- Calma, meu filho. Só por que você ouviu alguém dizendo que
o mundo está se acabando, não significa dizer que ele vai se acabar já.
- Está
acabando sim, mãe. O mundo está acabando!
- Onde você
que você ouviu essa asneira, meu filho?
- Em todo
canto a gente vê, a gente ouve, a gente lê, mãe!
“Isso
deveria ser considerado terrorismo, guerra psicológica ou seja lá como os especialistas
em guerra chamam esse negócio de plantar falsas ideias para vencer uma batalha”,
pensou a mulher, sem saber mais como consolar o filho e fazê-lo ver que a
situação não era tão grave assim.
Quando o
jovem, adolescente, se acalmou um pouco, sua mãe o
abraçou e pensou numa forma de puxar um outro assunto, para fazê-lo esquecer, nem
que seja momentaneamente, essa história de “fim do mundo”. Mas ele não esquecia
fácil das coisas, e logo voltou a se lamuriar, sentindo-se impotente, sem poder
fazer nada contra aquela “onda do fim do mundo”.
- Mas, meu
filho, ainda tem gente boa no mundo, lutando por um mundo melhor, lutando
contra esse fim do mundo.
- Não, mãe.
Ninguém faz nada, ninguém pode fazer nada.
Está tudo perdido, mãe. Está tudo contaminado.
- Mas, meu
filho, veja que as pessoas estão mudando, estão começando a despertar, a ter
uma consciência de que, se não mudarem, o mundo só tende a piorar para todos...
- As
pessoas estão mudando, mãe, e é essa mudança que está acabando com tudo que há
de bom nesse mundo.
- Não, meu
filho. Não sei bem sob que prisma você está vendo as coisas, mas as pessoas
estão mudando e por mais negro que possa parecer o futuro, ainda vejo uma luz
no fim do túnel.
- Que futuro,
mãe? Que futuro? Tudo está acontecendo agora, no presente. Eu não quero pensar
no que pode acontecer no futuro...
A mãe se
sentia perdida ante aquela situação. Não sabia o que fazer para consolar o
filho. Se ao menos seu marido estivesse ali, saberia entender melhor o rapaz. Afinal
de contas, homens sempre acabam se entendendo.
Resolveu,
entrar, ser objetiva e direta como os homens o sol. Deixou o filho na sala,
onde estava sentado no sofá, e correu para pegar umas revistas e o controle da
televisão.
- Olhe, meu
filho, estão aqui exemplos de que as pessoas estão mudando, tentando salvar o
mundo, tentando fazer do mundo um lugar melhor.
O rapaz
segurou todas aquelas revistas sem entender. Era como se ele estivesse falando
sobre um assunto e sua mãe outro, como se ele falasse de um fim do mundo e ela
sobre um outro mundo, que também estava se acabando.
- Olhe, meu
filho. Leia essa reportagem aqui, dessa revista, que traz dados concretos de
que as pessoas estão pensando mais num mundo sustentável. A emissão dos gases
poluentes, apesar de ainda a níveis elevados, está diminuindo; o buraco da
camada de ozônio está estável; o desflorestamento está sendo fortemente combatido;
tem se produzido e consumido mais produtos orgânicos; as pessoas estão pensando
mais em reciclagem, inclusive aqui mesmo, na rua, tem uma lixeira dessas lindas
que a prefeitura colocou, para separarmos os resíduos de plástico, de metal, de
vidro, ...
O rapaz
continuava olhando para ela, sem entender nada.
- O Greenpeace
está mais atuante do que nunca; estão procurando, cada vez mais, utilizar energias
renováveis; as leis para quem desmata ilegalmente estão mais rígidas. Como vê,
meu filho, apesar de tudo parecer perdido, ainda resta uma luz, um pouco de
esperança.
O jovem
continuava sem entender que língua era aquela que a mãe falava e de que mundo
ela estava falando.
Ela ligou a
televisão com o controle remoto e colocou num canal de notícias.
- Veja essa
reportagem, filho. Estão falando de sustentabilidade. Você já reparou que cada
vez mais as pessoas estão falando em sustentabilidade?
- De que
fim do mundo a senhora está falando, mãe?
- Do fim do
mundo, filho. O mundo é um só.
- Não, mãe.
Eu não é desse fim do mundo que estou falando. Olhe – disse, e tomou o controle
remoto da mão dela.
Ele foi
passando os canais e parava de um em um, e falava para a mãe.
- Olhe.
A mãe,
horrorizada, não conseguia acreditar no que seus olhos viam. Com os olhos
esbugalhados, era como se só agora ela se desse conta da gravidade da situação.
Colocou a mão sobre os olhos, mas o que escutava ainda era um duro choque da
realidade. Colocou a mão nos ouvidos e fechou com força os olhos, para não
ouvir e ver nada. Pediu que o filho parasse, pois aquilo a torturava.
