Um homem criou um boneco de metal tão perfeito, empregando
tanto sentimento naquela criação, que o que a princípio era apenas um brinquedo,
tomou vida. O homem, fascinado por sua criação, o tomou como um filho e o
tratou como tal, tanto que, pouco a pouco, o que havia de metal, óleos e
engrenagens no corpo do boneco, foi se transformando, metamorfoseando em pele,
sangue e órgãos.
O pai
daquela criação-boneco-menino, sentia-se cada dia mais feliz, embora se
preocupasse, pois as pessoas pareciam não entender e ver aquela forma de vida,
criada por suas próprias mãos e sentimentos, como humana, por mais dotado de
sentimentos que fosse. O menino, então, foi criado e cresceu dentro daquela
casa, sem conhecer o mundo exterior além daquele que o seu pai queria lhe
mostrar.
Aquela casa
enorme, no entanto, começou a ficar pouco a pouco pequena para o menino, que
ansiava em ver o mundo, que só via muito de longe através de um janela que
vivia trancada e protegida por grades. Ele pediu, com lágrimas nos olhos, ao
pai, todo dia, para ver o mundo, e o pai, por mais que sentisse doer fundo na
alma ver as lágrimas do filho, negava aquele pedido.
Um dia o
homem saiu de casa e deixou o menino sozinho por alguns instantes, que
observava com olhos atentos todos os movimentos do pai. Quando ele saiu, o menino
afastou os móveis para subir até uma janela bem alta, a única que não tinha
grades na casa e que ficava aberta, e lá do alto, pôde vislumbrar com clareza o
que era o Mundo. Ele se apoiou no parapeito da janela e olhou para baixo. Era um
salto/ queda de muito alto, e ele sentiu, pela primeira vez na vida, a sensação
de medo, mas o desejo e curiosidade de conhecer o mundo era maior, e ele se
deixou levar sendo seguro pelos braços do vento. Aterrissou no chão com um
baque surto e desejou que seu corpo fosse ainda de metal, e não de ossos,
músculos e articulações. Sentiu uma dor lascinante nas pernas. Olhou para o
alto, para a janela, e se perguntou se tinha tomado a decisão correta, se seu
pai ficaria muito furioso, decepcionado com ele, por ele ter fugido de casa.
O menino, a
princípio assustado com todo o mundo que se descortinava à sua frente, deu uns
passos incertos, mas logo estava correndo, livre, tal como um pássaro no céu
numa primeira manhã de Primavera. Viu animais que ele não sabia existir,
encontrou pessoas, que, assustadas com aquela alegria e os gritos do menino
livre, se afastavam, dando caminho para que ele corresse pelas ruas.
Extasiado com
aquela alegria provocada pela liberdade adquirida, o menino ficou dias a fio
andando, dormindo ao relento, se protegendo do sol do meio dia sob a sombra de
uma frondosa árvore, comendo apenas frutas que encontrava no chão, que ainda
árvore soltava para ele. Viveu feliz até o dia em que as pessoas descobriram
quem ele era. A partir de então ele passou a ser apontado nas ruas e onde quer
que andasse. As pessoas bloqueavam o seu caminho e outros meninos, quando ele
passava correndo, colocavam o pé para que ele tropeçasse. Até as árvores, que
antes lhe davam frutos, pareciam esconder entre suas folhagens aquilo que o
menino tão humildemente pedia. Os cachorros, na rua, latiam para ele e o faziam
fugir correndo dos bairros por onde antes andava tão tranquilamente.
Quando ficou sozinho, vendo ao
longe as pessoas apontando para ele com olhares recriminadores, repletos de
preconceitos, ele chorou, e ninguém ousou se aproximar dele, que naquele
momento não era nada mais nada menos do que um menino, para dar sequer um pingo
de conforto e afeto, abraçá-lo e dizer que ia ficar tudo bem.
Desanimado, voltou para sua casa
caminhando de cabeça baixa, contando os passos.
Seu pai o estava a esperar,
sentado no batente em frente à casa, e ao vê-lo, correu para abraçá-lo,
agradecendo aos céus pelo retorno do filho. Mesmo sem o menino falar nada, ele
bem imaginou o que tinha acontecido para que filho estivesse com aquele rosto
marcado por tão dolorosas lágrimas.
Pai e filho entraram juntos, de
mãos dadas, na casa, e o menino se postou no meio da sala e encarou o pai.
- Quero que você me torne de novo
de metal – disse ele.
O homem não entendeu e pediu para
que o menino repetisse o que dissera.
- Quero que você me torno de novo
de metal. O mundo lá fora é muito duro e perigoso. Não quero mais, nunca mais,
ir lá fora,e quero voltar a ser de metal e nunca mais sair dessa casa.
O homem olhou para os olhos do
filho e viu quando duas grossas lágrimas escaparam de seus olhos. Também chorou
abraçado ao menino e as lágrimas dos dois se misturaram e a medida que
escorriam pelos rosto e corpo deste, ele ia voltando a sua forma original: de
boneco, de brinquedo, de metal.
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