Ele podia voar, apesar de não possuir asas, de ser grande,
pesado e desengonçado; mesmo assim, ele podia voar. Bastava ele querer, fechar
os olhos e abrir os braços, que podia sentir a leveza, paz e total
tranquilidade tomar conta de todo o seu corpo, pegando sua alma pela mão e o
libertando daquele mundo pequeno em que vivia, com os pés colados no chão e de
alma aprisionada. Ele voava, sempre que podia, sempre que queria, e as pessoas
que estavam ao seu redor o olhavam com estranheza sempre que o viam levantar-se
do chão, algumas chegando mesmo a lhe apontar o dedo, criticando-o por aquele “exibicionismo
barato e sem lógica”; mas ele não ouvia tais críticas e nem via os olhares
recriminadores que as pessoas lhe lançavam, pois, mesmo quando estava com os
olhos abertos, sua alma estava livre, e voava livremente pelo firmamento.
Ele podia,
em seus voos, visitar mil e um mundos, adentrar em todas as portas, pois era
uma alma livre, leve e solta. O tempo também não lhe oferecia barreiras, pois
quando estava a voar, ele podia visitar passados longínquos e vislumbrar um
futuro distante, assim como se livrar de todo e qualquer tempo e viver numa total
atemporalidade. A fantasia estava sempre com as portas abertas para ele, que
podia, se quisesse, tanto viver entre os homens, normais, e viver suas rotinas,
dramas e alegrias, quando entre seres imaginários, que só se tornavam reais
para aqueles que possuíam a leveza da alma e que podiam voar livremente pelos
sete céus.
Ele podia,
quando leve, quando seus pés se libertavam das amarras que lhe prendiam ao
chão, que abria os braços e os olhos da alma, conhecer, viajar, ser o que ou
quem quisesse ser, ou ser simplesmente ninguém, um mero expectador e assistir
ao desfecho de todas as histórias. Podia se emocionar, rir, chorar, mas não
podia ou conseguia ficar indiferente, em hipótese alguma, pois se assim o
fizesse, cairia no chão, na dura realidade, e o dom de voar lhe seria proibido
naquele momento. Indiferença e não-envolvimento-emocional e voo eram coisas que
não combinavam,e ele sabia disso, por isso, sempre que voava, se entregava inteiramente
de corpo e alma àquilo que se descortinava à sua frente e se oferecia tão
livremente à sua alma.
Ele, quando
voava, entrava em estado de êxtase profundo, do qual ninguém nem nada podiam
tirar. Ele havia se tornado um completo dependente de voos e de liberdade. Quando
voava, ele era rico, era pobre, era homem, era mulher, era criança, jovem,
adulto ou idoso; quando voava, ele era tudo ou era simplesmente ele.
Ele,
voando, podia ouvir mil e um sons, desde a música cantada pelo vento, passando
pelas vozes das pessoas lá embaixo até o mais profundo, completo e
reconfortante silêncio. Ele podia simplesmente tudo quando voava. Os seus cinco
sentidos estavam completamente livres, aguçados: podia sentir todos os gostos,
ver tudo, sentir os toques, os cheiros e ouvir.
Ele voava
onde quer que estivesse; mesmo com os pés colados ao chão, ele voava, pois para
voar bastava querer, bastava sentir a textura daquele poderoso objeto mágico
que tinha nas mãos, abri-lo e mergulhar de cabeça nas suas páginas e beber cada
uma de suas palavras. Para voar, ele só precisava abrir aquele livro, sentir-se
livre e deixar-se tomar por inteiro por aquelas palavras mágicas e
encantatórias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário