
Rose, com sua sensibilidade,
percebeu que eu não levava jeito para vendas, mas sim para um trato e uma
relação diferenciada com o livro, e, por isso mesmo, resolveu me promover antes
do término de meu contrato de experiência. Foi aquele primeiro sábado, 2 de
julho de 2005, um dos dias mais felizes de minha vida. Eu corria de um lado pro
outro pela livraria, atendendo um leitor e outro, orientando, ajudando,
localizando livros, fazendo indicações de leitura e, o mais curioso de tudo,
apesar de, naquele dia, ter alcançado um record em valores de venda, não vendi,
no sentido restrito da palavra, um único livro. Eu fiz e continuei fazendo
muito mais do que vender livros nos dias, semanas, meses e anos que se
seguiram.
Cheguei, na metade dessa longa-curta
empreitada de dez anos, a marcas expressivas, como, por exemplo, ao número de
R$1.000.000,00 em vendas de livros, no início de 2009, o que me rendeu um bom
prêmio, placa e homenagens, e não vou dizer que nunca tenha atuado como
vendedor, pois atuei, sim, mas me orgulho de dizer que foram raros esses
momentos e que tenho, hoje, plena consciência de que atuar diretamente com vendas
não é o meu forte. Sempre bati as metas propostas sem precisar, nunca, me
desesperar, correndo atrás de clientes, mesmo porque, eu nunca fui de ter
clientes, mas sim amigos leitores, pessoas com quem troco experiências e
impressões de leitura.
Nesses dez anos eu já fiz muitos
amigos, e um orgulho que tenho é que não fiz inimizades (tudo bem que há uma
pessoa ou outra que entrou – e que entra – na livraria e não foi – não vai –
com a minha cara; tudo bem que me dei e me dou melhor com uma pessoa do que com
outra, mas inimizade mesmo, não fiz, assim como não sou de fazer em lugar
algum), prova disso é a boa relação que cultivo diariamente com todas as
pessoas com quem convivi e convivo diariamente. Posso até não falar diariamente
com todo mundo, pode até fazer um considerável tempo que não dou um “oi” para
um ou outro, mas que, mesmo com as não-palavras-ditas, sei que a amizade
continua intacta. Meu respeito e admiração por Andreza continua intacto e
cresce mais e mais a cada dia, as boas lembranças dos tempos do convívio diário
com Alessandra continuam em mente, a saudade dos papos-cabeça com Ivson por
vezes aperta, o carinho e o respeito por Alessandro e Leonardo nem se fala...
Foram e são tantas as pessoas com quem tive a imensa honra e privilégio de
conviver nesses dez anos que é impossível citar todas num único texto, mas,
mesmo não verbalizando seus nomes, todas são lembradas diariamente por mim ao
sair de casa todo santo dia para mais uma jornada de trabalho. O que falar da
admiração que tenho por Marcony, que, se eu me orgulho por estar para completar
dez anos, o que dirá e sentirá ele, que já tem quase a minha idade só em tempo
de estrada? O que falar da relação de cooperação contínua e respeito construída
diariamente com Adriano? O que falar da amizade e respeito que nutro por
Elinaldo, Luíza e Laiz? É, amigos... foram e são muitos amigos que a vida e o
trabalho me deu nesses dez anos de labuta diária...
Foram inúmeros os supervisores e
gerentes nesse meio tempo, desde Vilma e Teresa, lá atrás, nos tempos de
Siciliano, até hoje, já na família Saraiva, trabalhando com Stela. Mas sabe o
que é mais legal nisso tudo, de minha relação com meus superiores? Eles não são
e nunca foram superiores, gerentes, supervisores, líderes (essas nomenclaturas
são somente cargos, são somente nomes que constam nas carteiras de trabalho
deles), mas sim iguais, em trabalho, cargo, brigas, desentendimentos e muitos
entendimentos. Tudo bem que nem sempre estive nem estou de acordo com uma
postura frente a determinada situação e por vezes até discuto, com o devido
respeito, com aquele a quem devo me relatar, mas essas rusgas nunca
atrapalharam nem vão atrapalhar a excelente relação que construí e construo com
cada um.
