Caminhava um menino de forma
distraída quando olhou para o céu e viu as primeiras nuvens encobrirem o sol e
percebeu que logo iria começar a chover, e apressou o quanto podia os passos
para encontrar um abrigo onde pudesse ficar e se proteger, pelo menos até
quando a chuva passasse. Mas sua pressa não foi suficiente e, mesmo correndo,
ainda se molhou com as primeiras gotas d’água que caíram do céu. Encontrou abrigo
embaixo de uma frondosa árvore, que por ser tão alta, por possuir tronco e
galhos tão frondosos e folhas tão grandes que água alguma chegava a cair no
chão. O menino, ali, se sentiu protegido da chuva, e ficou um tempo. Logo
sentiu frio e passava as mãos vigorosamente por sobre os ombros, com o intuito
de aquecer um pouco o corpo, mas o vento soprava com tanta força que por mais
que o menino se esforçasse, não conseguia se manter aquecido, então se
aproximou um pouco mais do tronco da árvore, a fim de sentir seu calor.
A
cada instante ele olhava para o céu, com a esperança de que aquelas nuvens de
chuva fossem empurradas para longe, mas a tempestade parecia não abrandar.
Estava agachado, encostado ao tronco da árvore, se sentia entediado por estar
ali, preso, e a cada instante soltava aos céus uma queixa, quando escutou algo
mais alto do que o som dos trovões que ribombavam à distância. Era um som
límpido, de alguém feliz, de uma gargalhada, e se levantou para quem estava ali
por perto, debaixo daquela chuva, e viu um outro menino, que, mesmo de forma
trôpega, caminhava tranquilamente, sem temer a chuva que caía. Estava com os
braços abertos, tal qual um avião, e com a boca aberta bebia a preciosa água
que caía do céu. Parava, com os braços voltados para o céu e girava em torno de
si mesmo, rindo, sem mesmo saber do quê. O primeiro menino então começou a
chamá-lo:
-
Menino... Menino... Saía dessa chuva, que você vai acabar se molhando...
Menino... Menino...
Mas
o outro menino não ouvia, pois estava embriagado por uma imensa felicidade. Com
a boca aberta num único e longo sorriso, deixava que a água lhe saciasse a
sede. Tinha os olhos esbugalhados, como que para ver cada pingo d’água que caía
do céu.
O
menino tornou a chamá-lo, mas o outro não escutava, então resolveu ir pegá-lo.
Muito contrariado, levantou-se, abraçou os próprios ombros e saiu em uma
corrida desenfreada de encontro ao outro, que tão feliz tomava seu banho de
chuva. Quando os dois se encontraram, o primeiro segurou com firmeza o punho do
outro, que se assustou ao ser abordado daquela maneira, mas se deixou conduzir
docilmente. Os dois correram juntos, um segurando com firmeza a mão do outro,
que tropeçava a cada dois passos e a cada vez que isso acontecia soltava uma
sonora gargalhada, e por pouco não veio ao chão duas ou três vezes. Quando
finalmente estavam seguros debaixo da árvore, o menino, reclamando por ter se
molhado, olhava fixamente para o outro, que tinha o rosto voltado para trás,
onde a chuva caía, como se estivesse sendo chamado por ela. Quando ele se virou
e ficou de frente ao que tinha se molhado para ir tirá-lo debaixo da chuva,
estava com um sorriso estampado na face.
-
Você não gosta de banho de chuva? – perguntou.
O
menino então percebeu que o outro era cego, e não sabia o que este achava de
tão engraçado em se molhar, em tomar um banho de chuva.
A
chuva então cessou, como que num passe de mágica, e o menino, mesmo sem nada
enxergar, virou o rosto para o alto, como se seus olhos mirassem ao longe, na
direção em que surgia no céu um esplendoroso arco-íris, enquanto o outro olhava
para o chão, a poucos metros de distância de onde estava, onde havia uma poça
d’água. Este não entendeu o que o outro estava vendo e do que estava rindo.
Soltou mais uma poção de imprecações destinadas aos céus, deixando o outro ali,
sozinho, contemplando o que ele não sabia o quê, com aqueles olhos que ele
julgava nada enxergarem ao seu redor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário