Sempre considerei “brincar de lembrar” uma espécie de
pescaria. A gente joga uma isca qualquer, querendo pegar um grande peixe, e
espera pacientemente. A isca para pegar uma boa memória tem que ser bem
escolhida, podendo ser uma música, um cheiro, um sabor ou simplesmente um
silêncio, algo que nos remeta a determinada memória que queremos fisgar, e
ficamos ali, pacientemente (se bem que nem sempre tão pacientemente assim!),
parados, pensativos, reflexivos, por vezes ficamos agitados, andando de um lado
para o outro, querendo, a todo custo, atrair a lembrança. Mas não adiantar
obrigar um peixe a morder a isca para ser fisgado por um anzol, assim como não
adiantar obrigar uma lembrança a nos tomar. A lembrança, tal qual o peixe,
chega a nós quando quer, do jeito que quer e morde a isca se quiser.
Às vezes o
mar não está para peixe, assim como nossa cabeça não está para lembrar, por
mais que nos esforcemos, que coloquemos iguarias finas, elixires divinos para
os peixe e estimulemos de mil e uma maneiras diferenças a memória, nada morderá
a nossa isca, e teremos que nos recolher frustrados, sem termos conseguido
sequer fisgar uma memoriazinha ou lembrancinha. Mas por vezes, basta jogar uma
isca que mil e um peixes querem mordê-la, basta ficar em silêncio para ser
tomado de supetão e se ver envolvido por milhares de lembranças, tantas que a
gente não consegue se segurar e deliciar apenas uma.
Quando a
gente joga uma isca, não sabe o que vai pegar. Temos a esperança de que
pegaremos um peixe grande, belo, que dará um grande almoço ou jantar, do qual
nos orgulharemos e pelo qual seremos lembrados sempre que alguém, numa conversa
qualquer, falar a palavra pescaria. Mas
nem sempre, em nossa pescaria, pegamos aquilo que almejamos, podendo morder a
isca um peixe feio, mirrado, que somos obrigados a jogá-lo de volta na água e
tentar a sorte novamente em seguida, e por vezes calha até do mesmo peixe voltar
a morder a isca, e nós novamente o soltamos; e há ocasiões em que pegamos um
peixe até bonito, mas que, cozido, tem um sabor... Com as lembranças acontece a
mesma coisa: desejamos fisgar uma lembrança doce, que nos embale em seus
braços, que nos faça sorrir “sozinhos”, que nos coloque para dormir e que povoe
nossos sonhos, no entanto, há lembranças que nos acometem que não são tão doces
assim, que não nos fazem sorrir e que tem o gosto, por vezes, amargo, que não
nos despertar qualquer tipo de saudade. Mas lembrar e pescar é assim mesmo: não
só belos, grande e saborosos peixes vivem no mar ou rio, assim como não só de
doces e agradáveis lembranças estão repletas a nossa vida.
Mas apesar
de todos os riscos, de ser mesmo uma verdadeira arte (e nem todo mundo é
artista), de se exigir muita paciência e perseverança, vale a pena jogar uma
isca e esperar pacientemente que algum peixe-lembrança a morda, para que
possamos sentir a pressão da linha, com ele querendo fugir, mas que, agora que
está preso, o faremos vir a tona, para apreciá-lo, senti-lo vivo em nossas mãos.
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