Mas sabem o que me fez colocar em
retrospecto isso tudo, sabe o que fez essas memórias me tomarem subitamente de
supetão? A sólida e inigualável relação que construí com as dezenas, centenas,
quiçá milhares de pessoas ao longo desses dez anos. Nunca pautamos a nossa
relação baseada no preceito vendedor-cliente, mesmo porque, como já disse, não
sou um bom vendedor, e se dependesse de meus dotes profissionais como tal para
fazer amizade, iria morrer na solidão, mas sim na relação entre amigos, entre
duas pessoas que amam o mesmo ser-elemento vivo: o livro. E aqui, mais uma vez,
fico com uma imensa dor no peito e consciência por não poder citar todos, pois
são MUITOS, podem ter certeza, e peço uma Odisseia de desculpas a cada um,
dando-lhes a certeza de que, mesmo sem falar seus nomes, lembro de cada um.
É impossível, sempre, para mim,
falar nesses meus dez anos de livraria sem lembrar e falar nos nomes do
compulsivo-por-livro Rômulo, sempre exalando tranquilidade e simpatia; do
sempre sensato e elegante em seus comentários e opiniões Adauto, do casal que
eu muito admiro Marcos-Karina, do pai-filha Honório-Bárbara; da plural e com
muito bom gosto, sempre, em tudo, Nicolle; da meio-tímida Val, sempre a
procurar e pedir, desejosa de uma indicação de uma leitura que a surpreenda; de
Lorenna, que todo mês diz que não vai, que não pode comprar livros, mesmo com
seu Vale Cultura, mas nunca consegue resistir ao pôr os pés na livraria. O que
posso falar de Adriana, que é, mais do que uma mulher, um Ser Humano
extraordinário? Maria do Carmo, Célia, Neusa e Ariette são pessoas a quem muito
admiro e respeito mais do que consigo expressar; Dilermando, Maurício e José
Brandão, eu não saberia nem o que falar; Joenilson, o maior francófilo do
mundo, eu não consigo mais conceber qualquer pensamento sobre a França sem que
a sua figura me venha à mente; Monique, Elisabeth, Henrique, Pedro, Leopoldo,
Virgínia, Sesiberg, Hérica, Ronaldo, Alberto, Marcello, Ammer, vigi... e por aí
vai a enorme lista de amigos que a vida-trabalho-livraria me deu nesses dez
anos. Tem também, além desses todos, aqueles que eu nunca sei ou lembro do
nome, como aquele senhorzinho que vai duas vezes por mês à livraria para
comprar livros para sua esposa, e sempre me pede uma indicação, e eu sempre
acerto em cheio, mesmo sem nunca ter trocado uma única palavra com ela! Tem
aquela mulher elegante, que mora na Inglaterra, que vem ao Brasil uma vez por
ano e, sempre que pode, passa na livraria para pegar, comigo, uma lista de
indicações de leituras para fazer ao longo do ano seguinte; tem aquela senhora,
juíza, que ama literatura russa, que me confidenciou certa vez que não vê a
hora de largar os excessos de formalidades e obrigações que a sua profissão lhe
impõe para poder se dedicar ao fantástico universo da literatura; tem aquele
senhor que foi médico legista durante décadas, mas que hoje, aposentado,
resolveu cuidar só e exclusivamente de orquídeas e ler, ler e ler.
É, amigos, dez anos não é pouco
tempo, não, e são muitas pessoas que eu tive o privilégio de conhecer e estar
construindo, sempre, uma sólida amizade, e prova disso é ver a agenda de meu
celular, repleta de tantos nomes de pessoas da livraria, e isso só foi/é
possível pelo fato de eu ser um não-bom-vendedor, mas sim um amante confesso da
literatura e um orgulhoso livreiro de ter trilhando e estar trilhando um
longo-curto caminho.