Todos em casa dormiam, mas ele estava acordado. Há meses
vinha pensando naquilo, mas não sabia como fazê-lo nem qual o momento certo. Agora
estava no mais absoluto silêncio, ouvindo os sons dos sonhos de cada pessoa da
sua família, a respiração alta acelerada de um, o ronco de outro e o silêncio
de sua mãe. Justamente sua mãe seria a pessoa que mais sentiria a sua falta. Iria
sofrer no início, vendo-o em todos os cantos, sem saber para onde ele tinha ido,
até que pouco a pouco se acostumaria com a sua ausência, mas jamais iria
esquecê-lo, pois as mães nunca esquecem. Seu pai, perante todos, iria se
mostrar forte e quem sabe até passaria a admirá-lo por seu ato e falar nisso
para os amigos, mas no fundo também estaria despedaçado. Suas irmãs, uma
sentiria a sua falta, mas a outra ficaria até feliz, pois poderia insistir com
sua mãe para ficar com o quarto dele, já que ele não estava mais ali.
Ninguém iria
saber de seu paradeiro, ninguém sequer sabia que ele nutria aquele desejo de ir
embora, pois ele jamais o confidenciou a ninguém, nem mesmo ao melhor amigo ou ao
espelho. Nenhuma palavra à ninguém. Sofreu por longas semanas e meses com
aquilo guardado no peito, com aquele plano impensado. Sentia-se inseguro por
muitas vezes até, mas ora parecia tão determinado... Mas agora sentia, sabia
que havia chegado a hora. Daria o primeiro passo sozinho ou correria para os
braços dos pais. Pensou até em bater à porta do quarto deles e pediria para se
deitar e dormir entre eles, como fazia quando era criança. Agora se sentia tão
indefeso e confuso quanto uma criança, precisando de um amparo. Mas agora ele
não tinha em quem se amparar, se realmente fosse fazer aquilo, dar aquele tão
longo e difícil passo.
Aquele silêncio
opressivo àquela hora da noite lhe deixava em dúvida. Estava, já, imóvel,
sentado à mesa, há horas. Seus olhos pesados, queriam se fechar; sentia um
enorme peso sobre seus ombros, que faziam com que ele se curvasse. Talvez fosse
aquele o peso da responsabilidade, da tão difícil decisão que tinha de tomar
naquele momento: voltar para seu quarto e dormir, como se nada tivesse
acontecido, e passar o resto da vida se sentindo um fracassado, um covarde, ou
dar aquele passo rumo ao imprevisível.
Levantou-se,
sentindo todos os músculos de seu corpo doerem e começou a andar de um lado
para o outro. Foi até o quarto de suas irmãs e as viu dormindo, cada uma em sua
cama. Se fosse embora sentiria falta delas. Quem seria o “irmão mais velho” se
ele fosse embora? Fechou delicadamente a porta do quarto, para não acordá-las. Foi
até o quarto dos pais e, da porta, os viu dormindo, cada um de um lado da cama.
Uma lágrima dolorosa e silenciosa escapou de seu olho e escorreu por sua face
quando os viu.
Voltou à
mesa e se sentou, derramou lágrimas silenciosas e dolorosas. Ficou longos
minutos com a respiração entrecortada, tendo cuidado para não fazer qualquer
barulho que pudesse acordar alguém. Olhou para a sua mochila no chão, à porta
do seu quarto, olhou para a porta de casa, fechada, mas que ele poderia abrir
com tanta facilidade. Distava apenas alguns poucos metros daquela porta, mas,
para ele, naquele momento, parecia uma distancia tão longa. Se fosse embora,
talvez não pudesse mais voltar; se ficasse, talvez nunca mais fosse embora,
ficando preso para sempre. Eram dúvidas que lhe atormentavam, que lhe doíam no
peito e faziam sua cabeça explodir.
Tinha uma
folha de papel em branco à sua frente e uma caneta na mão. Pensava no que
poderia escrever, no que poderia dizer em tão curto espaço. Que palavras diria?
Pediria desculpas? Diria que um dia iria voltar? Que sentiria falta de todos? Como
expressar tanto, falar tanto e com quem palavras num momento como aquele? Nada que
escrevesse, numa simples carta, seria suficiente para expressar tudo o que
sentia, tudo o que teria para dizer.
Suas pernas
doíam, seus ombros pesavam, mas ele se levantou. Andou de um lado para outro,
sofrendo com as dúvidas e incertezas. Foi até a porta, girou a chave, mas não
girou a maçaneta. Ela lhe parecia muito dura e lhe queimava a mão.
Olhou para
trás uma última vez e viu a casa que tanto conhecia, onde podia andar com os
olhos fechados sem esbarrar em nada. Sentiria falta da casa, da mãe, do pai,
das irmãs e de cada cantinho que lhe trazia lembranças.
Abriu a
porta. Agora era só uma questão de um passo; de um único tão longo e difícil
passo, um passo para frente, e nada mais, mas se o desse, não poderia mais
voltar atrás. Olhou a porta aberta à sua frente e tudo o que estava deixando para
trás. Prendeu a respiração, mergulhando, agora, no desconhecido, no incerto, e
deu aquele derradeiro passo. Sentiu um alívio e opressão no peito ao fazer
aquilo. Agora não podia voltar atrás, teria que ser sempre em frente.
Assim que o amanhecesse, iriam
procurar por ele por todos os cantos da casa, iriam dar mil e um telefonemas,
para todos os parentes e seus conhecidos, a fim de saberem algo sobre o seu
paradeiro, mas ninguém saberia de nada. A essa altura, ele já estaria longe,
onde, nem ele mesmo sabia. A única coisa de concreta que havia deixado para
trás, como uma lembrança, foi uma folha de papel em branco e uma caneta.
Muito bom o texto. Percebo que o personagem parece deixar traços de sua vida e ao mesmo tempo se identifica tanto com alguns momentos nossos.
ResponderExcluirVisita meu blog: www.thaines-asincera.blogspot.com
Até mais!