Ele era um homem muito rico, que passara a vida inteira a
acumular um imenso patrimônio, mas já estava velho e cansado. Olhava para trás
e via de onde tinha partido e de como tinha acumulado toda aquela imensa fortuna.
Olhava para frente e percebia que não teria muito mais tempo de vida. Olhou para
o hoje e se deu conta de que precisaria fazer algo para que seu legado fosse
bem aproveitado por seus herdeiros.
Tivera uma
família numerosa que se espalhara por todo o mundo, mas a seu chamado, todos
vieram vê-lo uma última vez, pois sabiam que o patriarca da família desejava se
aposentar e se recolher a um canto de paz onde pudesse gozar de seus últimos
anos de vida. Chegaram um a um e foram se instalando nos quartos daquela mansão
de infindáveis corredores. Quando todos chegaram, o velho homem os chamou na
imensa sala. Ele esperou que todos se acomodassem para poder dizer as primeiras
palavras.
- Chamei-os
aqui hoje, meus filhos, netos e bisnetos, porque, como sabem, já estou velho e
cansado, e pretendo me recolher a um canto onde possa descansar e viver em paz
os meus últimos anos. Mas antes gostaria de dividir o meu patrimônio entre
todos vocês, meus herdeiros.
O homem
então pediu que um fiel empregado, a quem ele tinha como o melhor amigo em
todos aqueles longos anos, entregasse, a cada um daqueles que ali estava, um
jarro. Seus herdeiros não entenderam aquilo, e se perguntaram se, por conta da
avançada idade, o homem já não estava senil. Ele olhava preocupado para cada um
daqueles que recebia o jarro. Quando cada um recebeu a sua parte da herança,
começaram a discutir entre si, e a sala tornou-se uma balbúrdia de mil e umas
vozes falando ao mesmo tempo.
Pela face
do idoso homem escorriam grossas lágrimas que percorriam os sulcos formados por
suas profundas rugas. Sentia-se cada vez mais triste pela forma como via como
seus herdeiros tratavam aquele seu presente, aquela parte de uma herança que
lhes cabia por direito.
- Esse
jarro não é tudo – disse, para fazê-los calar-se e prestarem atenção novamente
a ele. – Gostaria que cada um viesse até mim para receber a parte que realmente
importa na herança.
Um a um, os
herdeiros foram se dirigindo até onde estava sentado o patriarca, que depositou
em cada jarro uma diminuta semente, e quando todos receberam aquela segunda
parte, e mais essencial, da herança, começaram novamente a discutir. Alguns tinham
a absoluta certeza de que o velho tinha perdido a razão e começaram mesmo a
discutir a séria e real possibilidade de interná-lo numa clínica psiquiátrica. E
quanto mais ouvia tais despautérios, mais o homem se enterrava em suas
tristezas, e mais grossas e pesadas eram as suas lágrimas.
Um barulho
se fez mais alto que todas aquelas vozes, que foi a do jarro arremessado ao
chão pelo primogênito. O jarro espatifou-se, a terra nele contida espalho-se e
a diminuta semente perdeu-se. O homem, ao ver um ato daqueles feito pelo próprio
filho, respirou fundo, engoliu as lágrimas, e o chamou para perto. Entregou-lhe
um cheque com uma vultosa soma em dinheiro, dizendo que, ali, agora, continha a
sua parte da herança. Outros seguiram o exemplo, e foram arremessando e
quebrando seus jarros, perdendo as suas sementes, e recebendo uma considerável
soma em dinheiro como recompensa. Alguns poucos, apenas, ficaram olhando toda a
cena, e ficaram protegendo seus jarros. Destes, alguns até foram convencidos a
quebrar, também, seus jarros. Quando o chão da sala estava repleto de terra e
de cacos da cerâmica dos jarros e os herdeiros tinham recebido cada um o seu
cheque, foram, um a um, indo embora, cada qual com sua felicidade naquele
pedaço de papel assinado, autorizando a retirada de uma imensa soma financeira
numa instituição financeira qualquer.
O homem
chorava copiosamente quando se viu abandonado naquela imensa sala. Ali estavam
apenas seu amigo-empregado, e uma de suas bisnetas, que ele não tinha dado por
sua presença. Era uma menina magrinha, que mal havia entrado na adolescência, e
que em sua inocência e imensa sabedoria, resolvera ficar com o jarro e a
semente, mesmo sua mãe insistindo para que ele o quebrasse em troca do dinheiro
que receberia.
O homem
abriu um grande e lindo sorriso ao vê-la ali, sozinha, tão frágil, pequena,
forte e grande.
- Adorei a
herança, bisavô – disse ela, sorrindo. Via-se que ela tinha e protegia com seus
finos braços não um simples jarros de cerâmica com terra onde fora depositada
uma semente, mas sim um imenso tesouro de valor inestimável.
Ele então a
chamou para perto de si e a sentou em seu colo, beijando sua cabeça coroado por
aqueles fios de cabelo finos, dourados e sedosos.
- Tudo que
realmente importa, minha querida, está aqui, nessa diminuta semente. Você deve
regá-la, da mesma forma que eu reguei a primeira semente que deu origem a essa
grande fortuna que construí ao longo de tantos anos. Essas flores que cultivo
em minhas propriedades e que as vendo nas cidades, são todas filhas dessa
primeira que cuidei com tanto zelo e amor. Se não tivesse sido por essa
primeira flor, eu jamais teria enriquecido e feito toda essa fortuna. Todos os
dias, quando acordo, que abro a janela de meu quarto, não vejo o luxo pelo qual
sou cercado, mas sim o imenso jardim que vejo desabrochar todas as manhãs
perante meus olhos.
- Eu vou
regar todo dia essa sementinha e vê-la germinar, e quando a flor surgir, irei
plantá-la no meu jardim.
- Você,
entre tantos filhos, netos e bisnetos, é a que se tornou a minha verdadeira e
única herdeira, minha querida menina. A você coube a maior e mais importante parte
de meu legado nessa vida. Vá e cultive o seu jardim e torne-se, como eu, uma
grande e muito feliz floricultora.
A menina
então beijou a face do ancião e saiu correndo, abraçada ao jarro que guardava o
legado e o tesouro. Antes de fechar a porta atrás de si, virou-se para trás e
acenou para o bisavô mandando-lhe um beijo no ar. O velho homem recebeu aquele
delicado e belo gesto com um imenso sorriso. Virou-se para o amigo e disse
estar imensamente feliz com o que acontecera: dividira toda a sua fortuna em
dinheiro entre os descendentes e encontrara uma herdeira, a única em tão
numerosa prole que iria continuar a cultivar flores.
Beleza, meu nobre. Gostei do lirismo.
ResponderExcluirAbraços,
Tiãi