Quando eu era pequeno, adorava ouvir aquelas histórias do
fim do mundo. Assistia muitos filmes de ficção científica, e o futuro era
negro, com todas as cidades dominadas por gangs, com todas aquelas pessoas se
vestindo de modo espalhafatoso e com os robôs presentes em nossas vidas. Na época
nem estávamos tão longe assim do ano 2000, mas era consenso que o mundo iria
acabar na virada desse ano. Uns falavam em explosão, outro em fogo, um terceiro
em água (uma nova Arca de Noé teria que ser construída, só pode!), mas o fato
era que se aguardava ansiosamente para ver o que iria realmente acontecer. Foram
longos e angustiantes os segundos que antecederam a virada do ano de 1999 para
o 2000. Quando começou a contagem regressiva, eu, mesmo não sendo mais criança,
imaginava estar vivendo os últimos 10 segundos de minha vida. E quando as
primeiras pessoas começaram a se abraçar, desejando umas as outras “feliz ano
novo”, que estourou a champanhe e os primeiros fogos estouraram no céu, foi que
respirei, enfim, aliviado.
Engraçado que,
pensando nessas coisas, enquanto viajo no tempo, vejo como as coisas
aconteceram de forma tão diferente e ao mesmo tempo tão igual dos tempos dos
devaneios pré-2000.
Não temos,
é verdade, um robôs domésticos em nossas casas, para fazerem todas as tarefas e
para irem ao supermercado sempre que, quando estamos fazendo algo, percebemos
que falta determinado produto, pedimos para ele ir comprar, mas, analisando a
forma como temos, todos, vivido e vendo as pessoas, vejo que somos nós que nos
tornamos os próprios robôs, em nossa vida sempre tão mecanizada, escrava de
ordens e de uma rotina rígida de nosso dia-a-dia. E nessas metamorfoses,
mudanças e “evoluções dos tempos”, acabamos, nós, nos tornando robôs de nós
mesmos, e nem percebemos.
As cidades,
é bem verdade, não são dominadas pelas gangs que víamos nos filmes, e nem
sempre é noite na vida que vivemos (nos filmes, era sempre noite), mas talvez
tivesse sido até melhor se o futuro tivesse acontecido do jeito que apareciam
nos filmes. Hoje, em plena “era do futuro”, as gangs estão muito mais
sofisticadas do que as dos filmes, e muito mais presentes e fortes do que
poderíamos imaginar. Máfias, gangs, patotinhas ou simplesmente Coligações
Políticas estão no poder, e tornam os dias atuais muito mais difíceis do que os
“dias do futuro” dos filmes e histórias de ficção científica. São gangs
eficientes (eficientes como nenhuma outra gang em qualquer outra época, em
qualquer devaneio alguém um dia pudesse vir a ser e pensar) que controlam a
sociedade, e o mais irônico disso tudo é que somos nós que as colocamos no
poder, pelo simples fato de permitirmos, pelo voto, que elas assumam cargos
públicos e passem a “nos representar”. E como se não bastasse, nos lugares em
que o poder das gangs não chega, temos o “poder paralelo”, que normalmente
domina na periferia. Este, embora talvez não tão eficiente quando o “poder
legalizado”, tem tanto poder e influência quanto. Tem poder de vida e de norte,
domina o tráfico e se utiliza de diversos meios e artifícios para se manter na “corda
bamba do poder”. Tem, sim, que lutar contra outras gangs rivais, que desejam
ardentemente assumir o poder nas regiões dominadas em que nenhuma autoridade
legalmente competente chega, o que nos faz lembrar as eternas guerras e na
anarquia que víamos nos filmes de alguns anos atrás.
O mundo,
tudo bem que não acabou de maneira trágica no início do século como vinham
pressagiando as histórias, mas antes tivesse sido. Se tivesse acontecido, o
mundo teria acabado de forma rápida, eficiente e (por que não dizer) sem
qualquer tipo de crueldade. Hoje, o mundo está acabando de forma agonizante, e
vemos isso para onde quer que olhemos. E falo em fim de mundo, em agonizando, e
não me refiro só e unicamente ao “mundo físico”, não. Temos assistido
passivamente o fim chegar sem nada poder fazer; temos visto o que há de bom se
acabar e assistido a tudo de braços cruzados. E o fim a que me refiro é em
todas as esferas: política, econômica, social, física e até artística. Onde já
se viu grupinhos e cantores EMOs, que se vestem de maneira tosca e ridícula
serem os ícones dos jovens de uma geração-desmiolada-carente-de-tudo?! Como se
explica os fenômenos Justin Bieber, Restart, Tokio Hotel, Fresno ou seja lá
qual a melhor banda de todos os tempos da última semana que essa geração esteja
cultuando? Quem foi que disse que o Fiuk é artista, cantor e ator? Onde estão
os verdadeiros artistas, cantores e atores de gerações passadas, que nada fazem
para ensinarem a esseszinhos aí o que é e como se faz arte de verdade? E na
arte da literatura então, o que falar? Acho que os verdadeiros escritores de
literatura clássica de outra época estão, até agora, com seus ossos se
revirando nos túmulos, desejosos de voltar a vida nem que seja por cinco
minutos para ensinarem o que é LITERATURA de verdade a esses
escritores-de-meia-tigela e mostrarem a esses leitores dessa atual geração o
que é um livro de verdade.
Do mundo
físico, nós mesmos estamos sendo os responsáveis pelo fim. Não temos cuidado
bem do mundo que nos foi legado e, como se não bastasse não conservar, às vezes
ainda fazemos questão de destruir, achando que o futuro é uma coisa distante,
que nada vai acontecer nos dias atuais, esquecendo que estamos vivendo o
futuro, que a atualidade é o amanhã que está cada vez mais distante se nada
começarmos a fazer.
Às vezes,
pensando nisso tudo, sinto uma falta danada das ficções científicas, em que,
pelo menos, na pior das hipóteses, quando tudo parecia estar mais perdido,
surgia um alguém, uma luz, uma esperança, de algo ou alguém capaz de salvar o
mundo, de dar novos rumos a um futuro próximo. Pelo menos, na ficção, por mais
negra que estivesse a situação, ainda se tinha essa perspectiva, e fico me
perguntando como, por que e onde, na vida real, esse herói se perdeu. Talvez ele
tenha visto o difícil que está a situação, tenha se sentido impotente e feito
como Pilatos: lavado suas mãos e deixado que todos fizessem como queriam fazer;
deixado que a história seguisse seu curso rumo ao inevitável e inadiável fim.
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