Era só um espantalho. Um velho, feio e acabado espantalho,
que parecia ter brotado do chão há tempos a muito esquecidos naquela velha e isolada
fazenda. Tinha seus pés fincados no chão e muito pouco se movia, e somente quando
tocado pelo vento, que lhe empurrava para frente e para trás. Atrás de si
ficava a casa grande e velha, para onde nunca olhava, à sua frente
toda a plantação, para a qual passava horas infindáveis de sua vida a
contemplar, ao seus pés, o chão que lhe prendia, do qual jamais poderia se
libertar, e sobre sua cabeça, o infinito céu azul, onde caminhavam em seu suave
balé de voos, os pássaros que ele tanto amava, as quais desejava poder alcançar
e tocar com seus longos e desajeitados dedos.
Os pássaros
ficavam sempre longe do espantalho, pois eles o temiam. Viam nele, naquela
figura tão fantasmagórica e feia, um ser sobrenatural, que inspirava medo, por
mais que ele (espantalho) balançasse a cabeça e fizesse gestos desajeitados,
tentando dizer que não fariam mal a ninguém, que só queriam vê-los de mais
perto, para ouvir seus cantos, para conversar, pois se sentia tão só, preso
naquele chão.
Viviam poucas
pessoas na fazenda, e estas raramente chegavam perto do espantalho, pois também
o temiam à sua maneira. Só as crianças, com suas brincadeiras de mau-gosto
chegavam perto, mas para jogar pedras e bater nele com pedaços de pau. O espantalho
aceitava, mesmo tendo seu corpo tão massacrado, todo aquele suplício, pois esta
era a sua sina.
O espantalho
estava triste, como jamais estivera em sua longa e solitária vida, e nem um
forte vendaval o fazia se mover mais do que alguns centímetros, para frente e
para trás. Os fortes temporais que desabavam sobre sua cabeça naquele inverno
mal o faziam mexer-se. Sentia um forte peso no peito que tomou a forma da
solidão, e passava horas a olhar para o céu vazio sobre sua cabeça, pois os
pássaros não ousavam sair de seus ninhos naquele tempo tão feio.
O inverno
era duro e longo, no entanto a época do ano em que o espantalho mais
desgostava, por se sentir mais o peso da solidão, era a primavera, pois todo o
mundo à sua volta florescia, os pássaros voltavam a dançar no céu, longe dele,
e só ele ficava ali, preso ao chão, tão só.
Naquela primavera,
quando cabisbaixo, sentiu algo cair perto dele. Fixou seus olhos no chão, e contorcendo-se
por inteiro, quase encostando o nariz no chão, viu que ali havia caído uma
diminuta semente. Olhou para cima, imaginando que tivesse sido perdida ali por
um pássaro, mas percebeu que o céu estava completamente deserto. Olhou para um
lado e para o outro, imaginando que aquela semente tinha sido jogada por um
alguém, mas tudo ao seu redor estava solitário e silencioso. Viu naquela
sementinha uma semente de esperança e com seus dedos longos, finos e desajeitados,
cavou um pequeno buraco e com toda a delicadeza do mundo, ali depositou a
semente. Dias e noites ele passou ali, curvado, a observar o chão onde tinha
depositado sua esperança. Protegeu-a do sol e calor excessivo do meio-dia e parou
até de se pôr de pé e de ser fustigado pelo vento. Mas por mais que fizesse,
nada brotava naquele chão tão estéril, e ao se dar conta disso ele chorou
durante horas ininterruptas. Quando terminou o seu lamento, quando se sentia
mais leve pelas lágrimas que havia chorado em sua dor pela semente de esperança
perdida, se deu conta de que um pequenino broto surgia. Diminuto, sim, tão
frágil, de um verde pálido, mas era um broto, do qual ele cuidou como se da
sobrevivência dele dependesse a sua vida.
Dia após
dia ele a cultivou e a viu crescer pouco a pouco, até se tornar uma linda rosa.
Ainda não havia desabrochado e aberto seus olhos, e ele estava ansioso para quando
isso acontecesse, mas, ao mesmo tempo, temia, pois seu pobre coração não
resistiria caso ela o olhasse com os mesmos com que o olhavam os pássaros e as
pessoas, não resistiria se ela também o temesse.
Foi numa
manhã, em meados daquela primavera, que ele notou, pela primeira vez, um
movimento na rosa. Era um movimento vindo de dentro para fora, como se ela
fizesse força para se abrir. Primeiro uma pétala de soltou, depois outra e mais
outra, até que a rosa desabrochou, bela e delicada, e abriu seus olhos. Ao olhar
para cima, viu que o espantalho a contemplava, abobalhado com sua beleza, e ela
o achou belo, e sorriu para ele. Aquele era o primeiro sorriso que um alguém dava
ao espantalho, e ele sentiu seu coração pular, em júbilo, dentro de seu mirrado
peito. Batia tão forte que até a rosa o ouviu, e sorriu novamente para ele, e o
coração dele quase explodiu.
A cada nova
manhã a rosa desabrochava, e o primeiro sorriso que ela dava era para o
espantalho, e dia após dia os dois foram vivendo naquela felicidade em que um
só precisava e cuidava do outro.
Logo outras
sementes foram surgindo, e o espantalho cuidou com especial carinho de todas,
da mesma forma que cuidara da primeira rosa. Vários brotos surgiram na terra,
sendo regados pelas lágrimas, agora de felicidade, do espantalho, e em muito
pouco tempo a seus pés surgiu um esplendoroso jardim, com rosas de todas as
cores, todas igualmente belas e delicadas. Os pássaros, vendo aquele lindo jardim,
passaram a não mais temer a feiura do espantalho, e passaram a admirá-lo por
ter, a seus pés, tão lindas rosas.
Assim, o
espantalho se viu rodeado de flores e pássaros e passou a ser admirado por
todos, por ter cultivado o mais belo jardim do mundo.
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