segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Dor de Saudade



Saudade é um sentimento dolorido e sofrido para aquele que o sente em toda a sua intensidade, para aquele que ficou.
            Começa a doer antes da pessoa que queremos ter sempre perto ir embora, quando ainda está fazendo as malas. Vai, jura ela, passar apenas alguns dias fora, longe, mas ela não sabe o quão o tempo passa lentamente quando ela está longe, em que cada hora demora um século para passar, em que cada dia passa tão lentamente quanto uma eternidade, não sabe ela que a menor distância, sem ela, é longe.
Dói quando, com o passar dos dias, a gente olha para um lado, olha para o outro, e não a vê. Dói ver em todos os cantos a presença dessa ausência que se tornou tão presente desde que ela partiu. Dói durante a madrugada, quando, com frio, nos viramos instintivamente em busca do seu abraço, do seu calor, e ao nos deparar com o vazio na cama, acordamos. Dói durante todas as horas do dia, das primeiras da manhã às últimas da noite, antes de dormirmos, pensando que mais um dia se passou sem sua presença.
            Saudade continua doendo quando, com o passar dos dias e a pessoa não volta, começamos a, angustiados e desesperados, contar os dias, marcar os dias num calendário qualquer, tal qual faria um alguém encarcerado, pois é assim que nos sentimos: encarcerados por um sentimento que não nos deixa livres para pensar em outra coisa que não seja na pessoa que está distante, que demora tanto a voltar.
            Saudade dói muito a ponto de arrancar lágrimas de angústia, de dor, de um sentimento de impotência que nos toma por inteiro, pois não há nada que possamos fazer para ameniza-lo, para encurtar a distância ou fazer o tempo correr para que chegue, enfim, a hora do reencontro.
            Dor de saudade é uma dor que vem lá de dentro, que nos toma por inteiro, que nos corrói. Não é, apesar de doer tanto, uma dor ruim; muito pelo contrário: dor de saudade é bom, pois nos faz sentir, ter a certeza, de com quem queremos estar.
            Saudade é dor que sentimos quando não ouvimos uma voz, quando não vemos quem tanto desejamos ver, quando não podemos sentir o toque de sua pele nem o seu doce cheiro muito menos o sabor de seu beijo.
            Saudade é sentimento que dói, que nos faz sofrer por horas e dias a fio, que nos faz acordar em plena madrugada, que muitas vezes não nos deixa sequer dormir, que nos arranca lágrimas, é bem verdade, mas ele é o sentimento que nos faz sorrir quando pensamos no reencontro da pessoa que tanto nos fez sofrer com a distância que nos infligiu, do abraço e do beijo que ganharemos e do que ouviremos de seus lindos lábios:
- Eu senti tanta saudade! – dirá ela. Aí, então, toda a dor, toda a angustia, valeu a pena, pois tudo foi recompensado por termos a exata noção de que o sentimento foi recíproco, que ambos sofremos, mas que, naquele momento, no exato momento do reencontro, somos as pessoas mais felizes do mundo, mas completas, pois nos completamos um nos braços do outro.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Balanço Anual de Leitura



Eu sou um tanto quanto “chegado a uma tradição” e me apego ferrenhamente a cada uma que instituo. No que tange às minhas leituras, sou um completo e confesso tradicionalista. Todo ano eu inicio meu “ano de leitura” lendo um grande clássico ou relendo alguma obra que me marcou de uma forma especial. Em 2012, óbvio, segui a tradição, mas confesso tê-la levado a extremos logo no primeiro mês do ano, pois iniciei o ano com a leitura do extraordinário Nova Antologia do Conto Russo e em seguida mergulhei pela segunda vez nas maravilhas e fantasiosas histórias da família Buendia, em Cem Anos de Solidão. O impacto desse inicio de ano avassalador foi tamanho lendo em seguida meu primeiro Caio Fernando Abreu, Morangos Mofados, e depois O Templo do Pavilhão Dourado, mergulhando na delicada e sempre imaginativa literatura japonesa. Com um início de ano tão avassalador no que tange a leituras, lendo livros tão “carregados”, resolvi, então, nas semanas seguintes, ler algo mais ameno, por assim dizer, e peguei meio que por um acaso os livros A Chave de Sarah e O Tempo Entre Costuras, que me impressionaram enormemente, pois fui ler esses livros “com a guarda baixa”, sabendo, de antemão, pois já me haviam sido muito bem recomendados, que eram bons livros, mas não me disseram que eram tão bons.
