sábado, 28 de julho de 2012

O desabrochar da Flor


Naquele chão duro de terra estéril, nasceu um jardim, surgido como um oásis no coração daquela selva de pedras, cercado por imensos edifícios. Nele as mais belas flores nasceram cultivadas pelos ventos e pelas chuvas, aquecidas pelo sol de cada amanhecer, sendo brindadas, todas as manhãs, pelos cantos dos pássaros.
            Naquele jardim havia flores de todas as cores, de todos os mais doces aromas, de todas as mais delicadas e estonteantes belezas. Ali não havia verão, inverno ou outono: ali, naquele jardim, era uma eterna primavera. Pássaros vinham de tão longe só para, em voos rasantes, passarem as pontas de suas asas nas delicadas pétalas das flores ou para pousar entre elas. Ventos, soprados de tão longe, vinham ali para carregar em seus braços os aromas e leva-los aos quatro cantos do mundo. E as pessoas vinham para terem seus sentidos invadidos pela primavera que desabrochava eternamente ali: sentiam seu doce aroma, sentiam o toque suave das pétalas das flores, ouviam o som silencioso das flores a desabrochar e a algaravia do canto dos pássaros, viam as multicores da beleza da primavera, e podiam sentir o gosto, em sua alma, da paz que os invadia quando estavam ali.
            As flores, todas, tinham vida, eram todas diferentes, mas cada uma bela em sua beleza ímpar. Havia flores de beleza tão delicada quanto um fino cristal, que até o vento tinha medo de tocá-las, de tão delicadas e frágeis se mostravam; havia flores fortes, de beleza estonteante; havia flores pequenas, tão diminutas que, com medo de serem pisoteadas, se escondiam à sombra de flores maiores; havia flores grandes; havia flores que precisavam de proteção, e que por isso possuíam espinho; havia flores que se julgavam suficientemente protegidas, e por isso não tinham espinho algum; e havia uma flor, única, naquele imenso jardim, que nunca desabrochava em primavera alguma do ano.
Todas as flores daquele jardim desabrochavam a cada manhã para serem saldadas e para saldar o novo dia, mas aquela flor, tão delicada, tão tímida, permanecia fechada. Escondia-se entre tantas outras flores de tal forma como se quisesse passar despercebida. As flores ao seu redor, todas, sentiam-se atraídas por ela e mesmo sem ela nunca ter-se mostrado, julgavam-na a mais bela flor de todo o jardim. Mas ela, tímida, ruborizava, e se fechava ainda mais quando ouvia as conversas das outras flores. As flores viviam a insistir para que ela desabrochasse, para que apresentasse, para que presenteasse ao mundo toda a sua beleza. Mas ela, mesmo com toda a insistência, mantinha-se irredutível, fechada em sua timidez.
Pessoas, pássaros, o vento e o sol passavam, todas as manhãs, pelo jardim, com a esperança de verem o exato instante do desabrochar daquela flor, e ficavam horas a contemplá-la, e nada...
Um dia a fria brisa matutina soprou sobre jardim tão triste, contornando as flores, pois não ousaria tocá-las, contaminá-las com a sua tristeza, mas ela acabou tropeçando e batendo suavemente na flor. Seus dedos tocaram suavemente as pétalas, aquelas pétalas que ninguém nem nada havia ousado tocado. A flor, tocada, virou-se bruscamente, e a brisa, envergonhada, pediu desculpas, abaixou a cabeça e já estava para ir embora, quando a flor a chamou pelo nome. Quando a brisa se virou, olhou dentro dos olhos da flor e ambas ficaram em um silêncio que nada fala, mas que tudo se entende pelo olhar. A flor, então, segurando na mão da brisa, levou seus dedos às suas pétalas e foi afastando-as, uma a uma, num suave, belo e lento desabrochar. A brisa, estática, não acreditava no que via diante de seus olhos, não conseguia acreditar na beleza que tinha, que se mostrava por inteiro só para ela. Mas da mesma forma que a flor desabrochou, ela, tímida, voltou a se encolher, a se cobrir com suas pétalas, agora inteiramente rubras. Pediu, com um gesto, que a brisa não contasse o que vira, pois, em sua timidez, jamais conseguiria se mostrar daquela maneira, despida, tão bela, para que tantos olhos a vissem. Pediu, no entanto, que a brisa viesse todas as manhãs visita-la, soprá-la suavemente ao amanhecer, para que ela, justo naquele instante, no exato instante do nascer do sol, pudesse desabrochar por um curto instante e fazer e ser a sua própria primavera naquela hora do dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário