Toda a nossa vida está calcada e gira em torno do tempo, da
hora exata, do instante exato e tudo começa no exato momento em que a preciosa
semente de nosso pai é plantada no fértil solo-uterino de nossa mãe. A partir
desse instante, começa-se a contagem regressiva para que sejamos colhidos e
postos nesse louco mundo regulado por relógios...
Após longos
e maravilhosos nove meses, somos colhidos do solo-uterino pelas habilidosas, porém
desconhecidas, mãos de um médico que nos arranca do aconchego de nosso primeiro
lar. Recebemos, em seguida, um atestado dizendo a nossa “primeira hora no mundo”
em que consta o horário de nosso nascimento. Quando bebês, somos totalmente
regulados pelas horas de nosso organismo: hora de mamar, hora de acordar, hora
de trocar a fralda, hora de tomar banho, e são tantas e tantas e tantas e
tantas horas infindas, tantas madrugadas em claro até conseguirmos nos adequar às
rotinas e horários, acertar os ponteiros de nosso relógio biológico de acordo
com o relógio desse novo mundo no qual fomos jogados.
Somos e
vivemos tantas horas em nossas vidas... Por vezes são horas maravilhosas que
passam depressa, mas há, também, as horas que se arrastam numa longa tortura
que parece nunca ter fim. Odiamos, quando crianças, quando os nossos pais
surgem e nos dizem que está na hora de dormir. Tentamos argumentar e por vezes
até choramos dizendo que não estamos como sono, mas eles são inflexíveis, e nos
põe na cama e nos cobrem com um maravilhoso e quentinho cobertor. Odiamos mais
ainda as longas horas de tortura que são, na escola, as aulas de matemática, a
que somos obrigados a assistir e a tentar prestar atenção e entender aquelas
lógicas e a decorar aquelas fórmulas... Mas adoramos, em contrapartida, quando
ouvimos o sinal do fim da aula, que nos devolver a liberdade roubada, que nos
mantém preso daquela prisão chamada escola. Adoramos, também, em nossos
aniversários, quando chega a hora de cantar o parabéns, quando somos o centro
das atenções e que recebemos todas aquelas felicitações vindas de tantas vozes.
Adoramos a hora que nossos pais nos liberam e dizem “pode ir brincar”. Adoramos
quando o sol se põe e as sombras da noite aparecem, em que podemos brincar de
esconde-esconde.
Na adolescência,
são outras horas que fazem sentido, que marcam, que amamos e que odiamos. Por exemplo,
a hora de acordar, que é um tormento diário a que estamos sujeitos. Todos os
dias queremos dormir mais um pouco, pois temos a certeza absoluta que “ainda dá
tempo”, que podemos tirar “só mais um cochilo”, mas que nunca nos é permitido
mais esse momento. Nessa época da nossa vida, nunca somos pontuais: ou chegamos
sempre atrasados, ou nossa ansiedade nos obriga a chegar sempre antes. Somos ansiosos
por natureza, queremos as coisas “pra ontem” e nunca sabemos (nunca queremos)
esperar pela hora certa, pelo momento exato em que tudo está fadado a
acontecer. Adolescência e fase de mudanças e descobertas, e a cada momento é
uma nova. É o primeiro beijo que nos marca, o exato instante em que os lábios
se encontram e em que as línguas desajeitadas se enroscam; é a descoberta do
sexo, do primeiro gozo, este tão maravilhoso, tão intenso, que por mais curto
que tenha sido o instante de sua explosão, é um momento glorioso de nossa vida,
uma hora que ficará marcada eternamente em nossa memória. É, também, na
adolescência, em que nos damos, talvez pela primeira vez, conta de que fazemos
efetivamente parte desse mundo, e que começa a nossa briga por um lugar ao sol,
mas com direito de poder desfrutar de uma boa sombra. A briga e o tormento da
escola continuam (principalmente os tormentos das aulas de matemática), mas
aprendemos a suportá-las, pois sabemos que o tempo passa e que lá na frente,
num futuro que não e tão distante assim, tantas “horas perdidas” serão
recompensadas...
Na transição
da adolescência para a primeira fase de nossa vida adulta, somos obrigados a
esperar pela hora em que serão divulgados os nomes dos aprovados no vestibular.
Ficamos contando as horas, vendo todos aqueles nomes passando na televisão,
esperando para ver o nosso, para ouvir o nosso nome sendo lido, e quando isso
acontece, exultantes de alegria, parece que nos passam flashs em nossa cabeça, um do passado, de tudo que passamos para
chegar até ali, das longas horas das aulas, das horas dedicadas ao estudo, dos
cansativos aulões, e um do futuro que está se descortinando perante nossos
olhos. A partir daquela hora exata nos sentimos não mais criança nem
adolescente, mas sim adultos. É nessa fase de nossa vida em que o apego a hora
exata tem que ser seguido a risca: é hora pra estudar, hora pra fazer trabalho,
hora pra fazer nada (raríssimas!!!), hora pra descansar, hora de enviar
trabalhos para serem revisados pelos demais membros do grupo da universidade. Depois
vêm as horas do estágio, a hora limite para a entrega do trabalho final de
curso, a hora de nossa primeira entrevista de emprego... Ah, e quão felizes
ficamos quando recebemos a notícia de que fomos aprovados nos testes, de que tal
dia e a tal hora começaremos! Temos uma hora exata para chegar no primeiro dia
de trabalho, mas nossa ansiedade é tamanha que nos obrigada a chegar horas
antes...
Na verdadeira
fase adulta, ficamos presos às horas, ao relógio, às rotinas. Somos obrigados a
estar o tempo todo com um relógio por perto, para não nos atrasar para tal
compromisso, para não perder a hora de enviar tal relatório. São tantas horas
exatas a que temos que ter sempre em mente que ficam em falta as horas que deveríamos
dedicar a nós.
E assim segue a vida, com suas
mil e uma horas, umas que adoramos, outra nem tanto, umas pelas quais esperamos
tão ansiosamente, outras que queremos protelar eternamente sua chegada. Esperamos
ansiosamente pelo exato instante em que ouviremos pela primeira vez o primeiro choro
de nosso filho e pela primeira vez em que eles nos chamará de “papai” ou “mamãe”,
pela primeira vez em que o veremos dar seus primeiros e desajeitados passos,
pelas horas longas em que morremos de preocupação quando, já na adolescência, o
esperamos chegar de uma festa que tão insistentemente pediu permissão para ir,
e que mesmo sem ser de nosso gosto, permitimos. Não queremos, nunca, que chegue
a hora da partida de entes tão queridos, mas acabamos nos conformando, pois
tais momentos fazem parte do curso natural da vida.
Não nos esquecemos jamais do
exato momento em que nos olhamos no espelho e vemos o nosso reflexo e
percebemos o efeito do tempo sobre nós, que sentimos todo o seu peso sobre
nossos ombros, e nos damos conta de que, em seu curso natural em que o relógio
continua a correr, em breve (que torcemos para que não seja tão breve assim) chegará
o momento em que, no alto do relógio, os ponteiros irão se encontrar e que
chegará o exato instante, a hora exata em que fecharemos os nossos olhos...