domingo, 21 de abril de 2013

Onde o céu e o mar se fundem



Do alto daquela montanha ele via o mundo se descortinando aos seus pés. Podia ver, ao longe, na linha do horizonte, o azul do mar em contato direto com o azul do céu, os dois se fundindo, de mãos dados, com os dedos entrelaçados. O que era um e o que era o outro, olho humano algum podia distinguir. Olhou bem para o alto e viu passar uma nuvem. Há tempos não olhava para o céu e atentava para as multiformas feitas de algodão dançando um silencioso balé, sendo guiadas pelos braços do experiente bailarino chamado vento. Sorriu ao ver as formas e a dança das nuvens, pois tal olhar lhe despertou uma série de lembranças. Lembrou-se de quando era menino, do tempo livre que tinha, de como podia ficar deitado no chão com o olhar perdido no céu de um fim de tarde qualquer, de como era prazeroso ver as nuvens de modificando, adquirindo novas formas, e de como ele dava um nome a cada forma adquirida. Eram formas de animais, de paisagens, de coisas que não existiam, eram formas de lembranças...
            Tantas nuvens no céu, correndo para lá longe, para onde o céu e o mar de fundem num só abraço, e ele ali, com os pés plantados no chão. Sentiu-se triste e uma lágrima começou a brotar de seu olho. Ela escorreu pelo seu rosto deixando um sulco por onde passava. Em silêncio ele ficou com seus próprios pensamentos, até que o grito de uma águia, que voava lá no alto o despertou. Ele a contemplou e esticou a mão, chamando-a para perto de si, e ela veio bem lentamente, descrevendo círculos infindos enquanto descia, planando livre, deixando-se guiar, segura nos braços do vento. Parou perto do homem e os dois se olharam nos olhos. Ele disse que queria voar, ir lá longe, onde o céu e o mar se fundem, para onde todas as caminham, e perguntou se ela, majestosa águia, o levaria montado em suas costas. A águia abaixou a cabeça, pensou, mas disse que não poderia: ele era muito pesado.
            - Eu me livro de todas as preocupações, de todos os pensamentos, para ficar mais leve! – disse ele, desesperado, pois se ela, a rainha das aves, não poderia levá-lo, ninguém para o levaria.
            A águia, mesmo assim, disse que não poderia, por mais que desejasse. Pediu que ele a desculpasse por sua impotência, pois ela, mesmo sendo uma rainha, ainda assim era uma simples e delicada ave.
            Quando ela levantou voo, subindo lentamente descrevendo espirais no céu, ao olhar para trás, o viu lá embaixo, ajoelhado no chão, chorando copiosamente porque não lhe tinha sido dado o privilégio, o prazer, a liberdade de poder voar. Compadecida da dor do homem, ela procurou o vento que sopra forte no fim da estação do inverno, aquele que leva embora todas as pesadas nuvens de chuva, e lhe contou a dor do homem. O vento a ouviu pacientemente e disse que nada poderia fazer, pois ele, por mais forte que fosse, só conseguia carregar em seus braços as pesadas nuvens de chuva. Disse, também, que o homem poderia voar, tal qual ela, a águia, poderia dançar no céu, tal qual uma branca e leve nuvem de algodão, mas que para isso ele teria que aprender sozinho. A águia então desceu veloz, como se fosse dar um bote numa presa e levá-la para o seu ninho, para que dela pudesse alimentar seus filhotes. Desceu como um raio e disse ao homem que ele poderia voar, mas que, para isso, teria, ele mesmo, que aprender.
            - Mas eu não tenho asas – falou olhando primeiro para as asas da águia, depois para os próprios braços – e sou pesado – disse olhando para o céu e vendo como as nuvens de algodão eram leves como uma pluma dançando no céu ao sabor do vento.
            - Mas você pode, mesmo assim, sem asas e pesado como é, voar, pois sua alma e leve – disse a águia, e levantou voo deixando o homem a pensar no que dissera.
            O homem se sentou e ficou a pensar no que ouvira, vendo a águia ganhar altura até se tornar um pequenino ponto no céu e sumir ao mergulhar dentro de uma grande nuvem branca.
            - Eu sou pesado, mas mesmo assim posso voar, pois minha alma é leve – dizia ele para si mesmo, pensando e pesando cada palavra.
            Olhou para si mesmo, e só então se deu conta de que tudo fazia sentido, de que o corpo que tinha era como uma prisão, uma gaiola, que lhe mantinha a alma encarcerada. Pôs as duas mãos sobre o peito, e num gesto lento, como que abrindo a própria pele, abriu espaço para que sua alma se libertasse. Abriu os braços para o mundo e de sua garganta saiu um grito longo que ecoou por todo o céu. Ele estava livre, inteiramente livre para voar, e sua alma voou nos braços do vento por dentro das nuvens até a linha do horizonte onde o mar e o céu se fundem num só corpo, num longo e afetuoso abraço.

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