Um dos maiores segredos do
Universo, um dos maiores enigmas que os homens tem se debruçado, sobre o qual
tantos sábios, filósofos e cientistas estudaram, está em descobrir por que a
cama de nossos pais é sempre a melhor cama do mundo, o lugar mais seguro, quentinho
e aconchegante do Universo. A cama de nossos pais é uma verdadeira ilha de
calor e paz em meio ao oceano de águas profundas e geladas onde fomos jogados.
Desde
que o mundo é Mundo e foi criado o quarto dos filhos, para que os pais possam
ter uma noite de sono sossegada em seus quartos, é que as pobres crianças
sentem-se verdadeiras órfãs, pois muitas vezes existe uma parede quase
intransponível que os separa da cama de seus pais, e desde esses imemoriais
tempos que estas crianças dão seu jeitinho para atravessar a aparente
inexpugnável muralha que os separa de seu objetivo. E a maneira encontrada é
simples: bater a porta do quarto, tendo sempre um coberto enrolado ao corpo e
um travesseiro debaixo do braço, alegando estar com medo do escuro, dizendo que
tem um bicho-papão debaixo da cama, quando, na verdade, o que há, no máximo, é
um playmobil esquecido na última brincadeira ou aquela sandália ou sapato que a
gente nunca encontra na hora que mais precisa. E então vem nossa mãe, é
normalmente ela quem abre a porta, e olha para nós, da forma como só as mães
nos olham.
-
O que foi, menino? – pergunta ela.
Então
nós desenrolamos a nossa história, a nossa desculpa, quando, na verdade, só o
que queremos é um pouco do espaço mágico daquela cama.
Quando
nossa mãe está, finalmente, se convencendo da veracidade da nossa história do
bicho-papão e do escuro que quer nos tragar para sua profundeza, ouvimos a voz
de nosso pai, que acorda de repente e quer saber o motivo de estarmos ali,
parados à porta do quarto. Ele nos manda voltar para nosso próprio quarto, para
dormir em nossa própria cama e, já com olhos chorosos, damos o primeiro passo
para trás, eis que nossa mãe, sempre ela, nos salva e nos dá passagem, de forma
que nos jogamos sobre sua cama e muitas vezes antes mesmo dela se deitar, já
estamos dormindo um sono tão pesado que nem mesmo um carnaval fora de época, se
passasse em frente a nossa casa, seria capaz de nos acordar. E ficamos ali,
naquela cama tão grande, entre nosso pai e nossa mãe, impedindo que eles se
abracem, desejando apenas o abraço de ambos.
Muitos
são os que se debruçam sobre essa complexa questão primordial para a existência
de qualquer ser humano. Os matemáticos, por exemplo, alegam que o ângulo do
colchão de nossos pais com relação ao travesseiro faz com que aquele seja um
local tão propício para um sono agradável; os físicos, por seu lado, falam de
calor; os poetas tentam, em vão, com seus versos explicar a relação existente
entre os filhos e a cama de seus pais; os psicólogos chegaram a conclusão de
que, nesse caso, nem Freud explica;os biólogos falam que esse é um de nossos
instintos primitivos; os geógrafos, que esse é nosso norte; os historiadores,
bem, esses não chegaram a um consenso, ainda. Enfim, todos falam, falam e
falam, mas nenhum chegou a questão primordial.
Eu,
por meu lado, acredito que essa é uma questão por demais complexa, que por mais
que nos debrucemos sobre ela jamais chegaremos a um consenso, que é uma questão
puramente afetiva.
E
de tanto falar nisso, enquanto escrevo esse texto, ouvi um barulho vindo
debaixo de minha cama. Olho para o quarto escuro e começo a tremer de medo e
resolvo sair de meu quarto, e ir para o de meus pais. Lá, quando eu bater a
porta, provavelmente virá minha mãe abri-la e me olhará com uma cara estranha,
como se dissesse “o que que tu ‘tá fazendo aqui, menino?” e eu, enrolado a meu
lençol, tendo o travesseiro debaixo do braço, olharia para ela como se
respondesse que o que fazia ali era óbvio, que vinha dormir na sua cama, onde
não me deitava há tempos. Ela me lançaria um olhar indiferente, daria de ombros
e me daria passagem. Quando me deitasse na cama, antes de pegar no sono, ainda
escutaria meu pai reclamar, dizendo:
-
Esse menino aqui de novo? Você já está grande demais, rapaz. Vai dormir na sua
cama!
Mas
antes que ele terminasse de falar isso, eu, do alto dos meus vinte e poucos
anos, já estaria dormindo.
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