Escrever cartas é doloroso. Dói tatuar cada pedaço de nossa
alma via palavras numa folha de uma insensível folha de papel em branco, que de
tão insensível, dura e branca, vai se enchendo de ternura, sensibilidade e
cores na medida em que a vamos cobrindo-a por inteiro, na frente e no verso,
com nossas palavras.
Dói, sim, porque não é fácil para
nós aguentar ser torturado e brigar com as palavras, em busca da perfeita,
daquela que possa expressar aquilo que sentimos quando estamos empunhados de
uma caneta a desenhar letras muitas vezes imprecisas, que formam palavras, que
depois, aos poucos, frases que nem sempre condizem e são capazes de falar tanto
quanto o nosso coração.
Dói a angústia de não saber
exatamente quando a pessoa irá receber a carta, e dói mais ainda não saber como
ela irá receber todas aquelas palavras. Dói não saber se ela vai sorrir, se vai
chorar, e dói muito mais não estarmos perto, para ao invés de falar através de
palavras escritas, falar ao pé do ouvido, sussurrando tudo aquilo que se quer
dizer, que nem sempre as palavras são capazes de falar.
Dói, é bem verdade, escrever
cartas, mas não é uma dor dolorosa, que nos fere a alma, mas sim uma dor prazerosa.
É uma dor de prazer, ou um prazer doloroso que sentimos ao mandar palavras,
fragmentos de nossa alma, numa folha de papel dotado, agora que o tatuamos, de
tantos sentimentos, para uma pessoa que está muitas vezes tão longe que mesmo
com toda a força de nossa voz não se pode alcançar.
Escrever cartas significa que a
pessoa está longe, e essa noção de distância, essa dor de saudade, é que dói lá
no fundo do peito, mas que justamente por isso, por estar tão longe, está tão
perto, se faz tão presente, por isso queremos tanto sua presença.
Dói, mas é prazeroso ter a noção
de que os dias sucederam uns aos outros e que a carta já chegou ao destino, de
que a pessoa, ao lê-la, sorriu e sentiu tudo aquilo que as palavras, mesmo
imprecisas, expressaram.
Mas a dor mais prazerosa, o
prazer mais doloroso, é o da angústia, o da espera pela resposta. Passamos dias
a fio sem dormir, ansiosos para ter em nossas mãos a folha de papel tatuada com
a alma da pessoa. Ficamos expectantes quando vemos o carteiro dobrar a esquina
e vir em direção a nossa casa e depositar, na caixa de correio, as
correspondências, e ficamos tristes quando, dia após dias, ele não nos traz
aquele tesouro pelo qual tanto ansiamos. Imaginamos mil e uma coisas, que vão
desde o extravio da preciosa carta até a possibilidade dela ter sido entregue e
lida por um outro alguém, que não entende o sentido verdadeiro daquelas
palavras ali ditas, dos fatos ali relatados.
Eis que um dia, quando menos
esperamos, a carta-resposta chega. Ela pesa em nossas mãos, ela faz o nosso
espírito ficar tão leve, e em nossa euforia, ao rasgar o envelope, quando maculamos
a preciosa folha de papel que ele guarda. Devoramos (não lemos!) um sem-número
de vezes aquelas palavras, e só quando o nosso coração volta a bater
normalmente em nosso peito, conseguimos entender cada um daqueles fragmentos de
alma ao lê-los.
Depois de sentir vezes sem conta o murmúrio
daquelas palavras, dobramos cuidadosamente a folha, respiramos fundo duas ou
três vezes e reiniciamos a nossa dor, escrevendo uma nova carta, uma resposta,
tatuando fragmentos de nossa alma em uma folha de papel em branco, que a
princípio é insensível, mas que aos poucos vai se enchendo de sentimentos
inúmeros, e assim segue, em círculo vicioso, as dores e os prazeres a que só
uma carta escrita e lida podem proporcionar.
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