava de pé, andando de um lado para o outro, impaciente pela chegada do pássaro. E como todas as manhãs, o pássaro veio no mesmo horário, mas desta vez encontrou o homem de pé, bem ao lado de onde ele pousava todos os dias. Os olhares do pássaro e do homem se cruzaram, e a ave tentou alçar voo, logo tão logo pôs os pés no chão, pois havia percebido algo diferente nos olhos daquele a quem ele vinha alegrar todas as manhãs. Mas o homem foi mais rápido, e fechou a janela, a saída, para o pássaro, pois queria, a partir daquele dia, tê-lo apenas para si, para que ele cantasse o dia inteiro.
O pássaro tentou fugir por todos os cantos, mas não conseguiu. Agora era ele quem teria a sua liberdade privada, era ele quem ficaria preso dentro de uma cela escura.
Cansado de tanto tentar fugir, o pássaro pousou e se refugiou no canto mais escuro da cela, no exato lugar onde havia encontrado o homem na primeira vez em que o vira.
O homem, impaciente, exigia a altos brados que o pássaro cantasse, mas a ave se manteve calada, e assim ficou durante todo o dia.
Na manhã seguinte o homem acordou, mais uma vez, antes do nascer do sol e ficou a observar o pássaro, que de tão triste, de tão sem vida que se tornara, que ficou parecido com o homem, tal como ele era, antes do primeiro encontro dos dois. Seus olhos já não tinham vida, as suas asas não mais eram abertas, mantendo-se presas ao corpo durante todo o dia e sua voz já não era mais ouvida. Mas o homem, ambicioso, nada via da tristeza do pássaro, e só lamentava a si próprio, que não tinha mais o canto para lhe acalmar o espírito pela manhã.
E no dia seguinte e no seguinte e no seguinte as coisas foram iguais, com o pássaro a definhar e o homem a ficar mais e mais impaciente, até que ele, finalmente comovido com a tristeza da ave, tomou a atitude mais sensata de sua vida: abriu a janela e deixou que o sol tornasse a entrar por ela, iluminando a cela. O pássaro, que não percebera o gesto do homem, sentiu quando este lhe legava delicadamente com suas mãos rudes e o levava até o parapeito. Lá, o homem soltou o pássaro, que demorou a compreender aquela mudança de atitude daquele que havia lhe privado de sua liberdade. Olhou com seus lindos olhos, que recuperaram o brilho da vida, para o homem, que tinha uma lágrima, que se desprendera do olho e escorria pelo seu rosto.
O homem empurrou suavemente o pássaro, indicando que ele podia ir embora, mas eis que a ave, em sinal de gratidão, voltou para a cela e lá cantou, como havia feito das outras vezes, e o homem sorriu, muito mais feliz do que da primeira vez. O pássaro passou a vir todas as manhãs para a cela do homem, para lhe fazer companhia e para cantar para ele. E o homem se sentia feliz por ter o pássaro só para si durante alguns instantes, por saber que aquele canto era só dele. E todos os dias, depois que o pássaro ia embora, ele ficava na janela, observando o céu, contando as horas para que a ave voltasse no dia seguinte para lhe fazer companhia.

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