Pois bem, movido por tão boas leituras logo de cara, nos dois primeiros meses do ano, fiquei com um pensamento na cabeça: 2012 promete! E foi um ano que prometeu e cumpriu. Foram no total 43 livros, sendo destes, 2 releituras, Cem Anos de Solidão,já citado, e Vidas Secas. E quando li este livro vi o quão pouco leio de literatura nacional e prometi para mim mesmo que iria ler mais autores brasileiros. Dito e feito: li José Lins do Rêgo (fantástico, como sempre), Ronaldo Correia de Brito, meu autor brasileiro contemporâneo favorito, meu conterrâneo Leonardo Barros, além de alguns outros (se eu for citar tudo e todos que eu li, a crônica iria ficar tão grande que ninguém iria ler!).
2012 foi um ano de leitura de muitos clássicos, e os russos, como sempre, merecem destaque. Comecei com uma coletânea de contos e li Tolstoi (óbvio!), Tchekhov e Gogol, e sempre fico, quando leio esses autores, me lamentando, pois são livros demais para serem lidos e tempo de menos. Eu costumo dizer, sempre, que quando mais a gente lê, mais descobre que não leu nada! Mas se a gente ficar se lamentando pelos livros que não vai conseguir ler, acaba, realmente, é não lendo nada...
Eu li, além dos russos, Kafka (meu primeiro Kafka, A Metamorfose), que me impressionou muitíssimo, Frankenstein, de Mary Shelley, e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, clássicos da literatura do gênero que me faltavam após ter lido, em anos anteriores, Drácula e O Médico e o Monstro, além de histórias de H.P.Lovecraft. Li também meu primeiro Eça de Queiroz e li vários autores que podem ser colocados no hall dos “clássicos modernos”: Vargas Llosa, com o A Festa do Bode, que, de cara, passou a ocupar o posto do melhor livro que já li dele, Philip Roth, com o emocionante e fortíssimo Patrimônio, para mim o melhor escritor norte-americano da atualidade, Mário Benedetti, e a que embora não seja das mais bem-vistas escritoras pela academia, talvez por ser muito popular (para não dizer Best-Seller), Isabel Allende, com o magnífico A Casa dos Espíritos. Além desses, li também o fantasioso e maravilhoso Peter Pan, em sua versão original, e o magnífico e enigmático Jorge Luis Borges.
Dos chamados Best-Sellers, esse ano senti-me numa “saia justa” para listar os melhores, pois li obras simplesmente espantosas. Talvez o que mais me impressionou, por tudo, tenha sido Os Olhos Amarelos dos Crocodilos, um dos melhores livros de literatura contemporânea que li nos últimos anos, seguido, de muito perto, segundo meus critérios de avaliação que nem eu mesmo sei definir e listar quais são, por O Pacifista, do sempre sutil e surpreendente John Boyne. Fora esses dois, que se destacam especialmente na minha lista, devo citar também, pois foram leituras igualmente marcantes, o A Casa que amei, de Tatiana de Rosnay, A Filha Secreta, O Tempo Entre Costuras (citado anteriormente) e Dez Mulheres, além do Estive lá Fora, do Ronaldo Correia de Brito.
Li romances policiais, suspenses, dramas, romances, romances históricos, contos, crônicas, enfim, 2012 foi um ano recheado de grandes leituras nos mais variados gêneros, que guardaram muitas gratas surpresas. E deste gênero, a maior surpresa foi, sem dúvida, o livro Nas entrelinhas do horizonte, do meu ídolo na música, que está se tornando, também, meu ídolo na literatura, Humberto Gessinger. Entre os contos, Patricia Highsmith me surpreendeu enormemente com A Casa das Sombras e dentre os romances históricos, Miguel Sousa Tavares, que fiquei em dúvida sobre qual o melhor, Equador ou Rio das Flores, e devo colocar nesse gênero também os livros de Tatiana de Rosnay, A Casa que Amei e A Chave de Sarah, magníficos – foram esses dois autores, junto com Borges e John Boyne, inclusive, os únicos que eu li dois livros no ano. Do Zafon, um de meus escritores contemporâneos favoritos, li seu lançamento, Prisioneiro do Céu, muito bom, sem dúvida, mas um pouco abaixo dos seus livros anteriores, mas “dou um crédito” ao autor por se tratar esse de um livro “sem início nem fim”, já que serve de “ponte” entre seus maiores romances A Sombra do vento e O Jogo do Anjo, lidos em anos anteriores. Dentre os policiais, li e fiquei vidrado do início ao fim com Harlan Coben, em Não Conte a Ninguém.
