Eu sou aquele tipo de pessoa estranha, dessas que ao entrar
num ônibus olha os assentos ocupados e vejo todas aquelas pessoas, cada uma
ocupada com seus computadores de mão (vulgos smartphones!), jogando algum
joguinho sem graça, conversando no WhatsApp ou mandando e recebendo mensagens
SMS, entretidos em algum aplicativo baixado na noite anterior ou simplesmente
conversando alto e fazendo questão que todo mundo que está no ônibus ouça tudo;
vejo, também, pessoas distraídas, ouvindo suas músicas, e algumas até mexendo
os dedos ou batendo suavemente o pé na cadência da música; vejo também pessoas
distraídas, olhando a paisagem ou pensando em como aquele dia tende a ser longo
e cansativo; vez por outra tem aqueles que estão conversando alto e incomodam a
metade do ônibus; e de vez em quando antes mesmo ouço antes de ver um daqueles
desprezíveis DJs de ônibus, ouvindo suas músicas de qualidade duvidosa e
incomodando o ônibus inteiro, e sempre que vejo (digo, ouço) tal ser, minha
vontade é de pedir parada e descer imediatamente.
Pois bem,
eu não me enquadro em nenhuma dessas categorias (se bem que de vez em quando eu
ouço minha música – com fones de ouvido, óbvio), e ao entrar no ônibus, ao me
deparar com tão familiares figuras, busco com os olhos um lugar onde possa me
sentar (normalmente à janela, no lado do sol – não me pergunte por que opto por
me sentar no lado do sol). Devidamente sentado, sentindo-me confortável (por
vezes nem tão confortável assim), abro minha mochila e tiro de dentro dela um
objeto estranho, um livro, e ao fazer isso muitas pessoas me olham com certa
estranheza, como se eu fosse um ser de outro mundo e portando um objeto deveras
perigoso, talvez desconhecido (pelo menos no ambiente de um transporte público
coletivo) para a maioria daquelas pessoas.
Um dia
desses tudo me parecia igual a todos os dias. Entrei no ônibus, procurei com os
olhos um assento e me dirigi para lá. Infelizmente não era na janela, mas pelo
menos era do lado do sol (!). Sentei-me e ao começar a abrir a mochila, olhei
para o lado e vi que havia um elemento estranho naquele ônibus, um alguém que
havia ocupado o meu lugar de “elemento estranho, extraterrestre, portador de um
objeto deveras perigoso e desconhecido”. Eu, como bom curioso, procurei
discretamente (se bem que não tão discretamente) averiguar que livro era aquele
que aquela moça estava lendo e que a tinha fisgado de tal forma que ela estava
profundamente concentrada na leitura. Quase dou um jeito no pescoço para ver a
capa daquele livro, que fazia com que a leitura tivesse uma reação diferente a
cada virar de página. Quando finalmente consegui ver a capa, já tendo chamado a
atenção daquele que estava sentado ao meu lado e de algumas pessoas próximas,
que àquela altura devia já ter me julgado um louco, quase me desequilibro ao
constatar que a moça lia um de meus livros. Olhei bem para ela, tentando
reconhecê-la entre uma daquelas a quem recomendei a leitura na livraria onde
trabalho, mas por mais que me esforçasse, não conseguia lembrar de seu rosto. Fiquei
me perguntando como aquele livro tinha lhe caído nas mãos, mas deixei esse
questionamento de lado e comecei a reparar em suas reações, para constatar se
ela estava ou não gostando, e pelas expressões de seu rosto e seu leve arquear
das sobrancelhas, creio que sim. À essa altura, as pessoas no ônibus já estavam
me olhando, vendo como eu reparava naquela leitora ao meu lado. Deviam achar
que eu me tratava de algum maníaco-pervertido-com-fetiches-por-mulheres-que-leem-em-ônibus
(se bem que eles, nesse sentido, têm certa razão). Fiquei pensando se deveria
ou não me apresentar a ela como o autor daquele livro, aquele quem escreveu
aquela história (uma crônica – tratava-se de um de meus livros de crônicas) que
naquele momento lhe arrancava uma sonora gargalhada que acabou chamando a
atenção de outros passageiros do ônibus, que olharam para ela com um olhar de
estranheza e censura (pensando, por certo, se ela era louca para estar rindo
“sozinha”!). Resolvi deixá-la quieta, em paz, final de contas é sempre mais
engraçado e interessante ler um livro e suas histórias, se divertir e se
identificar com elas do que conhecer aquele quem as escreveu.
Quando
dei por mim, minha parada estava chegando e eu tive que me levantar. Naquela
manhã, um dia incomum, eu não li uma única páginas e sequer chegara a abrir a
mochila. Quando, já de pé no corredor do ônibus, em frente à porta, olhei para
trás, não resisti e dei mais uma espiada para trás, para aquela leitora
desconhecida, e quando a vi sorrir novamente me dei conta de que a decisão que
havia tomado, de não me apresentar, fora a mais sensata, afinal de contas, como
disse, a leitura do livro era muito mais interessante e divertida do que
conhecer seu autor.