Cansado da
mesmice dos programas de televisão e da péssima qualidade da programação, um
homem, responsável como era, pensando em sua família, resolveu fazer uma
assinatura de uma televisão a Cabo, com milhões de canais disponíveis, com
Sinal de Alta Definição, com canais de outros países, tantos que recebeu até
como bônus, inteiramente grátis, para assistir durante dois meses, a
programação de uma Rede do Afeganistão e outra da Zâmbia!
Agora o homem,
ciente do bem que tinha feito à sua família, podia sair de casa, para ir
trabalhar, descansado, pois sabia que seus filhos menores assistiam aos
melhores desenhos pela manhã, sua esposa prepara uma belíssima refeição,
assistindo ao melhor programa de receitas da televisão mundial, uma de suas
filhas assistia à programação vespertina, recheada de boa informação e cultura,
enquanto o filho mais velho podia assistir aos seus seriados favoritos e à
noite a família inteira se reunia de frente à televisão para assistir a um
filme. Além disso, sua esposa podia assistir ás melhores novelas, sua outra
filha podia assistir à programação de documentários sobre o mundo animal até
seu cunhado deu para lhe visitar todas às terças-feiras para assistir àquele
programa que, pelo jeito, só passava em sua televisão.
E o que era só
satisfação na primeira semana, logo se tornou uma preocupação, pois o homem
percebeu que sua televisão ficava ligada vinte e quatro horas por dia. Era
comum ele acordar de madrugada e quando se dirigia à cozinha para pegar um copo
d’água ver um de seus filhos assistindo a reprise do programa que tinha perdido
na manhã anterior ou simplesmente assistindo-o novamente!
A fama de sua
televisão, dos canais que havia assinado era tamanha que logo todos em seu
condomínio vinham assistir televisão em sua casa, de forma que era comum,
agora, ele chegar a sua casa e se deparar com o vizinho de frente saindo,
enquanto a de cima vinha chegando, e o de lado sentando-se no seu lugar
favorito do sofá.
Houve uma
ocasião, até, que ele teve que pedir licença para entrar em sua própria casa,
de tanta gente que tinha lá para assistir às notícias sobre uma nova beldade do
mundo pop da última semana.
Ele não
conseguia assistir aos programas que mais gostava, pois a televisão estava
sempre ocupada e ele não conseguia sequer chegar perto do controle remoto, pois
este era um verdadeiro motivo de disputa, gerava grandes discórdias, e
conquistá-lo era o mesmo que chegar a tomar a bandeira do adversário numa
batalha campal.
Mas a gota
d’água foi quando ele chegou em casa e viu o seu vizinho, aquele com quem mal
falava, abrir a sua geladeira e pegar uma cerveja, aquela latinha que ele tinha
deixado dentro do congelador na manhã para que, quando chegasse em casa, à
noite, ela estivesse bem gelada, como ele gostava, e mais ainda quando a
síndica do condomínio lhe pediu para que ele trouxesse mais pipoca. Ele
respirou fundo duas ou três vezes, contou até mil, mas não houve jeito de
segurar o ódio que sentia naquele momento ante tamanho descaramento, com
pessoas tão folgadas quanto aquelas, e gritou, em altos berros, para que todos
saíssem de sua casa imediatamente. Mas a única coisa que conseguiu foi a
resposta de uma pessoa, que pediu que ele falasse mais baixo, pois queria
escutar o que o apresentador do programa falava, e de outro, que perguntou se
ele poderia esperar só até o final do programa, depois iria embora.
Não se
contendo em si, o homem pegou uma a uma, aquelas pessoas, e as levou para fora
de sua casa e quando achou que tinha terminado, viu que ainda faltava um:
aquele seu vizinho mala, que só escutava som no último volume e que sempre que
o via lhe alugar horas e horas para falar sobre política-religião-economia-futebol,
lhe perguntar, ao ver a sala vazia:
- Onde está
todo mundo? Eu perdi o melhor do programa?
O homem,
então, já inteiramente sem paciência, o expulsou de sua casa, sem que o outro
soubesse o motivo daquela falta de educação. E ainda falou, quando teve a porta
fechada à sua cara:
- Que homem
mais mal educado! A gente não pode mais nem assistir televisão em paz, na casa
dele!
Bufando, o
homem convocou todos em sua casa para anunciar que iria cancelar a assinatura
da TV a Cabo.
Houve muito
choro e promessas para que ele não fizesse aquilo, mas o homem estava
irredutível, e ligou imediatamente para a assistência técnica, pedindo para que
um técnico viesse imediatamente à sua casa para levar embora o equipamento e
cancelar a assinatura.
Cansado, o
homem se jogou no sofá e enquanto esperava pelo técnico, ligou a TV, justamente
na hora em que começava o jogo de seu time de futebol do coração. Começou a
assistir ao jogo e se esqueceu do mundo ao seu redor, tanto que nem escutou a
campainha, e sua esposa teve que vir abrir a porta e ver de quem se tratava.
- Amor? –
chamou ela.
Ele nem olhou,
de tão entretido que estava com o jogo.
- Amor?
- Oi?
- O rapaz da
TV a Cabo está aqui.
- O que houve?
Algum problema?
- Você mandou
chamá-lo.
- Ah, foi
mesmo! Manda ele voltar aqui depois, quando acabar esse jogo – disse o homem.
Levantou-se de um salto, para comemorar, pois seu time acabara de marcar um
gol.
A esposa,
então, dispensou o técnico, e o homem continuou a assistir televisão,
esquecendo-se completamente do que tinha acabado de acontecer, tomando a
decisão de, assim que acabar o jogo, ligar para fazer a assinatura para
assistir a todos os jogos de seu time no campeonato daquele ano.
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