domingo, 10 de junho de 2012

Doces lembranças, dura realidade


Após tantos e tão longos anos, voltei. Mas tal foi a minha surpresa ao me deparar com tal cena que se descortinava diante de meus olhos. Deveria ter ficado onde estava, distante, e permanecer com a imagem que guardava em minhas lembranças do que ter diante de mim aquilo que meus olhos viam e que minha razão demorava a crer. Não havia qualquer som, seja de risada, o latido de um cão ou o canto de um pássaro. Nada restava ali. Tudo estava morto. Uma única e doída lágrima me escapou do olhou e escorreu por minha face. Não tentei contê-la, escondê-la ou limpar o rosto, pois aquela era uma lágrima verdadeira, que brotava do fundo de minha alma.
            Andei distraído, contando os passos, revisitando na memória cada um daqueles lugares que não mais existiam. Tudo era desolador e me doía fundo no peito. Em minha ingenuidade, imaginava que aquele lugar ficaria eternamente a me esperar, como um refúgio, onde eu poderia me recolher e voltar a ser o que um dia fui. Mas ao ver aquilo, sentir aquela dor no peito, sentir as lágrimas que brotavam em abundância de minha alma e escorriam pela minha face, percebi que não fui ingênuo, mas sim um tolo ao acreditar naquela fantasia que só existia em minha cabeça, em minhas lembranças, pela qual nutria tanta esperança.
            Senti um frio me percorrer o corpo, apesar do calor que fazia, pois não havia, ali, mais uma única sombra onde pudesse me refugiar. Sentei-me naquele chão duro, tão pouco acolhedor e peguei um punhado de terra e deixei que ela me escorresse por entre os dedos. Não era mais a mesma terra de outros tempos. Olhei para o alto e o vi tão cinza, como tudo ao meu redor, da cor que ia se tingindo, pouco a pouco, a minha alma. Soltei um suspiro fundo e fechei os olhos, com a esperança de que, ao reabri-los, veria tudo diferente, e cheguei a escutar os ecos de outros tempos reverberando nas paredes de minha memória e cheguei até a sorrir. Não queria abrir os olhos nunca mais e sair dali como chegara, com as doces lembranças dos tempos passados que sonhava ainda poder reviver.
            Levantei-me lentamente, ainda com os olhos fechados, apoiando-me no chão com as mãos, pois me sentia fraco. As minhas pernas, que haviam me trazido até ali, haviam perdido as forças e se negavam a me levar embora, como se se negassem a me obedecer, como se desejassem aumentar ainda mais a tortura da dor que sentia naquele momento. Inspirei fundo duas ou três vezes na tentativa de sentir os cheiros que me eram tão familiares, mas o que senti foi o cheiro da poeira que pairava no ar.
            Não queria, mas precisava novamente abrir os olhos, pois necessitava, mais uma vez, me punir pela minha tolice, por ter desejado voltar aquele lugar, para comprovar a minha insensatez ao crer que a infância é eterna, que estará para sempre ali, a nos esperar, para quando quisermos regressar a ela e fugir do mundo, da rotina, do dia-a-dia.
            Como fui ingênuo, como fui tolo. Fui o responsável por destruir parte de mim mesmo, parte do que e de quem eu sou. Se soubesse que iria me sentir como estava me sentindo, jamais teria cogitado a possibilidade de voltar àquele lugar, e o teria deixado guardado para sempre onde ele jamais deveria ter saído: na minha memória. Mas agora é tarde. O estrago já havia sido feito, e só me resta chorar, dar vazão àquelas lágrimas da alma e deixar que elas banhem meu rosto e viver o resto da vida com o remorso por ter destruído uma infância ao querer reviver uma doce infância, mas, em seu lugar, ter me deparado com uma dura realidade...

Um comentário:

  1. Gostoso texto. Ainda bem que aos escritores é dado o privilégio de mudar essa realidade, meu caro Lima Neto. Se quisermos, as lágrimas de remorso serão facilmente transformadas em pingos de ternura. Pra isso, basta fechar os olhos, mudar o foco, inverter a escrita. Aí o sorriso acriançado nos abraçará.
    A realidade ficcional é uma bênção, meu caro.

    Um abraço,
    Tião

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