A música tocava tão longe, trazida pelo vento, mas, mesmo
assim, ele conseguia ouvi-la, distinguir suas notas e dançar ao seu harmonioso
e meloso só. Dançava só, pois as outras pessoas não ouviam a música, e o
julgavam louco por agir daquela maneira. As pessoas tinham medo dele, de sua
loucura quando dançava e, com as mãos, reger a orquestra que só ele ouvia
tocar.
Sem saber o que fazer para
tirá-lo daquele devaneio, resolveram interná-lo, trancá-lo dentro de um quarto
acolchoado, isolado de tudo e de todos, onde não pudesse escutar música alguma
e sua dança não incomodasse ninguém. Mas no quarto onde fora confinado, havia
uma janela por onde entrava uma tênue luz e vento; e o vento trazia em suas
mãos, segurando com tanta delicadeza, a música, que embora mais distante,
agora, ele ainda podia ouvir, e para isso bastava fechar os olhos e se
concentrar. A música não parava de tocar, nunca, mas era só a noite, quando
tudo mais ficava em silêncio ao seu redor, que ele a escutava mais alto, que
fechava seus olhos e se deixava conduzir por suas notas. Levantava-se, abria os
braços e se deixava levar, dançando, girando em todos os cantos de seu catre.
De Louco-Mais-Que-Louco ele foi
chamado, e tratado como tal. Pegaram-no e amarraram suas pernas e braços para
que não mais pudesse se mover e dançar e o jogaram num outro quarto, menor onde
a luz entrava apenas por uma fresta quando o sol nascia e onde o vento era só
um sopro que mal se notava. Ali ele ficou por dias a fio, completamente imóvel,
no mais profundo e completo silêncio, com todas aquelas amarras lhe prendendo o
corpo. Mas o vento, inclemente mas paciente, conseguiu, com seus dedos, aumentar
a brecha por onde entrava, soprando cada vez mais, dia a dia, com mais força,
até que da brecha se fez um espaço onde podia entrar e circular livremente,
levando ao homem a música, convidando-o para uma dança. Ele, cujos músculos estavam
ficando rígidos, com uma força sobre-humana, levantou-se e libertou mais do que
seu corpo, mas sua alma daquelas amarras, e dançou livremente, girando em
círculos em torno de si mesmo.
Loucos, mais loucos do que aquele
homem, não sabendo mais o que fazer nem como agir com relação àquela homem,
resolveram tomar atitudes drásticas, experimentando tratamentos extremos a fim
de libertá-lo daquela loucura. Além de prenderam com correntes seus braços e
pernas, aprisionaram sua alma. Levaram-no para uma sala isolada, escura,
insalubre, no alto de uma torre, e ali o trataram para libertá-lo daquele mal
que o assolava. Dia após dia, pessoas e mais pessoas experimentavam diversos
métodos de cura, até que o homem realmente ficou fraco a ponto de não conseguir
mexer um único dedo. Quando chegou a esse ponto, julgaram-no curado e
proclamaram aos quatro cantos do mundo que haviam descoberto a cura para a mais
extrema e perigosa das loucuras.
Com a loucura tendo sido curado e
o homem minguando, com a alma lhe fugindo por entre os dedos, tentaram descobrir
qual era a música que ele ouvia, que o vento lhe trazia, e qual era aquela
dança que dançava, com passos tão aleatórios, difíceis de se entender. Tal foi
a surpresa, quando o homem, tão fraco, com o pouco de sopro que ainda lhe
restava de vida, lhe disse, num sussurro:
- Eu escutava apenas a música da
natureza e dançava abraçado à vida – falou ele e fechou os olhos, dando um
último suspiro.
Quando tudo o mais ficou em
silêncio, as pessoas que estavam ao seu redor começaram a ouvir, de longe,
trazida pelo vento, um som, que parecia indistinguível de tantos outros sons a
princípio, mas que pouco a pouco foi se intensificando e se tornou uma música. Embaladas,
elas deixaram se levar, ouvindo a música e começaram a dançar, umas com as
outras, e umas sozinhas, aquele que era o último acorde da música tocada
especialmente para aquele homem que fora o primeiro a ouvir e a dançar aquela
música e ousou dançar tendo como par a vida.
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