Era ele quem dava formas e cores às nuvens. Criava e as
soltava no firmamento, para que pudessem cair nos braços do vento e bailar nos
céus à vista de todos. Gostava de vê-las assim, soltas, correndo e se
desfazendo em mil outras nuvens, decompondo-se e recompondo-se em outras tantas
formas, mesclando-se umas às outras, tornando-se nuvens maiores que às vezes
até assustavam as pessoas que as contemplavam. Gostava de senti-las nas
próprias mãos enquanto as modelava. Eram tão macias quanto o mais puro e fino
algodão, mas também podiam ser tão firmes quanto uma rocha quando misturadas
com mil outros compostos para dar a forma e cor de uma nuvem de tempestade. Estas,
ele construía apenas quando se sentia triste, e as águas que carregavam eram as
de suas lágrimas, dos momentos em que se sentia profundamente triste e
solitário.
Gostava de
trabalhar junto com os ventos, a quem entregava suas obras de arte, para que as
levasse embora e as deixasse livre a percorrer os mundos que desejassem;
gostava de ouvir as palavras que as pessoas jogavam ao vento, as quais ele, o
vento, lhe trazia; gostava de ver, lá do alto, as pessoas embaixo, deitadas no chão,
a olhar para o céu e dar nomes às formas que ele criava.
Criava formas
geométricas indefinidas, animais que não existiam e reconstruía, em bonecos e
cenários, batalhas históricas que foram travadas apenas em seus pensamentos. Criava
nuvem por nuvem com igual esmero e amor, e até as nuvens que regava com suas
lágrimas, ele as amava. Eram todas suas obras de arte, suas criações, suas
filhas. Algumas ele até ficava por mais tempo, contemplando-as, amando-as em
silêncio, e outras até gostaria de ficar apenas para si. Mas sabendo que não
poderia guardá-las, de que não poderia ficar com nenhuma delas, as soltava, as
deixava correr livremente pelo céu azul.
Via,
preocupado, quando algumas de suas nuvens subiam tão alto que se desfaziam em
mil pedaços, sendo despedaçadas pelas forças de alguns ventos, e exasperava-se
quando outras, insensatas, queriam encobrir o sol e eram atravessadas por seus
raios. Mas ele, mesmo a estas, desculpava, pois sabia que algumas delas tinham
um espírito próprio, aventureiro e destemido, que se sentiam atraídas pelos
desafios que estavam além de suas capacidades, pois eram de compleição
delicada, feitas para bailar, não para correr riscos.
Suas mãos,
mesmo com tantos e tão infindáveis trabalhos, não eram calejadas, pois a
matéria com que trabalhava era leve como o pensamento, delicada como um fio de
algodão e suave como a mais fina seda, e para construir as nuvens, não se fazia
necessária força alguma, mas sim apenas deixar que sua criatividade e fantasia
corressem livremente e fizessem seus trabalhos.
Ele era um ser
vivo como um outro qualquer, e já estava cansado após tantos e tão longos anos
naquele trabalho, mas para deixar aquele trabalho-artístico, precisava
encontrar um alguém à sua altura para substituí-lo. Preocupado, ficou longos
dias, nos quais nenhuma única nuvem foi criada, isolada em seus próprios
pensamentos, olhando, lá do alto, perdido em contemplação, olhando todos os
seres vivos. Viu o mar, mas percebeu o quão ocupado ele era, indo e vindo o
tempo todo, banhando a todo o mundo, criando tantas e tão fortes ondas; viu o
vento, sempre apressado, levando tantas palavras que lhe eram jogadas; viu
inúmeros animais, cada qual mais ocupado que os outros, os pássaros a cantar,
os beija-flores a bailar, seduzir e beijar, os peixes a navegar, felinos a
caçar, grandes mamíferos a se movimentar, repteis a rastejar e outros tantos
diminutos insetos, tão pequenos que não teriam, talvez, condições de assumir a
tão grande e importante tarefa. Já desanimado, o criador de nuvens bateu os
olhos em um homem como todos os outros em suas formas e proporções. Mas era um
homem que, tirando sua aparência, era diferente em tudo dos demais de sua
espécie, pois, como diziam seus iguais de espécie, “andava com a cabeça lá nas
nuvens”. O criador de nuvens, vendo nesse homem um seu espelho daquele que fora
um dia, chamou-o através de sinais. O homem, com os pés plantados no chão, mas
com os olhos voltados para o céu e a cabeça nas nuvens, entendeu aquele chamado
e abriu os braços. Uma nuvem de algodão o envolveu com delicados dedos e o
levou para o alto.
Lá no alto,
homem e o criador de nuvens se olharam, e foi como se vissem espelhados um no
outro. Sorriram um para o outro e não precisaram trocar uma única palavra. Deram-se
as mãos e trocaram de função, e o homem, aquele que andava com a cabeça nas
nuvens, passou, ele, a ser o responsável pela criação de todas as nuvens que
aqueles, que viviam lá embaixo, aqueles mesmos que lhe criticavam e
apontavam-lhe o dedo sempre que passava, aqueles que o chamavam de louco, passaram
a olhar para o alto e ver naquelas nuvens as suas criações. De tão louco, de
tão contemplar de nuvens que ele era, passou a ser ele o criador daquelas
loucuras, daquelas artes, daquelas nuvens.
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