- E isso
não é tudo, mãe – disse ele, e se levantou. Foi ao quarto da irmã, de onde
voltou trazendo uma grande quantidade de revistas (dez vezes ou vinte vezes
mais revistas do que a mão havia trazido para ele ver).
A mãe não
precisou sequer abrir as revistas para compreender a seriedade de tudo aquilo,
de que o fim do mundo não só estava próximo, mas que tinha começado.
- Espere,
que ainda tem mais – o jovem foi pegar uma enorme pilha de livros. A mãe, ao
ver aqueles livros, cobriu os olhos. – Veja, mãe. Leia as sinopses e saiba do
que estou falando.
A mãe
obedeceu. Pegava o livro na mão, olhava-os de um lado e de outro, horrorizada,
com cara de nojo, e muito a contragosto lia as sinopses e comentários na contracapa
e na “orelha do livro”.
- E ainda
tem mais – ele entregou a ela vários CDs e ligou o rádio – Ouça isso.
- Não, não
e não, filho. Desligue isso. Tire tudo isso de minha frente. Isso é demais para
mim – pediu ela, e começou a chorar.
- Mãe, o
mundo está acabando, e isso tudo é só o começo.
- Agora eu
vejo, filho, que você tem razão – ela mal conseguia articular as palavras.
O jovem
ficou de pé, esperando a mãe se acalmar, para voltar a falar. Quando, enfim,
ela se recompôs, ele abriu a boca, e o que disse foi como punhaladas no peito e
no estômago dela.
- Mãe, tudo
que a gente conhece, tudo que havia de bom no mundo, acabou. A música, a
verdadeira música, não existe mais. Ligo o rádio e sintonize numa rádio
qualquer, e tudo que você vai ouvir é Restart, Justin Bieber, Luan Santana,
Fresno e um infindável número de grupinhos e astros EMOS-aboiolados... Abra uma
revista qualquer e veja os ídolos dessa geração, olhe esses mesmos astros
instantâneos, olhe as poses deles, as roupas que usam, a maquiagem que usam,
mãe! Ligue uma televisão e veja os programas, ouça as notícias desse mundinho
colorido. Ligue a televisão de manhã mesmo e veja os desenhos animados que
passam para as crianças. Os livros... Veja os livros, mãe! O que havia de bom
na literatura foi destruído e todo mundo, hoje, só lê essas coisas: Crepúsculo
ou uma outra aventura e romance qualquer de vampiros-EMOS que não mordem ninguém,
que andam de manhã, que brilham; veja os livros de romance meloso que todo
mundo está lendo, de romances e histórias impossíveis, de Nicholas Sparcks,
Nora Roberts ou um outro Best-Seller qualquer. De tanto lerem esses livros, as
pessoas, mulheres em sua maioria, acreditam nessas fantasias e, depois, quando
percebem que aquilo não é real, acabam tendo que se refugiar, procurando os
livros de auto-ajuda...
- Meu
filho, pare, por favor.
- Isso não
é tudo, mãe. Ainda tem muito mais...
- Pare, meu
filho, por favor. Não me torture mais – falou ela, e tapou os ouvidos com as
mãos, para não mais ouvir o que o filho tinha a dizer.
- Tudo,
mãe, em tudo o mundo está se acabando. Em 2009 o Flamengo foi campeão
brasileiro e no ano passado foi o Fluminense. Esse ano, o Vasco sagrou-se
campeão da Copa do Brasil. E próximo ano, o que vai acontecer? O Botafogo vai
ganhar a Libertadores?
- Por
favor, meu filho...
- A
sociedade está se acabando, mãe. Sobre a política não é nem preciso falar, não
é? Corrupção, desmandos, CPIs que não servem pra nada, salários astronômicos
para uns, enquanto se negam a aumentar decentemente o salário mínimo. Educação que
não funciona, segurança na qual não confiamos, saúde que não temos.
- Oh, meu
filho...
- E ainda
vão fazer uma Copa do Mundo de Futebol aqui, e está bem pertinho, em 2014, e
depois as Olimpíadas em 2016!
- Não, meu
filho! Já chega, já chega... Vamos falar de outra coisa, por favor. Vamos falar
do fim do outro mundo.
O filho,
vendo o estado abalado da mãe, resolveu não torturá-la mais, aquelas revelações
já tinham sido demais para ela.
- É, mãe. Vamos
falar do outro fim do mundo, que, apesar dos pesares, ainda tem a remota
possibilidade de salvação.
Ótimo texto, meu caríssimo Lima Neto. Que bom ver que ainda há escritores que não deixaram o discursinho pré-moldado Rede Globo politicamente correto podar seus textos. Sou seu leitor, amigo e admirador. Esse foi um dos seus melhores textos. Grande abraço.
ResponderExcluirEngenheiros do Hawaii, Titãs, Legião Urbana, e mais Tchaikovski e Chopin! UAU!!!
ResponderExcluirDepois, com mais vagar, lerei com carinho seus posts e comentarei ok?!
Se não se importar te "linkei" nos meus blogs.
Abraço!