Não tive, felizmente, em 2012, nenhuma grande decepção nem muito do que reclamar dos livros que tive o prazer de ler. Talvez um livro ou outro não tenha suprido todas as expectativas, é bem verdade, mas decepção mesmo, livro que me deixou com aquela sensação de “podia ter usado meu tempo para ter lido algo melhor”, nenhum. Mas para não dizerem que eu não citei nenhum, embora sabendo de antemão que irão “pedir minha cabeça” por isso, posso dizer que esperava algo diferente de Caio Fernando Abreu. Muito bem escrito, com uma técnica espantosa, sem dúvida, chocante mesmo em muitas histórias e personagens, mas sua leitura não me pegou como eu esperava, talvez por conta do mundo que ele retrata, repleto de muito liberalismo sexual, drogas e loucuras.
Enfim, 2012 foi um ano espantoso no que tange as leituras, e espero que 2013 seja igualmente magnífico, com grandes descobertas e surpresas escondidas nas entrelinhas de cada livro lido, de cada história, de cada trama, de cada personagem.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O vento e a guerra



Ele abriu a janela e com um amplo gesto convidou o vento a entrar, mas este, tímido, não veio a princípio, e soprou apenas uma suave brisa para tocar no rosto do homem. O homem fechou os olhos e se deixou acariciar, ficou a ouvir o som das palavras que eram jogadas ao vento, que as carregava que seus braços e as entregava àqueles que desejavam ouvi-las. Eram, por vezes, palavras ríspidas e em outras apenas palavras jogadas a toa. O homem ouvia todas, e quanto mais em silêncio ficava, mais forte o vento soprava, passando de brisa a ventania, de ventania a vendaval, carregando tantas palavras e jogando-as no rosto do homem, que, impassível, mantinha-se em silêncio e completamente imóvel.
            Lembrou-se de tantos anos antes, quando fora levado para onde não queria, do silêncio que não tinha, das inúmeras noites em claro que passara marchando em terreno acidentado, com o corpo dolorido, com a chuva inclemente a cair sobre sua cabeça e do som dos passos pesados a castigarem o chão. Nenhuma palavra, nessas noites, era proferida, no entanto, não havia silêncio algum. Ele podia mesmo ouvir os pensamentos de cada um daqueles que estavam ao seu lado apenas observando suas feições, sues olhares perdidos ao longe, suas tristezas por terem, como ele, sido obrigados a estar ali. Todos foram pegos nas primeiras horas da manhã, recrutados contra suas vontades, retirados do aconchego de seus lares, ouvindo as tristes palavras de despedida e as lágrimas de suas mães e o incentivo dos pais e vendo no rosto dos irmãos mais novos, que não entendiam o que se passava, a admiração por estarem indo lutar na guerra que elas não conseguiam entender bem do que se tratava. Falava-se em guerra, mas, até aquela manhã, ela parecia algo distante, irreal, como se estivesse a acontecer em um outro mundo, travada por povos desconhecidos, que nada tinha a ver com nenhum deles. Quanta ilusão! A guerra se aproximava e vinha caminhando a largos passos, e logo chegou àquela cidade que ficava tão distante e isolada de tudo e de todos, àquela cidade que vivia eternamente em paz. Primeiro foram rumores, nada mais que meros rumores que uma ou outra pessoa ouviu e transmitiu a outro, a outro e a outro. Mas esses rumores logo foram se confirmando, então todos souberam que a guerra tinha chegado. A paz do lugar logo deu lugar a um sentimento de apreensão que pairava no ar. Todos temiam a aproximação, mas, na ingenuidade reinante de cidades pequenas como aquela, acreditavam que iria passar ao lado, e não iria mudar muito da rotina e vida daqueles que ali viviam.
            A vida mudou drástica e totalmente naquela manhã quando o sol mal nascera, principalmente para aquele jovem que mal havia completado seus dezoito anos. Ouvira falar da guerra e conversas sussurradas entre algumas pessoas, mas procurava se manter alheio. Não sabia quem lutara por quem nem pelo quê, só sabia que daquela guerra não queria fazer parte. Queria lutar sua própria vida e vencer nela, e não por algo ou por alguém que não lhe dizia respeito. Naquela noite ouvira rumores sobre um destacamento que se aproximava da cidade, mas fora, mesmo assim, dormir tranquilamente. Não sonhou naquela noite, e fora acordado junto com os primeiros raios de sol que despontavam no horizonte quando bateram violentamente na porta de sua casa. Eram eles, do exército, que vinham recrutá-lo, retira-lo de seu lar, de sua vida, e levá-lo para um lugar desconhecido, para ficar ao lado de desconhecidos e lutar por algo que ele desconhecia. Não podia fugir, não podia se esconder, pois todos sabiam que ele estava ali, e não adiantava as lágrimas e súplicas de sua mãe, implorando que aqueles homens não o levassem, eles nada ouviam, pois foram treinados para nada ouvir. Não precisou ser arrastado, como ficou sabendo que alguns de seus companheiros de marcha tiveram que ser; deixou que seus passos o levassem para onde teria que ir. Quando saiu de casa, que passou pelo portão, ainda olhou para trás uma última vez, para manter bem vívida na memória a imagem de sua mãe, do pai e dos irmãos.
            Horas ininterruptas de um barulho infernal de passos pesados, atravessando pântanos, subindo serras e descendo íngremes ladeiras numa marcha sem fim, tendo de carregar uma pesada mochila nas costas e os armamentos que não sabia usar, e só após horas, ou dias, ou semanas, ele não sabia precisar, pois havia perdido completamente a noção do tempo, receberam a ordem de parar, e iriam armar o acampamento ali, no alto daquela serra, onde poderiam ter uma visão completa de tudo ao redor. Ali, onde tudo, em outra ocasião, inspiraria paz, podia-se sentir o clima da guerra e seus silenciosos barulhos. Era fim de tarde e o céu sobre suas cabeças estava fechado, mas a chuva ao menos tinha dado uma trégua. Receberam permissão / ordem de descansar, o que, dada a forma como foram todos que estavam ali retirados de casa e pela longa e exaustiva marcha, ninguém conseguiu.
            Ali, no alto daquela serra, onde tudo ao redor era silêncio, onde nunca soprava vento algum, naquele imenso acampamento militar, seria seu lar, segundo palavras do capitão do destacamento; ali iriam ser treinados e aprenderiam as artes, os valores e a importância da guerra.
            Ali o destacamento passou dias e noites com os novos recrutados aprendendo e os antigos na expectativa da próxima batalha que se aproximava sorrateiramente. Mas não houve tempo para os neófitos aprenderem e os antigos esperarem, pois o ataque do inimigo veio de repente, quando ninguém estava preparado.
            Tiros, soltados em fuga sem saber o que fazer nem como reagir, gritos e gemidos e ordens desconexas. Os experientes não sabiam o que fazer e os novos muito menos. Houve uma verdadeira chacina e aquele destacamento fora esmagado sem qualquer piedade por parte do inimigo. Somente um homem sobreviveu, pois fora o único a estar em silêncio na hora em que o inimigo se aproximara, pois fora o único a ouvir os sons que o vento trazia. Ainda tentou correr de volta ao acampamento, pois se encontrava um pouco afastado deste na hora em que ouviu as primeiras vozes, que entendeu o primeiro alerta, mas não teve tempo – o inimigo fora mais rápido que ele. Ouviu e viu os companheiros que mal sabia o nome sendo mortos um a um sem a menor piedade. Quis, mas sabia que não podia fazer nada. Fechou os olhos e tapou os ouvidos para não ver e ouvir nada. Quando tudo acabou, fez-se silêncio em tudo ao redor, exceto pelos seus soluços baixos, que ele tentava abafar para não ser descoberto. Viu o inimigo buscar por coisas de valor entre os destroços do acampamento e depois irem, soldado a soldado, embora. Ficou só no alto daquela serra, vendo o inimigo se afastar, e ele ali, sozinho, entre tantos corpos e destruição, no mais completo e profundo silêncio. Nem ele mesmo soube precisar quanto tempo ficou ali. Foi despertado por um vento que soprou forte e bateu em cheio no seu rosto, com que o chamando de volta a razão.
            Fez, dessa vez sozinho, o caminho que havia feito sabe-se lá quantos dias antes. Sua roupa estava rasgada e suja, seu corpo encharcado de suor e faminto, mas ele continuou sua jornada de retorno à casa. Por onde passou viu as pequenas cidades, tão suas conhecidas, dizimadas. Não encontrou uma única pessoa durante todo o seu caminho de volta. Dormia pouco, quando seu corpo clamava por um curto descanso, comia somente o que por ventura encontrasse no caminho. Assim, após um longo tempo, ele voltou ao local onde antes estivera a sua casa, que, como toda a cidade, fora destruída. Deixou-se, então, cair no chão e chorou todas as lágrimas que vinha acumulando desde o dia em que fora arrancado do seio de seu lar.
