domingo, 24 de janeiro de 2010

O Pássaro em sua Gaiola - Conto


Vivia preso em uma gaiola um belo pássaro, um papagaio de um verde bonito. Tinha algumas penas na ponta de suas belas e grandes asas azuis e amarelas. Possuía em torno dos olhos algumas penas amarelas e, no peito, algumas vermelhas. Era um pássaro que desde pequeno vivia naquela casa, preso dentro de uma gaiola.
Era feliz, pois era bem alimentado, sabia falar algumas palavras e todos na casa o adoravam. Quando chegava alguma visita, antes mesmo da pessoa falar com os de casa, brincava com a ave e tentava fazê-la falar alguma palavra.
– Mãe, tem gente – falava o papagaio, como havia sido ensinado, sempre que via alguém estranho chegando a casa.
O visitante, ao ouvir isso, caía na gargalhada com a astúcia e inteligência da ave.
O papagaio falava outras tantas frases, assobiava e cantava. Todos os dias pela manhã, logo que acordava, dava “bom-dia” a todos em casa, chamando cada um pelo nome, e pedia café.
A ave era mesmo mais querida na casa do que o próprio cachorro.
Quando o papagaio via o cachorro, gritava, com sua voz rouca e fina, “pega, Rex”, como lhe ensinaram.
Apesar de viver encarcerada dentro de sua gaiola, onde mal podia abrir as asas, a ave se sentia feliz com seu lar, pois este era o único no qual vivera, e não sabia viver de outra maneira, pois nunca havia experimentado outra forma de aproveitar sua vida e suas asas.
O papagaio chegara mesmo até a esquecer que tinha asas, de tão esquecidas que elas ficavam, coladas junto a seu corpo, atrofiadas e cortadas em suas pontas, “para que ele não voe e fuja”, alegavam seus donos.
Certa vez, a ave, foi retirada de sua gaiola porque uma visita queria vê-la andar pela casa, livre, e deixá-la se empoleirar em seu ombro. Assim a ave o fez.
Ao ver a porta da gaiola aberta, o papagaio não soube o que fazer, pois nunca ninguém havia deixado a porta de sua “casa” aberta. Ele hesitou, sem saber o que fazer, como reagir. Seus pés, pesados, como se se negassem a obedecer, não queriam levá-lo para o lado de fora, onde aquele estranho o chamava. Mas de tanto o homem insistir, o papagaio conseguiu fazer valer a sua vontade, criou coragem e fez seus pés obedecerem às suas ordens.
Com seu “pé”, o papagaio segurou no dedo da mão do homem, que a oferecia para ele se segurar.
Sentindo-se insegura, a ave caminhou por todo o braço do homem, e, pela primeira vez em sua curta vida, sentiu o prazer de uma incompleta e imperfeita liberdade. Respirou profundamente e soltou um assobio alegre e gargalhou. Abriu suas grandes e belas asas e, meio sem jeito, as agitou. Como não sabia voar e tinha as asas podadas, acabou caindo no chão e se machucando.
Ao se estatelar no chão, a ave soltou um sonoro grito de dor e bateu freneticamente as asas.
Seus donos, muito preocupados com a ave, seguraram-na nos braços e verificaram se estava tudo bem. Para o alívio deles, e da própria ave, nada de grave ocorrera e eles a colocaram novamente dentro de sua gaiola.
Depois que as visitas foram embora e todos em casa se retiraram para seus quartos, deixando a ave sozinha, o papagaio começou a se observar. Olhava espantado para as suas asas. Era como se, pela primeira vez na vida, as tivesse notado. Com seus olhos arregalados, ele as contemplava e sorria por dentro, como se pela primeira vez na vida tivesse se dado conta de que era uma ave e provado o delicioso prazer da liberdade.
Naquela noite, o papagaio dormiu e sonhou com a porta da gaiola sendo aberta, com ele batendo as asas e caminhando livre por toda a casa.
No dia seguinte, como sempre, a ave deu “bom-dia” a todos e pediu seu “café”. Seu dono lhe serviu sementes de girassol e o “louro” começou a comê-las prazerosamente.
Durante o dia, ele foi novamente solto e, dessa vez, mais seguro de si, caminhou livremente por toda a casa durante um longo tempo, com as asas coladas ao corpo.
Quando seu dono se aproximou para pegá-lo, ele abriu suas asas e as bateu freneticamente, sem jeito, pois não sabia o que fazer com elas. Aquilo lhe deu um certo prazer e o animal começou a gargalhar e a gritar “pega, Rex”.
No dia seguinte, foi novamente solto e, cada vez mais confiante, controlou a batida de suas asas e chegou mesmo a se levantar alguns centímetros do solo. Seus donos imediatamente pegaram-no e cortaram a ponta de suas asas.
Sempre que os seus donos fizeram isso nas vezes anteriores, o papagaio ficava quieto, pois havia sido acostumado a assim proceder, mas dessa vez esboçou alguma resistência. Mas como não tinha suficientes forças para resistir, acabou tendo as asas cortadas em suas pontas.
Naquela noite, quando todos se retiraram e o papagaio ficou só, ele olhou para as suas asas e, vendo-as feridas e, naquele momento, inúteis, chorou.
No dia seguinte, no horário que tinha se acostumado devido aos dias anteriores, esperou ser solto para andar um pouco livremente pela casa. Mas nesse dia, não aconteceu o que ele esperava. Seu dono passou por ele, o cumprimentou e o deixou na gaiola, trancado. A ave não sabia o porquê daquilo e ficou triste durante todo o resto do dia e não abriu o bico uma vez sequer para falar, de tão frustrada que se sentia.
