O sol já estava se pondo no horizonte, sumindo na linha em
que o céu e o mar se fundem e o mar, vagaroso e preguiçoso, batia nas pedras à
beira-mar. Tinha o mar todo o tempo do mundo para esculpir aquela pedra ao seu
gosto. As ondas batiam lentamente na pedra e escorriam pelo seu corpo úmido das
águas salgadas. Há tempos aquelas mesmas batidas, há tempos naquele longo e
inesgotável trabalho de moldura da pedra bruta em obra de arte.
Um homem
observava esse trabalho sentado na praia. Todo fim de tarde ele ficava ali,
parado, olhando o mar em seu trabalho, vendo a solitária pedra recebendo tão
delicados golpes em sua superfície sólida. Fechava, por horas a fio, os olhos,
e ficava apenas a ouvir o barulho das ondas indo e vindo e por vezes chegava
mesmo a escutar o barulho do clamor da pedra, e quando isso acontecia, abria os
olhos e ficava a mirá-la, para vê-la em sua dor, mas a pedra se calava, e
continuava a aceitar compassivamente os golpes.
Era um
homem já velho, com a pele ressecada pelo sol inclemente e tão marcada de rugas
quanto um antigo mapa desenhado numa folha de papel antigo. Aquelas rugas eram
sua história, cada uma era uma cicatriz deixada pelo tempo. Fora, nos áureos
tempos de sua juventude, um valente navegante, cujo imponente barco, açoitado
por enormes ondas de uma tempestade acabara naufragando e ele, único
sobrevivente da tripulação, jogado naquela praia distante, esquecida, localizada
bem no meio do coração do oceano, e desde esse dia nunca mais ousara entrar no
mar.
Nunca se
sentira triste em todos aqueles longos e solitários anos, mas naquele dia,
naquele fim de tarde, ao ver pela enésima vez a mesma pedra sendo açoitada
pelas mesmas ondas, ele chorou. Suas lágrimas correram pelo seu rosto, nos
sulcos de suas rugas. Eram lágrimas que escapavam e corriam lentamente, tão
lentas quanto as ondas do mar daquele fim de tarde.
Um vento
frio lhe bateu no rosto úmido e penetrou em seus poros lhe gelando todos os músculos
e ossos da face, causando-lhe uma dor que se espalhou por todo seu corpo. E quanto
mais ele chorava de dor, mais lágrimas escapavam de seus olhos e mais o vento
lhe batia com força no rosto. Aquela dor era tamanha que ele se debatia no chão
e seu rosto e corpo logo ficou encoberto pela areia fina da praia.
O mar se
agitava e as ondas vinham bater com mais e mais força na pedra, que urrava de
dor junto com o homem.
Sem pensar
no que fazia, cego pela dor que lhe tomava por inteiro, o homem tropeçou à
beira mar e teve seus pés apanhados por uma onda, que lhe sugou, puxando-o para
os braços do mar. O homem se debatia, tentando nadar por sobre as ondas, mas o
mar era mais forte e o puxava para baixo, cada vez mais para fundo. Quando o
homem perdeu, por fim, todas as forças e resolveu se entregar, o mar se acalmou
e o pegou nos braços e numa onda o atirou sobre aquela pedra. As rugas de seu
rosto e seus membros se fundiram à pedra.
O mar e suas vagarosas e preguiçosas
ondas continuaram a esculpir aquela pedra, à espera de que mais um navio
passasse naquela rota para só então tornar a se agitar em gigantescas ondas e
fazê-lo naufragar, para que somente um bravo navegante se salvasse e viesse a
ser jogado naquela ilha e passeasse a perder horas a fio a contemplar a
escultura da pedra...
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