Ele queria esquecer. Poder fechar os olhos e nem que fosse
por uma fração de segundo, pelo tempo que existe entre uma batida e outra do
coração, poder simplesmente esquecer. Queria poder livrar sua mente de todo e
qualquer pensamento, ficar no mais profundo e completo silêncio, silenciar as
vozes em sua cabeça para viver um instante de paz consigo mesmo. Ele queria
fugir do mundo, de tudo e de todos, mas não podia fugir de si mesmo, e onde
quer que fosse ele estaria junto consigo, para fazê-lo, sempre, lembrar daquilo
que não podia, jamais, esquecer. Ele, por vezes, chegou a correr até cansar,
desesperado, tentando fugir daqueles pensamentos, em vão. Suas pernas cansaram,
seu coração batia acelerado, a respiração estava pesada, e tudo que havia
cansado foi se frustrar ao constatar que não podia correr mais rápido, fugir de
seus próprios pensamentos, que o tempo todo o faziam lembrar daquilo que ele
queria esquecer.
Cansado,
ele desabou no chão, pois se sentia exausto, acabado física e mentalmente. Sentia
como se estivesse eternamente a andar em círculo, como em uma maldição, sendo
obrigado, o tempo todo, a voltar para o local de onde partira, somente para se
ver obrigado a lembrar, a se ver de frente com o inevitável, que ele queria
evitar a todo o custo. Com os olhos fechados ele se deixou prender, se deixou
ser agarrado e levado com uma criança obediente pela mão, sendo conduzido passo
a passo para o local em que se depararia com aquilo que tentava evitar,
esquecer. Seus pés o levaram instintivamente, pois sabiam o caminho, como se,
por mais que negasse, era para ali que deveriam tê-lo levado há tempos. Suas mãos
abriam portas que ele deixava outrora trancadas, como se só em tocá-las elas se
abrissem, pois há tempos o esperavam. Não via nada do que acontecia ao seu
redor, pois caminhava com os olhos fechados, deixando que seus pés e seu
destino o guiassem. Não ouvia os milhares de sons que explodiam em todos os
cantos, pois estava atento apenas aos sons e vozes que agora pareciam sossegar aos
poucos dentro de sua cabeça. Quase que sentia falta dessas vozes que o
acompanharam desde sempre.
Parou em
frente a uma porta que estava trancada. Procurou em seus bolsos a chave, pois
sabia que a havia guardado em algum lugar, sabendo que, mais cedo ou mais
tarde, iria precisar dela para abrir aquela porta. Transcorreram minutos
infindáveis, que se arrastavam como uma eternidade, até que encontrou a chave. Enfiou-a
na fechadura, destrancando a porta, e girou muito lentamente a pesada maçaneta,
como se, justo naquele instante, pudesse ainda fugir. Mas não ousou dar esse
passo para trás. Já havia fugido demais, e precisava, naquele momento,
encontrar-se com aquele de quem tanto fugira. Deu um passo pesado mas decidido
para dentro daquele recinto. Contava os passos que dava, um a um, até que parou
de frente a um enorme objeto que estava encoberto por um pesado pano. Abriu os
olhos e viu, encoberto, o objeto que tanto evitara. Ainda se sentia seguro ao
vê-lo encoberto, inofensivo. Muito lentamente esticou o braço e abriu a mão
para poder retirar aquele pano. Ao fazê-lo, uma espessa camada de poeira subiu,
obrigando-o a abaixar os olhos. Agora se via, finalmente, frente a frente com o
objeto que evitara, que podia fazê-lo ficar frente a frente com a pessoa de
quem fugira, e só o que o separava dessa pessoa era um levantar de olhos. Ainda
sentia um certo medo, uma insegurança, instinto de uma autopreservação, mas não
podia evitar. Lentamente levantou os olhos. Viu se delineando a forma do
espelho que evitara, que o mostrava de corpo inteiro e, do outro lado, aquele
de quem fugira, que tentara, em vão, por anos a fio, esquecer. Viu-se, frente a
frente, consigo mesmo. Miraram-se, olhos nos olhos, despidos de todas as
máscaras, sentindo todo o peso daquele reencontro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário