Ele via, todos os dias, o sol descrever seu arco no céu. Via
o sol a pino e seu suave declínio até se extinguir no horizonte, deixando, em
seu lugar, uma majestosa lua a iluminar a escuras noites e um céu salpicado de
incontáveis estrelas.
Ele perdia horas a fio em silenciosa contemplação da vida,
gritando mudas palavras para todos ouvirem, clamando para que todos, onde quer
que estivessem, pudessem ver e se deliciar com a simples beleza da vida.
Ele via as nuvens em suas multiformas em seu livre vagaroso
caminhar pelo céu. Via-as fundirem-se umas com as outras e adquirirem formas
ameaçadoras e via-as separando-se e dissolvendo-se.
Ele via e sentia o mundo que se descortinava diante de seus
olhos.
Ele ouvia, todos os dias, todos os sons dos animais que
saldavam o nascer do sol e o início de um novo dia de vida. Ouvia, também,
depois que o sol se punha, os barulhos e sons infindos da noite, vida dormindo
e da vida acordando para uma caçada noturna.
Ele ouvia o barulho silencioso da vida, do crescimento das
plantas e das montanhas; ouvia as palavras e vozes que o vento lhe trazia e ria
com o que elas diziam.
Ele ouvia a harmoniosa e perfeita canção da natureza tocada
por uma numerosa orquestra que não tinha e não precisava de um regente.
Ele falava, todos os dias, para o mundo todo ouvir,
elogiando-o por sua grandeza, por sua imensa beleza nas pequenas e praticamente
imperceptíveis coisas.
Ele falava palavras desconexas as quais o vento levava e
depositava apenas nos ouvidos daqueles que tinham a sensibilidade e clareza de
espírito suficiente para compreendê-las.
Ele sentia o cheiro, todos os dias, do amanhecer, da terra
molhada.
Ele contava os dias, via as estações do ano passarem uma a
uma até a chegada da primavera, só para sentir o doce aroma do desabrochar das
primeiras flores.
Ele sentia o toque da vida, a carícia do vento a lhe
embalar, a lhe convidar para uma dança ao som de uma música muda, mas que podia
ser ouvida apenas por aqueles que tinham ouvidos para ouvir.
Ele tocava o mundo com suas mãos num toque suave e podia
senti-lo sob seus pés na terra molhada e na grama úmida de orvalho de cada
manhã.
Ele provava o gosto da vida a cada nova manhã, a cada
despertar, e cada dia era um gosto novo, um gosto único de um doce inebriante que
lhe tomava todos os sentidos e o fazia delirar de um prazer profundo e único de
gozo pela vida.
Ele sentia todo o mundo com todo o seu corpo em toda a
plenitude de seus sentidos, e nesses momentos ele não se sentia apenas mais
uma, mais uma vida entre tantas vidas nesse imenso mundo, mas sim único, uma
parte única e integrante daquele imenso quebra-cabeça em que cada peça é essência,
é própria, é única, em que cada peça é
vida.
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