Saudade.
Eu tenho saudade da vida que vivi, do menino que fui, das brincadeiras de
infância e dos bons e velhos amigos. Tenho saudade do tempo em que andava
descalço na rua, que jogava bola num campinho perto de casa e, no final de
tarde, subia numa árvore para descansar enquanto via o sol se pôr ao longe. Tenho
saudade, também, das noites escuras em que sempre um irmão mais velho de um dos
meus amigos costumava nos reunir ao seu redor para contar histórias que nos
deixavam a madrugada inteira acordados, com medo de fantasmas, assombrações e
criaturas sobrenaturais que apareceriam caso pregássemos os olhos para dormir.
Eu tenho muita saudade desse tempo,
em que não tinha preocupações, em que ninguém se preocupava com felicidade,
pois todos éramos simplesmente felizes.
Eu tenho saudade dessas e de muitas
outras coisas, da infância e também da adolescência, de cada momento vivido,
passado, que não volta nunca mais, infelizmente. Sinto um prazer especial ao
relembrar do dia em que, pela primeira vez, pude jogar com os mais velhos, a
maioria irmãos mais velhos de meus amigos, em que fui aceito num time só e
unicamente por que era o dono da bola, mas, óbvio, que não liguei para isso,
pois o que importava, para mim, era o momento, foi o prazer de, pela primeira
vez, fazer parte daquele time. Aquele foi como um “ritual de iniciação”, em que
me vi, pela primeira vez, não como um menino, que sempre fui e que, vez por outra,
ainda costumo ser, mas sim como adolescente, quase homem.
Depois daquele dia, tudo aconteceu
muito rápido. Passei a não ter mais medo das histórias de assombração que ainda
um ou outro amigo ainda contava, passei a não mais subir em árvores e a dormir
cada vez mais tarde.
Adolescência é a fase das
descobertas em nossa vida. Descobri o que significa quando o coração bate acelerado
por uma garota; descobri o que é sentir a boca seca e a vergonha que é faltarem
palavras quando se é apresentado a ela; descobri o que é passar noites em claro
pensando nela, e a chegar, mesmo, a sentir saudade dos tempos em que noites em
claro significava medo, por conta das histórias contadas em outros tempos. Adolescência
é fase de dor. Dor da primeira grande decepção, quando se vê a garota por quem
se está apaixonado, mas que nunca se teve oportunidade / coragem de se
declarar, passar de mãos dadas, na frente de sua casa (e ainda olhar para você),
com um outro alguém; dor provocada pelas mudanças que ocorrem na alma.
Tenho saudade, guardo vívida na
memória, o gosto de meu primeiro beijo, que ganhei numa brincadeira de “verdade
ou consequência”. Não foi um beijo cheio de paixão, como eu imaginava que seria
meu primeiro beijo, mas, mesmo assim, aquele primeiro beijo significou muito
para mim, pois marcou uma nova passagem, um novo momento em minha vida. Ali, em
frente à minha casa, naquela noite, naquele momento, eu me dei conta de que
dava, de uma vez por todas, um passo em direção a fase adulta.
Tenho guardado vívido na memória o
dia em que me mudei de casa, indo morar num bairro distante, estranho, longo
dos amigos, das árvores, das coisas tão minhas conhecidas. Foi duro, esse
momento, de minha nova vida, que superei me apegando a várias coisas para não
ter que pensar no que tinha deixado para trás. Foi duro ter que segurar as
lágrimas de saudade de tudo que parecia tão longe. Entrava, ali, num novo
momento, numa nova fase de minha vida em que chamo de “amadurecimento”.
Aprendi a amadurecer sozinho, pois
eu me sentia (e estava realmente) sozinho.
Foi duro, foi difícil, mas eu superei, eu aprendi, eu cresci, muito embora se
tivesse ao lado dos amigos, naquela época, tudo teria sido mais fácil. Foi duro
aprender tudo sozinho e, na conquista, não ter com quem compartilhar o momento.
Tinha (e tenho), sim, óbvio, família, sempre ao meu lado, mas a gente nem
sempre se sente tão a vontade ao falar de certas coisas, a compartilhar certos
momentos, com a família.
As fases da vida, a partir dai,
começaram a se suceder umas as outras de forma muito rápida, e eu mal me dava
conta da passagem entre uma e outra. Posso (ouso) dizer que a partir dai a vida
não tem mais fases, mas passa a ser simplesmente
vida.
Saudade. Eu tenho
saudade da minha antiga vida, dos tempos em que eu podia aproveitar as fases e vive-las
intensamente. Saudades dos tempos de menino, dos tempos em que não era mais
menino, mas ainda não era adulto, dos tempos em que era adolescente, dos tempos
em que começava a entrar na fase adulta, dos tempos em que era quase-homem, dos
tempos, dos tempos, dos tempos... Eu simplesmente sinto saudades e hoje,
olhando para trás, vejo-me menino, mais-que-menino, adolescente e quase-adulto,
fases da vida que passaram, mas pessoas, momentos, que eu nunca vou deixar de
ser.
SER MOMENTO é tudo na vida.
ResponderExcluir