De morango era o sabor de seus lábios, assim como o doce
aroma de hálito. Ele fechava os olhos e invocava as lembranças da noite passada
com seus gostos e cheiros e toques e calores e sons e suspiros. Podia quase
tocá-la e reviver aqueles momentos de tão palpáveis que eram as lembranças
ainda tão vívidas naquele quarto. Nos lençóis o seu calor ainda permanecia, nas
fronhas dos travesseiros ainda repousavam alguns fios de seus cabelos, e ele
puxou os travesseiros para junto de si e se cobriu com os lençóis, e ali ficou,
naquela posição fetal, sentindo-se seguro naquela ilha de calor.
Adormeceu brevemente com os olhos
semiabertos e sonhou, e no sonho ela voltava para seus braços. Mas acordou de
seu devaneio de supetão e assustado com o som do despertador, que lhe chamava
para um novo dia de estafantes rotinas. Entre as obrigações e o reavivamento
das lembranças, ele se viu obrigado a se levantar. Tomou uma ducha fria, que
levou pelo ralo o ainda tão presente toque dos finos dedos dela em sua pele, e
chorou ao não mais senti-lo tão latente. Enxugou-se com uma toalha felpuda, mas
que em nada lembrava o seu tão macio e aconchegante abraço.
Passou o dia inteiro como que em
constante devaneio, realizando de maneira distraída as suas tarefas e
obrigações, assinando todos os papeis que lhe entregavam sem ao menos lê-los, atendendo
ligações sem prestar atenção ao que o outro do outro lado da linha lhe dizia, e
dando respostas evasivas. Pediu para sair mais cedo, pois não estava se
sentindo bem, alegou, e seu chefe, mesmo a contragosto, o liberou, sob a
condição de no dia seguinte ele compensar. “tudo bem”, ele disse, pegou seu
paletó e saiu.
Dirigiu seu carro sem destino
definido por ruas e avenidas vazias àquela hora da tarde, até que parou em
frente à praia onde a encontrou. Mas dela, ali, a única coisa que restava, era
a sombra de sua presença, uma vaga e imprecisa lembrança. Ficou ali mesmo assim,
sem a presença dela, vendo o pôr do sol, o seu lento desaparecer na linha do
horizonte. Olhou para o alto e viu a lua cheia, a mesma lua cheia da noite
anterior, e viu o céu salpicado de infinitas e diminutas estrelas, todas tão
belas. Fechou os olhos e sentiu o cheiro do mar, nem de longe tão sublime quanto
o cheiro dela, de seu hálito; ouviu o barulho das ondas quebrando, um som
violento, de fúria, tão diferente do som delicado e baixo de sua voz, tão suave
quanto o dedilhar nas cordas de uma harpa. Expirou todo o ar que tinha dentro
de seu peito e emitiu um gemido baixo de dor pela não-presença dela ali. Caminhou
descalço sentindo o delicado e áspero toque da areia entre seus dedos e vez por
outra uma onda vinha lhe roçar com seus dedos seus pés, como que o chamando,
convidando-o para um mergulho na sua imensidão, nos seus gigantescos braços num
abraço apertado, mas ele não sentia nada disso: sentia apenas a solidão daquele
momento, a presença de uma ausência tão viva.
Voltou para casa tarde da noite,
cabisbaixo, e preferiu não pegar o elevador, mas sim subir todos aqueles lances
de escadas, contando um a um os degraus. Chegou à porta de seu apartamento
esgotado, com os músculos das pernas clamando por um descanso, e se jogou sobre
o sofá. Estava tão cansado que fechou os olhos e estava adormecendo quando
sentiu um doce e tão conhecido aroma pairando no ar. Com os olhos ainda
fechados ele virava a cabeça de um lado para o outro, como que procurando a
fonte de onde vinha o cheiro daquela lembrança, até que parou, olhando em
direção à mesa, e viu lá pousado um único morango. Arregalou os olhos, não acreditando
no que tinha diante de si, quando ouviu um som vindo de seu quarto, onde a
porta se abria lentamente e por onde vinha ela, não a lembrança dela, não um eco
dela, mas ela, em carne, osso, cheiro
e gosto, e na mão segurava delicadamente um morango, que oferecia para ele...
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