Após tantos anos, os dois voltam a se encontrar, ele em seu
eito de morte. Estava com os olhos fechados, dormindo, com o peito mal subindo
e descendo quando respirava. Estava fraco, cansado, e aquela agonia durava, já,
anos. O primeiro dia de sua morte havia sido naquela fatídica noite em que os
dois se encontraram pela última vez, e agora ela voltava, mas nada podia fazer.
Ele, mesmo
dormindo, mesmo tão fraco, em meio a seu sonho, sentiu aquele cheiro que nunca
havia esquecido e abriu lentamente os olhos. Demorou longos minutos até
acostumar a visão naquele lusco-fusco de fim de tarde e mais ainda a acreditar
em seus olhos. Seu coração, tão debilitado, ameaçou parar de bater em seu peito
quando a reconheceu. Ela continuava a mesma, com seus lindos olhos, com seu
sorriso, com sua jovialidade. Seus olhos se encontraram. Não falaram uma única
palavra a princípio, pois não havia palavra que expressasse a emoção daquele
reencontro.
- Você? –
perguntou ele, com sua voz cansada.
Em resposta,
ela apenas sorriu. Seu sorriso era lindo com o desabrochar de uma flor na
primeira manhã de uma primavera.
Ela segurou
a mão dele, e ele lembrou da primeira e única vez em que suas mãos tinham se
encontrado, de como segurara delicadamente a dela, de como a mão dela foi
escapando da dele, escorregando lentamente, e ele sem poder fazer nada para
segurá-la, por mais que quisesse.
Uma lágrima
brotou no canto do olho dele, tal como brotara, há tantos anos e com a voz
mesmo embargada, ainda conseguiu perguntar a ela:
- Por que
agora, após tanto tempo? Por que você me procurou?
Ela olhou
para o alto, desviando seus olhos dos dele, e seu sorriso desapareceu enquanto
pensava no que poderia dizer. No entanto, nada que dissesse poderia fazer o
tempo voltar, nada que fizesse poderia redimi-la, mas precisava falar-lhe algo,
tentar se desculpar ao menos.
- Eu não
sei o que falar... – iniciou.
- Não há
nada para falar – ele lhe cortou.
- Mas eu
preciso...
- Nada que
você fale vai fazer o tempo voltar atrás – ele usava as últimas forças que
tinha para falar. Sua forma de falar era dura, repleta daquela raiva contida ao
longo dos anos.
Ela então
se levantou e começou a andar de um lado pro outro pelo quarto, parando, vez
por outra, para observar objetos de decoração. Viu uma flor, idêntica a que ele
lhe dera tantos anos antes, quando tudo aquilo começara, mas já murcha. Quando ela
a tocou, a última pétala que ainda parecia resistir, se soltou, sendo levada
pelo vento. Viu outras pequenas coisas que lembravam um passado do qual ela
havia esquecido, mas que, naquele momento, ela se lembrou.
- Por quê? Responda-me
apenas por que – pediu ele, cada vez mais fraco. Sua voz soava tão baixa e
fraca quanto um sussurro.
Ela então
voltou seus olhos para ele. Era difícil encará-lo novamente. Após tanto tempo
era difícil reencontrá-lo, ainda mais naquele lugar, tão povoado de memórias,
naquela circunstância. Sentou-se na cadeira ao lado da cama e segurou a mão
dele, mas ele a retirou tão logo sentiu seu toque. Ela abaixou os olhos,
envergonhada. Agora sabia, sentia, que era ela a culpada dele estar ali,
naquele leito. Continuou calada, pois não havia o que dizer.
Ele,
impassível, continuava a olhá-la fixamente, a procurar seu olhar, mas ela
fugia, como se tivesse medo de olhar em seus olhos.
- Por quê? –
perguntou ele, com a voz ainda mais frágil. Suas forças o abandonavam
lentamente, sua vida escoava por entre seus dedos sem que ele pudesse
segurá-la, prolonga-la por mais tempo.
Ela, sem
saber o que fazer, sem ter o que falar, continuou em silêncio, deixando que ele
falasse, que desse livre vazão a tudo aquilo que tinha ficado preso ao longo de
todos aqueles anos.
- Tudo o
que eu pedi, naquela noite, foi um beijo. Tudo o que eu queria, para me dar uma
esperança, para me fazer viver, para me dar um sentido à vida, era um único
beijo. Podia até ser um beijo sem paixão. Você poderia até ter me enganado,
falando palavras doces ao meu ouvido, dizer que sentia algo que não sentia, mas
você não podia, não tinha o direito de ter me negado aquele beijo. Quando você
me negou aquele beijo, que desviou o olhar do meu, que retirou sua mão da
minha, eu senti meu coração parar. Aquele foi o primeiro dia da minha morte e
hoje está sendo meu último dia de vida.
Calou-se subitamente, deixando
aquelas palavras ecoando nas paredes da alma dela. Respirava devagar,
recolhendo as últimas forças que tinha. Depois continuou:
- Senti,
quando você me negou aquele beijo, minha alma me abandonar, deixando-me tão só,
naquele frio, sem qualquer fio de esperança. Depois você ainda sorriu, um sorriso
sem qualquer graça, um sorriso forçado. Ali, sem palavras, nos despedimos. Quando
você foi embora, que me deu as costas, algo meu se foi – talvez tenha sido um
fio de uma última esperança na vida –, algo dentro de mim se despedaçou, e eu
não resisti. Aquela decepção, aquela dor súbita foi demais para mim.
Ela ainda
tentou falar, mas ele a impediu com um gesto. Ainda não tinha terminado.
- Você,
hoje, faz ideia do que aquele beijo que você não me deu significava para mim?
Ela ainda
tentou falar, pronunciou algumas palavras imprecisas, mas ele não escutava
mais. Ela se levantou, chorando e aproximou seus lábios dos dele e o beijou
suave e ternamente, mas ele não correspondeu aquele beijo pelo que tanto havia
ansiado. Aquele beijo veio tarde demais, e não podia mais salvá-lo.
Sensacional!
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