Os dias que se seguiram foram iguais aos anteriores: a ave acordava, não falava com ninguém, mas recebia sua comida na gaiola, duas vezes por dia, passava o dia inteiro sem abrir o bico, triste como estava, e ia dormir tarde da noite e sonhava com dias melhores, com dias em que seria novamente solta e poderia voltar a caminhar livremente pela casa.
Um dia, seus donos, preocupados com o estado, resolveram levar a gaiola para fora, a fim de que a ave pudesse tomar um “banho de sol”.
Chegando do lado de fora, o papagaiou guinchou e reclamou com aquela luz excessiva, que lhe feria os olhos e o cegava. Mas, depois que se acostumou com a luz e com o calor que emanava do sol, passou a se sentir confortável e bem com ela.
Os dias se passavam e quase todas as manhãs seus donos levavam a gaiola para fora para que o papagaio tomasse seu “banho de sol”.
Um dia, quando seus donos deixaram a gaiola com o papagaio do lado de fora e foram resolver alguma coisa dentro de casa, veio voando e pousou perto de onde a ave estava um pequenino pássaro, de cores muito vivas e belas. Ao avistar o passarinho, o papagaio começou a gritar, excitado, feliz por ver aquilo que jamais tinha visto em sua vida. O passarinho, ao ver o papagaio preso na gaiola, ficou com os olhos tristes ante aquela visão. Assobiou um canto triste, longo e tocante, tanto que mesmo nos olhos da ave encarcerada surgiram lágrimas.
Ao terminar seu canto, o passarinho, muito delicadamente abriu suas frágeis asas e as bateu e voou para longe.
Durante um longo tempo, o canto do passarinho ecoou dentro dos ouvidos do papagaio e a visão da ave solta, feliz por estar livre e voando pelos ares, enchia seus olhos e sua imaginação, sem limites, sem gaiolas e sem amarras, voava.
Dias se passaram e sempre que podia, o passarinho vinha visitar seu amigo engaiolado, preso, e com estas visitas, o papagaio sentiu, dentro de si, o inexorável desejo de ser livre, de voar. A cada vez que ele via o passarinho, ele sentia esse desejo aumentar.
Dentro de sua própria gaiola, mesmo pequena, o papagaio abria suas asas e ensaiava um voo.
Um dia, quando seu dono trocou sua água pela manhã e colocou as sementes de girassol dentro de seu cocho, por descuido, não travou direito a porta. Colocou a gaiola, como vinha fazendo todos os dias, no lado de fora de casa e, em seguida, voltou para dentro a fim de cuidar de seus afazeres domésticos.
O passarinho apareceu naquele dia e pousou ao pé da gaiola. O papagaiou abriu suas asas, como que para mostrar que tinha aprendido a voar, se aproximou do passarinho e olhou bem dentro de seus olhos. Ele andou de um lado para outro da gaiola, excitado, como se estivesse procurando alguma brecha por onde pudesse escapar, até que parou de frente à porta. Para seu espanto e alegria, a porta se abriu. Meio hesitante, o papagaio olhou para baixo e voltou alguns passos, pois tinha medo de voltar a cair. Ao dar esses passos para trás, o passarinho levantou voo e pousou suavemente dentro da gaiola e começou a assobiar, dessa vez com uma voz mais alegre. O papagaio, contagiado por aquela alegria, se dirigiu novamente até a porta da gaiola. O passarinho saltou no chão e pousou suave como uma pluma. O papagaio, ainda com receio de cair e se machucar, demorou a criar coragem para saltar. Mas encorajado pelo amigo, saltou. Bateu as asas freneticamente, de forma que uma pequena corrente de ar se fez sentir e o barulho foi tão grande que o dono do animal veio correndo para ver o que se passava.
Ao chegar do lado de fora de casa, o homem viu seu papagaio do lado de fora da gaiola, livre. A ave olhou para seu dono, para a gaiola e para o passarinho, que a seu lado deu um impulso e levantou voo, livre. O papagaio abriu suas belas e grandes asas e, a princípio meio sem jeito, mas aos poucos ganhando confiança, tomou altura e logo estava voando, sentindo o ar puro encher seus pulmões, o vento por baixo de suas asas e o sabor da liberdade. Enquanto estava no ar, olhou para trás e viu, lá embaixo, sua gaiola, onde tinha estado preso por tanto tempo, a qual chamava de lar. Voltou sua atenção para o voo, para tudo que tinha diante de si. Ao seu lado voava o passarinho, como que para encorajá-lo.
O papagaio agora tinha como lar o céu e como maior alegria o prazer de ser livre.


3 comentários:

  1. Esse conto me faz lembrar a Cimara =( ...
    =D Mas as mudanças temos que acreditar que existem para melhorar.

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  2. na minha opinião, Cláudia, dos meus textos, entre os que estão no meu livro "Uma História em Cinco Vozes", o que mais se aproxima dessa questão, da saudade, da falta que a pessoa faz, são os "Folhas Secas no Outono" e "A Montanha e o Pássaro", que, inclusive, escrevi para daus pessoas, amigas, que tinham ido embora, mas que depois voltaram.

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  3. A mim essa linda história fez lembrar alegoria da caverna...

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