Naquele chão duro de terra estéril, nasceu um jardim,
surgido como um oásis no coração daquela selva de pedras, cercado por imensos
edifícios. Nele as mais belas flores nasceram cultivadas pelos ventos e pelas
chuvas, aquecidas pelo sol de cada amanhecer, sendo brindadas, todas as manhãs,
pelos cantos dos pássaros.
Naquele
jardim havia flores de todas as cores, de todos os mais doces aromas, de todas
as mais delicadas e estonteantes belezas. Ali não havia verão, inverno ou
outono: ali, naquele jardim, era uma eterna primavera. Pássaros vinham de tão
longe só para, em voos rasantes, passarem as pontas de suas asas nas delicadas
pétalas das flores ou para pousar entre elas. Ventos, soprados de tão longe,
vinham ali para carregar em seus braços os aromas e leva-los aos quatro cantos
do mundo. E as pessoas vinham para terem seus sentidos invadidos pela primavera
que desabrochava eternamente ali: sentiam seu doce aroma, sentiam o toque suave
das pétalas das flores, ouviam o som silencioso das flores a desabrochar e a
algaravia do canto dos pássaros, viam as multicores da beleza da primavera, e
podiam sentir o gosto, em sua alma, da paz que os invadia quando estavam ali.
As flores,
todas, tinham vida, eram todas diferentes, mas cada uma bela em sua beleza
ímpar. Havia flores de beleza tão delicada quanto um fino cristal, que até o
vento tinha medo de tocá-las, de tão delicadas e frágeis se mostravam; havia
flores fortes, de beleza estonteante; havia flores pequenas, tão diminutas que,
com medo de serem pisoteadas, se escondiam à sombra de flores maiores; havia
flores grandes; havia flores que precisavam de proteção, e que por isso possuíam
espinho; havia flores que se julgavam suficientemente protegidas, e por isso
não tinham espinho algum; e havia uma flor, única, naquele imenso jardim, que
nunca desabrochava em primavera alguma do ano.
Todas as flores daquele jardim
desabrochavam a cada manhã para serem saldadas e para saldar o novo dia, mas
aquela flor, tão delicada, tão tímida, permanecia fechada. Escondia-se entre
tantas outras flores de tal forma como se quisesse passar despercebida. As flores
ao seu redor, todas, sentiam-se atraídas por ela e mesmo sem ela nunca ter-se
mostrado, julgavam-na a mais bela flor de todo o jardim. Mas ela, tímida,
ruborizava, e se fechava ainda mais quando ouvia as conversas das outras
flores. As flores viviam a insistir para que ela desabrochasse, para que
apresentasse, para que presenteasse ao mundo toda a sua beleza. Mas ela, mesmo
com toda a insistência, mantinha-se irredutível, fechada em sua timidez.
Pessoas, pássaros, o vento e o
sol passavam, todas as manhãs, pelo jardim, com a esperança de verem o exato
instante do desabrochar daquela flor, e ficavam horas a contemplá-la, e nada...
Um dia a fria brisa matutina
soprou sobre jardim tão triste, contornando as flores, pois não ousaria
tocá-las, contaminá-las com a sua tristeza, mas ela acabou tropeçando e batendo
suavemente na flor. Seus dedos tocaram suavemente as pétalas, aquelas pétalas
que ninguém nem nada havia ousado tocado. A flor, tocada, virou-se bruscamente,
e a brisa, envergonhada, pediu desculpas, abaixou a cabeça e já estava para ir
embora, quando a flor a chamou pelo nome. Quando a brisa se virou, olhou dentro
dos olhos da flor e ambas ficaram em um silêncio que nada fala, mas que tudo se
entende pelo olhar. A flor, então, segurando na mão da brisa, levou seus dedos
às suas pétalas e foi afastando-as, uma a uma, num suave, belo e lento
desabrochar. A brisa, estática, não acreditava no que via diante de seus olhos,
não conseguia acreditar na beleza que tinha, que se mostrava por inteiro só
para ela. Mas da mesma forma que a flor desabrochou, ela, tímida, voltou a se
encolher, a se cobrir com suas pétalas, agora inteiramente rubras. Pediu, com
um gesto, que a brisa não contasse o que vira, pois, em sua timidez, jamais
conseguiria se mostrar daquela maneira, despida, tão bela, para que tantos
olhos a vissem. Pediu, no entanto, que a brisa viesse todas as manhãs visita-la,
soprá-la suavemente ao amanhecer, para que ela, justo naquele instante, no
exato instante do nascer do sol, pudesse desabrochar por um curto instante e
fazer e ser a sua própria primavera naquela hora do dia.
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