Era fim de tarde e a anciã
estava sentada, como sempre fazia àquela hora, vendo o pôr do sol. Sentada em
sua cadeira de balanço no canto mais afastado da varanda de sua casa, ela,
enquanto contemplava tão raro-comum momento, olhando ao longe, revivia os
momentos passados de uma simples felicidade.
O
pôr do sol, para ela, era a hora em que tudo acontecia. Foi num fim de tarde,
quando ainda era uma adolescente, que vira o homem de sua vida pela primeira
vez, e que só vários meses após aquele primeiro encontro, no exato instante em
que o sol de deitava no horizonte, que eles se beijaram pela primeira vez. Foi
num fim de tarde em que o sol demorava a se pôr, como que para contemplar a
felicidade dela, que se casou, e nove meses depois, quando o sol se pôs, que
deu a luz ao primeiro filho, cuja primeira visão foi a da luz do sol de fim de
tarde que entrava pela janela entreaberta.
Teve
vários filhos, todos nascidos à mesma hora, que levava, quando crianças, para
brincar à sombra de uma árvore, para sentirem a brisa vespertina que soprava
vinda do oceano e para, no exato instante em que o sol se punha, ficarem em
silêncio só pelo prazer de verem o sol fechar os olhos lentamente no horizonte.
Era
sempre ao final de cada tarde que ela se sentava para ver o pôr do sol enquanto
esperava o marido chegar do trabalho, sempre trazendo presentes para ela e para
as crianças, e foi num dia, no único dia naqueles longos anos de felicidade, em
que se atrasou, chegando no início da noite, que trouxe consigo a notícia de
que estava doente. Os dois choraram juntos, e prometeram um para o outro lutar
juntos até o fim, e nunca deixarem um ao outro a sós, não importa o que
acontecesse.
Lutaram,
choraram, sorriram e tiveram esperanças, e foi num dia, num fim de tarde, em
que tinham esquecido de por que um dia estiveram tristes, que ele se foi, junto
com o sol que fechava os olhos para dar lugar a noite. Foi nessa noite de
ventos frios em que a nuvem encobriu a lua e as estrelas, que ela chorou
sozinha e que soube que nunca estaria a sós, pois ele estaria para sempre com
ela e viria visitá-la ao final de cada tarde, e ficariam calados, de mãos
dadas, vendo o sol se pôr.
Ele
foi enterrado, ao final da tarde seguinte, embaixo de uma árvore na parte alta
do cemitério, num pequeno morro, para que pudesse contemplar, todo dia, o
espetáculo que a vida oferecia diariamente a todos que tinham sensibilidade
para ver o momento.
Ela
voltou calada durante todo o trajeto do cemitério até sua casa, onde se trancou
no quarto por vários dias, só abrindo a janela para ficar junto e segurar a mão
de seu marido enquanto contemplava o pôr do sol.
Foi
num fim de tarde que recebeu a notícia do filho dizendo que ela ia ser avó, de
um outro que tinha arranjado um emprego em outra cidade e de um terceiro que
tinha passado no vestibular.
Foi
enquanto o sol se punha que uma filha, que ainda muito jovem tinha saído de
casa para ganhar a vida, trabalhando numa cidade distante, voltou para que ela
conhecesse sua primeira neta. Ela sentou a criança em seu colo, que
imediatamente olhou ao longe, para onde o sol se punha, e ficaram as três, mãe,
filha e neta, a contemplar a beleza do instante.
Enquanto
contemplava o pôr do sol foi que recebeu a notícia da morte trágica de um dos
filhos, que ficou sabendo da doença de um irmão e que chorou de saudade dos
tempos e das pessoas amadas.
Era
em cada fim de tarde, de alegrias e tristezas, de lágrimas e sorrisos, que ela
se sentia em paz. Era o silêncio do canto dos pássaros de cada fim de tarde que
a reconfortava, que fazia de cada momento eterno, que fazia a vida valer a
pena, que ela sentia como que o tempo parar ou passar lentamente, como a luz do
sol que vai se apagando pouco a pouco.
Foi
naquele fim de tarde em que contemplava o sol como da primeira vez, que viu seu
marido se aproximar chorando, e ela o recebeu sorrindo, de braços abertos. Os
dois ficaram lado a lado: ela em sua cadeira de balanço e ele de pé, que
contemplaram o pôr do sol pela última vez que, quando o sol fechou seus olhos
naquele fim de dia, ela também fechou os seus, e ficou para sempre com aquela
luz dourada em seus olhos.
Parabéns, muito boa!
ResponderExcluirRealmente excelente conto amigo Arlindo. Desses para serem lidos nos fins das tardes para a mulher amada
ResponderExcluirÉ um lindo conto. Realmente de uma imensa melancolia
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