Do alto daquela montanha ele via o mundo se descortinando
aos seus pés. Podia ver, ao longe, na linha do horizonte, o azul do mar em
contato direto com o azul do céu, os dois se fundindo, de mãos dados, com os
dedos entrelaçados. O que era um e o que era o outro, olho humano algum podia
distinguir. Olhou bem para o alto e viu passar uma nuvem. Há tempos não olhava
para o céu e atentava para as multiformas feitas de algodão dançando um
silencioso balé, sendo guiadas pelos braços do experiente bailarino chamado
vento. Sorriu ao ver as formas e a dança das nuvens, pois tal olhar lhe
despertou uma série de lembranças. Lembrou-se de quando era menino, do tempo
livre que tinha, de como podia ficar deitado no chão com o olhar perdido no céu
de um fim de tarde qualquer, de como era prazeroso ver as nuvens de
modificando, adquirindo novas formas, e de como ele dava um nome a cada forma
adquirida. Eram formas de animais, de paisagens, de coisas que não existiam,
eram formas de lembranças...
Tantas nuvens
no céu, correndo para lá longe, para onde o céu e o mar de fundem num só
abraço, e ele ali, com os pés plantados no chão. Sentiu-se triste e uma lágrima
começou a brotar de seu olho. Ela escorreu pelo seu rosto deixando um sulco por
onde passava. Em silêncio ele ficou com seus próprios pensamentos, até que o
grito de uma águia, que voava lá no alto o despertou. Ele a contemplou e
esticou a mão, chamando-a para perto de si, e ela veio bem lentamente,
descrevendo círculos infindos enquanto descia, planando livre, deixando-se guiar,
segura nos braços do vento. Parou perto do homem e os dois se olharam nos
olhos. Ele disse que queria voar, ir lá longe, onde o céu e o mar se fundem, para
onde todas as caminham, e perguntou se ela, majestosa águia, o levaria montado
em suas costas. A águia abaixou a cabeça, pensou, mas disse que não poderia:
ele era muito pesado.
- Eu me
livro de todas as preocupações, de todos os pensamentos, para ficar mais leve! –
disse ele, desesperado, pois se ela, a rainha das aves, não poderia levá-lo,
ninguém para o levaria.
A águia,
mesmo assim, disse que não poderia, por mais que desejasse. Pediu que ele a
desculpasse por sua impotência, pois ela, mesmo sendo uma rainha, ainda assim
era uma simples e delicada ave.
Quando ela
levantou voo, subindo lentamente descrevendo espirais no céu, ao olhar para
trás, o viu lá embaixo, ajoelhado no chão, chorando copiosamente porque não lhe
tinha sido dado o privilégio, o prazer, a liberdade de poder voar. Compadecida da
dor do homem, ela procurou o vento que sopra forte no fim da estação do inverno,
aquele que leva embora todas as pesadas nuvens de chuva, e lhe contou a dor do
homem. O vento a ouviu pacientemente e disse que nada poderia fazer, pois ele,
por mais forte que fosse, só conseguia carregar em seus braços as pesadas
nuvens de chuva. Disse, também, que o homem poderia voar, tal qual ela, a águia,
poderia dançar no céu, tal qual uma branca e leve nuvem de algodão, mas que
para isso ele teria que aprender sozinho. A águia então desceu veloz, como se
fosse dar um bote numa presa e levá-la para o seu ninho, para que dela pudesse
alimentar seus filhotes. Desceu como um raio e disse ao homem que ele poderia
voar, mas que, para isso, teria, ele mesmo, que aprender.
- Mas eu
não tenho asas – falou olhando primeiro para as asas da águia, depois para os
próprios braços – e sou pesado – disse olhando para o céu e vendo como as
nuvens de algodão eram leves como uma pluma dançando no céu ao sabor do vento.
- Mas você
pode, mesmo assim, sem asas e pesado como é, voar, pois sua alma e leve – disse
a águia, e levantou voo deixando o homem a pensar no que dissera.
O homem se
sentou e ficou a pensar no que ouvira, vendo a águia ganhar altura até se
tornar um pequenino ponto no céu e sumir ao mergulhar dentro de uma grande
nuvem branca.
- Eu sou
pesado, mas mesmo assim posso voar, pois minha alma é leve – dizia ele para si
mesmo, pensando e pesando cada palavra.
Olhou para
si mesmo, e só então se deu conta de que tudo fazia sentido, de que o corpo que
tinha era como uma prisão, uma gaiola, que lhe mantinha a alma encarcerada. Pôs
as duas mãos sobre o peito, e num gesto lento, como que abrindo a própria pele,
abriu espaço para que sua alma se libertasse. Abriu os braços para o mundo e de
sua garganta saiu um grito longo que ecoou por todo o céu. Ele estava livre,
inteiramente livre para voar, e sua alma voou nos braços do vento por dentro
das nuvens até a linha do horizonte onde o mar e o céu se fundem num só corpo,
num longo e afetuoso abraço.
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