Passado tanto tempo, privado completa e inteiramente de sua
liberdade, o homem estava ansioso ante a expectativa de, finalmente, colocar o
pé para fora daquela prisão e se ver, enfim, livre.
Naquela noite,
dormiu no chão duro e frio da sela e foi com grande alegria, sentimento este
que não sentia há anos, há tanto tempo que já o tinha esquecido, não se
lembrando o quão bom é se sentir simplesmente alegre, que viu, pela minúscula
janela do alto da sela, os primeiros raios de sol que surgiam no horizonte. Nunca
tinha reparado no amanhecer até aquele dia. Para ele, o nascer do sol era como
ago mecânico, invariável, que acontece todo dia, e não algo novo, que sinaliza
um novo começo, o novo de novo. Ele subiu em sua cama para ver o sol através
daquela minúscula janela e só então percebeu o quão pequeno era o seu mundo ali
dentro, encarcerado, e quão belo deveria ser o nascer do sol lá fora, no mundo.
Esperou numa
mescla de paciência e impaciência pela hora em que seria chamado. O tempo se
arrastava e a cada vez que ouvia passos do lado de fora, no corredor,
levantava-se de um salto e ficava junto à porta, segurando as barras de ferro. Mas
a cada vez que o guarda passava pela frente da sela, tornava a se sentar, cada
vez mais ansioso. Assim passou parte da manhã e quando estava já cansado,
quando não esperava mais ser chamado, apareceu um homem, um guarda. Ele mal
acreditou em seus ouvidos quando ouviu um alguém chamando seu nome. Levantou-se
devagar e deu dois curtos passos para fora, e, ao sair, ainda olhou para a sela
onde tinha passado tanto tempo uma última vez.
Caminhou pelos
corredores da prisão seguindo um guarda e sendo escoltado por um outro. Andava calado
e de cabeça baixa, ouvindo os sons de seus próprios passos ecoando pelos corredores
da prisão e os das pessoas que despertavam.
Aquele lugar
que estava abandonando não lhe despertava qualquer sentimento, mas, mesmo
assim, por cada canto que passava, ele olhava uma última vez, como se estivesse
se despedindo.
Já na saída,
enquanto a porta que iria lhe restituir a liberdade roubada era aberta, olhou
para toda aquela imensa prisão e viu, lá longe, o que imaginou ser sua
minúscula sela onde passara tantos anos. Já não se lembrava o dia e ano que
entrara ali, e não fazia ideia de que dia e ano era aquele que estava saindo.
A porta foi
aberta e o sol bateu em cheio em seu rosto, lhe cegando momentaneamente. Quando
pôde, finalmente, ver o mundo que se descortinava a sua frente, ficou sem ar,
sem acreditar em seus próprios olhos. O mundo estava tão mudado e tão vasto,
tão diferente de como ele o deixara quando fora preso.
Deu um
passo a frente, incerto, inseguro, rumo à liberdade, ao que havia se
desacostumado, ao desconhecido, e ouviu às suas costas a porta da prisão sendo
fechada e a de sua nova vida sendo aberta.
Tropeçando em
suas próprias pernas, ele caminhava sem um caminho certo, em qualquer direção. Não
sabia para onde ir, agora que estava livre, e não se lembrava mais dos rostos
das pessoas que um dia conhecera há tantos anos. Na prisão, estava acostumado
ao pequeno mundo, aos mesmos rostos conhecidos dos longos anos do
encarceramento, das pessoas com quem dividia as privações, mas agora, no mundo,
ele não sabia para onde ir, quem procurar e o que fazer com aquilo a que todos
chamavam de liberdade.
Caminhou em
linha reta por um longo tempo e quando suas pernas estavam cansadas parou para
descansar. Colocou a mochila com seus poucos pertences no chão e se sentou num
banco de praça. Enquanto descansava, percebeu, pela primeira vez, como estava
cercado por tantas pessoas. Sorria para cada uma delas, mas não recebia sequer
um olhar como resposta. Era como se ele fosse transparente, e ninguém reparava
no homem recém-liberto, com a alma em júbilo, ali, parado, louco para conhecer
e desfrutar de sua nova vida.
Cansado de
sorrir e sequer ser notado, abaixou a cabeça e soltou o ar que estava preso em
seu peito.
Levantou-se
e começou a andar entre as pessoas, sendo apenas mais um na multidão.
Ficou horas
a fio andando de um lado pro outro, sentindo-se cada vez mais só à medida que a
multidão se adensava ao seu redor.
Foi ao
centro da cidade, antes tão sua conhecida, e não encontrou ninguém, por mais
que visse centenas de pessoas; foi a bairros da periferia e se sentiu tão
miserável, privado de coisas que a mais pobre daquelas pessoas tinha:
companhia.
O sol já
estava fechando seus olhos quando, parado, o homem olhou para o céu e viu um
bando de pássaros num voo rasante. Olhou para a sua frente e viu pessoas,
juntas, voltando para casa após um longo e estafante dia de trabalho; viu estudantes
voltando da escola em sua algazarra incomodando por onde passavam; viu uma mulher
que caminhava sorrindo enquanto falava ao telefone com um alguém que estava a
lhe esperar; viu um pai e sua filha; e viu a si mesmo, sozinho com sua sombra
alongada a seus pés.
Sentou-se
no chão, olhando o horizonte, até que o sol sumiu, dando lugar a uma lua que
brilhava majestosa no céu. Naquele momento, quando viu a lua sobre sua cabeça,
sentiu-se como ela: livre, tendo todo o mundo, todo o céu, para vagar
eternamente, mas só.
Antes era
um homem privado de sua liberdade, hoje se sentia privado de toda e qualquer
companhia. Antes era seu corpo que estava aprisionado, agora era sua alma que
clamava por liberdade.
Sentia como
se estivesse sendo engolido por um nevoeiro, que lhe cobria pouco a pouco até
não lhe restar mais nada além de sua sensação de falsa liberdade e certeza de
uma solidão.
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