            Ficou uma eternidade ali, chorando, e depois que as lágrimas cessaram, dormiu, e quando acordou, continuou deitado, com o desejo de que o tempo passasse depressa. Mas o Tempo segue seu próprio curso, e não há como apressá-lo o retardá-lo, ele apenas segue conforme seu tempo.
            Agora, ali, parado, em frente a janela, sendo acariciado pelo vento, ele se lembrava disso tudo, de tudo pelo que passara na vida. Já era um homem velho, sem o vigor físico que ostentara outrora, mas que continuava, mesmo passado tanto tempo, a, com a alma leve e no mais completo silêncio, ouvir o vento, a captar as palavras que nem sempre são inteligíveis para todos e a agradecer pelo vento, que lhe disse, naquela fatídica noite, para se afastar, e a maldizer pela guerra sem sentido, que destruiu tudo e todos, que deixou a vida de tantos no mais completo vazio.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Natal... Natal... Eh, natal!!!



É sério! Eu adoro o natal. Adoro sentir esse clima festivo dessa época do ano; adoro ver a cidade toda enfeitada e iluminada com decorações de gosto no mínimo duvidoso; adoro poder ir a um shopping e receber tantos encontrões, por conta dos corredores sempre tão cheios de gente desesperada para comprar presentes e mais presentes; adoro ir a uma loja e ver a expressão insana dos vendedores, entre desejosos de concluir mais uma venda, e exaustos, já contando os dias para que esse período de loja eternamente cheia finalmente chegue ao fim, pois seus gerentes se negam a lhe dar folgas, já que virou lei que empresa nenhuma dá folga nessa época do ano!
            Adoro o natal por conta desse sentimento de fraternidade reinante. Todas as pessoas são amigas, todas as pessoas perdoam, são perfeitas e vivem na mais perfeita harmonia, exatamente de forma oposta a que vivem durante todo um ano, como se estivessem a esperar pelo natal para viverem “como deveriam”, pois, afinal de contas, tem que fazer a média uma vez por ano pelo menos, convenhamos!
            Adoro natal por que é a única época em que se vê pessoas que não se suportam tirando umas às outras no “amigo secreto” e na hora de revelar quem tirou, só falar elogios do outro. Adoro ver como as pessoas têm cuidado e pensa muito na hora de comprar um presente pro “amigo secreto” a ponto de comprarem um “cartão presente”!!!
            Adoro natal por que vejo pessoas que nunca se viram na vida desejarem “feliz natal” umas às outras com toda a falta de sinceridade do mundo. Adoro ver vizinhos que nunca sequer trocam um “bom dia”, apesar de costumeiramente se encontrarem num corredor ou nas escadas do edifício, parando para se cumprimentarem, para puxarem um assunto qualquer, para expressar votos de “feliz natal e próspero ano novo”.
            Adoro ver os climas festivos e os preparativos para as reuniões familiares e entre amigos, como se só fosse permitido se reunir justamente nessa época do ano, como se fosse terminantemente proibido se reunir em qualquer época do ano que não seja no natal, como se só no natal fosse permitido chamar os amigos ou familiares para uma festa / reunião num ambiente agradável para reforçar os laços de amizade ou de sangue.
            Adoro o natal por que é só nessa época do ano que se recebe mil e uma mensagens e e-mails daqueles parentes e amigos que sequer se dignam a dizer um “oi” ao menos na data de seu aniversário, e justamente agora, nessa época do ano, reaparece, como que tendo surgido do nada, para desejar “feliz natal”.
            Adoro o natal, pois, se ao menos sonhar em falar que não gosto do natal, sou considerado antipático, antissocial, do contra, ateu, chato, hipócrita, etc, etc e etc. por isso falo, ou me vejo obrigado a falar, por tudo que se vive nessa época do ano, e só nessa época do ano, que adoro o natal.
            Vivamos, então, essa época tão boa, pois se não a aproveitarmos intensa e devidamente, com certeza, durante o resto do ano seremos obrigados a conviver com as pessoas em suas verdadeiras faces, que, ao menos no natal, são encobertas por máscaras de uma falsa sinceridade que chega a comover e a convencer.