domingo, 17 de junho de 2012

Esquecer

Ele queria esquecer. Poder fechar os olhos e nem que fosse por uma fração de segundo, pelo tempo que existe entre uma batida e outra do coração, poder simplesmente esquecer. Queria poder livrar sua mente de todo e qualquer pensamento, ficar no mais profundo e completo silêncio, silenciar as vozes em sua cabeça para viver um instante de paz consigo mesmo. Ele queria fugir do mundo, de tudo e de todos, mas não podia fugir de si mesmo, e onde quer que fosse ele estaria junto consigo, para fazê-lo, sempre, lembrar daquilo que não podia, jamais, esquecer. Ele, por vezes, chegou a correr até cansar, desesperado, tentando fugir daqueles pensamentos, em vão. Suas pernas cansaram, seu coração batia acelerado, a respiração estava pesada, e tudo que havia cansado foi se frustrar ao constatar que não podia correr mais rápido, fugir de seus próprios pensamentos, que o tempo todo o faziam lembrar daquilo que ele queria esquecer.
            Cansado, ele desabou no chão, pois se sentia exausto, acabado física e mentalmente. Sentia como se estivesse eternamente a andar em círculo, como em uma maldição, sendo obrigado, o tempo todo, a voltar para o local de onde partira, somente para se ver obrigado a lembrar, a se ver de frente com o inevitável, que ele queria evitar a todo o custo. Com os olhos fechados ele se deixou prender, se deixou ser agarrado e levado com uma criança obediente pela mão, sendo conduzido passo a passo para o local em que se depararia com aquilo que tentava evitar, esquecer. Seus pés o levaram instintivamente, pois sabiam o caminho, como se, por mais que negasse, era para ali que deveriam tê-lo levado há tempos. Suas mãos abriam portas que ele deixava outrora trancadas, como se só em tocá-las elas se abrissem, pois há tempos o esperavam. Não via nada do que acontecia ao seu redor, pois caminhava com os olhos fechados, deixando que seus pés e seu destino o guiassem. Não ouvia os milhares de sons que explodiam em todos os cantos, pois estava atento apenas aos sons e vozes que agora pareciam sossegar aos poucos dentro de sua cabeça. Quase que sentia falta dessas vozes que o acompanharam desde sempre.
            Parou em frente a uma porta que estava trancada. Procurou em seus bolsos a chave, pois sabia que a havia guardado em algum lugar, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, iria precisar dela para abrir aquela porta. Transcorreram minutos infindáveis, que se arrastavam como uma eternidade, até que encontrou a chave. Enfiou-a na fechadura, destrancando a porta, e girou muito lentamente a pesada maçaneta, como se, justo naquele instante, pudesse ainda fugir. Mas não ousou dar esse passo para trás. Já havia fugido demais, e precisava, naquele momento, encontrar-se com aquele de quem tanto fugira. Deu um passo pesado mas decidido para dentro daquele recinto. Contava os passos que dava, um a um, até que parou de frente a um enorme objeto que estava encoberto por um pesado pano. Abriu os olhos e viu, encoberto, o objeto que tanto evitara. Ainda se sentia seguro ao vê-lo encoberto, inofensivo. Muito lentamente esticou o braço e abriu a mão para poder retirar aquele pano. Ao fazê-lo, uma espessa camada de poeira subiu, obrigando-o a abaixar os olhos. Agora se via, finalmente, frente a frente com o objeto que evitara, que podia fazê-lo ficar frente a frente com a pessoa de quem fugira, e só o que o separava dessa pessoa era um levantar de olhos. Ainda sentia um certo medo, uma insegurança, instinto de uma autopreservação, mas não podia evitar. Lentamente levantou os olhos. Viu se delineando a forma do espelho que evitara, que o mostrava de corpo inteiro e, do outro lado, aquele de quem fugira, que tentara, em vão, por anos a fio, esquecer. Viu-se, frente a frente, consigo mesmo. Miraram-se, olhos nos olhos, despidos de todas as máscaras, sentindo todo o peso daquele reencontro.

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