- Meu filho, não vai doer nada.
- Vai sim,
mãe. Eu sei que sempre que você diz que não vai doer, é por que vai, e muito.
- Tudo bem,
filho. Dessa vez eu vou ser sincera: vai doer, sim, mas só um pouquinho.
- Mas um
pouquinho quanto? De que tamanho é esse pouquinho?
A mulher
pensou e mostrou o quão pouco iria doer, afastando os dedos polegar e o
indicador da mão direita.
- Não, mãe.
Isso não é um pouquinho, não, isso é um poucão, e vai doer muito.
A mulher,
já sem paciência, resolveu tentar de outra forma.
- Roberto,
você já está bem grandinho e eu não preciso estar lhe adulando por conta disso,
de algo tão pouco...
- Mas não é
pouco, não, mãe. Vai doer muito.
- Que seja,
Roberto. Deixe de fazer manha e vamos acabar logo com isso, que você já não é
mais nenhuma criança.
- Vou
chamar o seu pai, então. Paulo, venha aqui, por favor – grita a mulher,
chamando o marido.
- Oi,
querida.
O homem,
assim que chega, ao se deparar com a situação/dilema em que o filho e a esposa
se encontravam, fez uma careta.
- Não faça
essa cara, Paulo, que você acaba estragando e dificultando as coisas ainda
mais.
- Mas,
querida...
- Não, não,
não e não... volto para a sala e fique lá, que eu cuido disso com o Roberto.
- Querida,
podemos negociar...
- Não tem
negociação nenhuma, Paulo, e Roberto vai ter que fazer isso, que é para o bem
dele.
Roberto,
vendo a discussão dos pais, e distração dela, foi começando a tentar escapar. O
pai percebeu a tentativa de fuga do filho, e piscou discretamente o olho para
ele, mas antes que passasse pela porta, a mãe o chamou de volta.
- Roberto,
onde você pensa que vai? Volte já aqui – ele então teve que voltar com a cabeça
baixa, humilhado. Se tivesse conseguido fugir, iria passar o dia inteiro fora,
e só voltaria para casa tarde da noite, para não ter que encarar a mãe.
Roberto, já
com seus vinte e um anos, volta a ficar no mesmo lugar que estava antes,
sentado, agora sob o olhar vigilante e implacável da mãe.
- Mãe...
- Não me
venha com desculpas e justificativa nenhuma. Suas irmãs já fazem isso há anos. Até
Letícia, de 12 anos, já faz isso sozinha, sem reclamar.
- Mas, mãe,
o que meus amigos da faculdade de engenharia civil vão falar de mim? Acredito até
que todos os alunos, de todas as faculdades, de todas as engenharias, vão ficar
sabendo...
- Como
diabos eles vão ficar sabendo do que se passa aqui, entre nós, de nossa família,
em nossa casa, Roberto?
- Eles
sempre dão um jeito de ficar sabendo de tudo, mãe...
- Mas dessa
vez eles não vão ficar sabendo de nada, não é, Paulo?
- De minha
boca ninguém vai ficar sabendo de nada, pode acreditar – disse o pai, olhando
de forma enigmática para o filho.
A mulher
estava com os braços cruzados, olhando para o filho, para ver o que ele iria
dizer agora e como iria reagir.
Roberto,
percebendo que não teria como escapar daquela situação, se levantou e começou a
arrumar a cama.
- ‘Tá
vendo, filho, como não dói nada?
- Mas é
muito difícil, mãe. Eu não consigo dobrar o lençol com que me cubro. Como faço
para forrar a cama?
A mãe então
explicou, mas deixou que o filho fizesse tudo aquilo sozinho. Já estava mais do
que na hora dele aprender a arrumar o seu próprio quarto.
- Pronto. Acabou.
Até que não foi tão ruim assim.
A mãe
inspecionou o trabalho do filho e, apesar da cama estar mal forrada, com a
colcha toda torta e amarrotada, até que não tinha sido um trabalho tão ruim
para uma primeira vez.
- Agora
estou dispensado? Posso ir embora?
- Não. Agora
você vai ter que lavar o seu banheiro.
- Não,
mãe... não... aí já é demais para mim, para um único dia. Veja: eu consegui
arrumar a minha cama, o que já foi um grande passo para um dia...
- Não tem
negociação, Roberto. Vá lavar o seu banheiro. O material de limpeza está bem
ali, e eu mesma já separei tudo.
O filho
olhou suplicante para o pai, clamando por sua ajuda, mas o que recebeu em troca
foi uma gargalhada.
- Agora os
seus amigos da faculdade vão tirar seu couro... – e já ia saindo do quarto,
quando sua esposa o chamou de volta.
- E você,
Paulo, para onde pensa que vai?
- Eu estava
indo...
- Você não
vai a lugar nenhum hoje. Hoje você vai arrumar o nosso quarto e vai lavar o
nosso banheiro.
- Mas,
querida... mas...
- Não tem “mas”
nenhum para você, querido. Hoje a arrumação do quarto é com você.
- Mas...
- E não tem
discussão nenhuma, querido. Vá e arrume.
O homem,
humilhado, de cabeça baixa, já ia saindo do quarto quando ouviu o riso do
filho.
- Eh,
pai... Agora os seus amigos do barzinho, aqueles mesmos que assistem os jogos
de futebol com o senhor nas tarde de domingo, o que será que vão falar? Eles vão
tirar seu couro...
Pai e
filho, então, começaram a pedir um para o outro não contar o que se passava,
enquanto a mãe assistia a tudo isso parada, na soleira da porta, divertida com
o drama daquela situação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário