Ela teve a ousadia, cometeu o despautério de fechar os olhos
e se deixar levar pelas carícias do vento. Sentindo-se leve, percebeu que o
vento a carregava nos braços, que a conduzia numa dança suave. Ela se sentia
leve como uma pluma nos braços dele, que lhe sussurrava palavras de amor que um
alguém tinha jogado ao longe. Ela ouvia uma música que vinha de tão longe e que
lhe inundava por inteiro, que lhe vinha por todos os lados.
Rodopiava e
se sentia tonta, embriagada de felicidade ao ser conduzida naquela dança com um
par tão ímpar, tão único, tão seu. Ria, e era um sorriso lindo, plenamente
aberto em que sua alma podia ser vista por inteiro.
Ela estava
entregue, inteiramente entregue. Não ouvia nada do que se passava ao seu redor,
não via nada. Ela era apenas aquilo: aquele momento, naquela dança. E só isso,
por si só, lhe bastava. Ouvia a música e sentia o suave toque do vento
segurando suas mãos, lhe fazendo rodopiar. Ela ria alto quando tropeçava em
suas próprias pernas num giro desajeitado. Mas logo se reequilibrava e voltava
a dançar.
Passou horas
entregue naquela dança, tantas que sequer se deu conta com o passar do tempo,
pois o tempo, enquanto dançava, não lhe dizia respeito. Abria os braços,
libertando-se por um curto instante e rodava em torno de si mesma, e depois e
jogava novamente nos braços do vento, abraçando-o e sendo abraçada.
O sol fez
todo o seu percurso na abóbada celeste e a lua se mostrava majestosa no
firmamento quando, cansada e feliz, ela sentiu que o vento a largava, que a
dança tinha chegado ao fim, pois a música cessara. Sorrindo, ela jogou beijos
ao vento e o agradeceu por tê-la conduzido naquela maravilhosa dança.
Deixou-se
ficar imóvel e no mais completo silêncio por alguns instantes, com os braços
caídos ao longo do corpo. Seus olhos estavam fechados, mas a boca aberta num
largo sorriso.
A paz do
silêncio foi quebrada quando ouviu vozes que vinham de tão longe, mas que logo
foram se aproximando, aproximando e aproximando, a ponto dela senti-las toda ao
seu redor. Respirou fundo uma poção de vezes, e só quando não mais aguentava
ouvir aqueles ruídos, aquelas tantas vozes, foi que abriu os olhos. Ao seu
redor estavam tantas pessoas que a mantinha presa num círculo tão fechado que
ela começou a ter a sensação de claustrofobia. As pessoas tinham, em seu
semblante, expressões de contrariedade, de recriminação. Algumas até apontavam,
com dedo em riste, para ela e lhe jogavam uma série de imprecações, chamando-a
de louca.
Ela, triste, abaixou a cabeça e
fechou novamente os olhos, e nesse momento o vento, com seus dedos e mão suave,
tocou seu queixo, levantando sua cabeça para fazê-la olhar, mesmo com os olhos
fechados, bem fundo em seus olhos. Ela sorriu e se deixou novamente levar naquela
tão suave a maravilhosa dança, rodando, rodando e rodando... Seus lábios se
abriram num largo sorriso e seus ouvidos se fecharam para aquelas palavras que
as pessoas lhe jogavam, aquelas palavras de pessoas que a julgavam uma louca só
porque ela havia ousado se entregar naquela dança com o vento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário