Uma tempestade se aproxima. Posso senti-la no ar, posso
sentir o seu cheiro de umidade. Posso vê-la, pelos pássaros que se recolhem,
buscando um abrigo. Posso percebê-las, pelos insetos que entram pelas janelas e
ficam em torno da lâmpada acesa de minha sala. Mas essa não é uma tempestade
qualquer. Ela se move lentamente, anunciando-se sem se anunciar. Mostrando-se,
ao longe, sem ousar se aproximar. É como se ela quisesse se impor pelo medo,
sem precisar mostrar sua força. É como se ela quisesse se fazer, por vezes,
despercebida, fazer com que a esqueçamos, para nos pegar de supetão,
desprevenidos.
Dessa vez eu estou preparado, em
guarda, abrigado, seguro, esperando-a para o embate. Não irei relaxar um único
instante. Eu a encaro, medindo forças. Sei que não posso com ela, que jamais
poderei vencê-la, que não posso afastá-la, empurrá-la com minhas próprias mãos,
sozinho, mas sei que devo enfrentá-la. Já fugi de muitas tempestades, já me
esconde de inúmeras, já me senti impotente diante de várias, e cansei de fugir,
de me esconder e de me sentir impotente, fraco e fragilizado, e agora encaro
essa tempestade de frente, sem medo, sem receios, sem fraquezas.
Eu a vejo dar um passo após o
outro, se aproximando, me estudando, vendo qual será, dessa vez, a minha
reação. Ela olha em meus olhos e não vê o que viu das outras vezes: medo. Dessa
vez me enfrentará sem medo. Tem plena consciência de sua força, de que nada
pode detê-la, mas a vejo indecisa sobre o momento de desabar sobre minha cabeça.
Se ela fosse dotada de sentimentos humanos, estaria insegura nesse momento,
olharia para trás em busca de alguma ajuda, de algum apoio no qual pudesse
buscar forças para me enfrentar, mas ela não tem sentimentos e eu estou livre
dos meus nesse momento. Seremos, dessa vez, só eu e ela.
Já é noite. Suas nuvens
esconderam as estrelas e a lua, fazendo com que eu me sinta ainda mais só. Mas
não posso demonstrar fraquezas, não posso deixar que ela sinta qualquer tipo de
cheiro de medo no ar. Já estive só em outros momentos, assim como me encontro
agora e, no fim das contas, tudo acabou bem.
Ela dá o seu primeiro passo, ouço
o ribombar dos trovões. Sinto bater em meu rosto o sopro do vento frio e
cortante, mas deixo que ele me acaricie. Vejo sua raiva expressa nos raios que
deixa cair sobre o oceano.
Estou surpreendentemente calmo no
momento em que sinto as pesadas gotas d’água que ela deixa cair sobre minha
cabeça. Abro a porta e saio. Fico a esperando do lado de fora, com os braços
abertos, pronto para que ela desabe sobre minha cabeça.
Ao me ver daquela forma, tão
desprovido de medo, ela sopra um vento forte e frio e desaba, com toda a sua
força, sobre mim. Não consegue, mesmo com toda a sua força, me abalar.
Cai a chuva fria e pesada,
cortante como o vidro, sopra o vento frio, forte, ameaçando levar tudo embora,
caem os raios, ribombam os trovões e o céu parece que vai desabar sobre a minha
cabeça. Sinto um leve estremecimento, da base de minha coluna se estendendo até
minha nuca. Fecho os olhos e deixo-me apenas ser banhado pela chuva e
acariciado pelo vento. Ouço, sim, os trovões e vejo, mesmo com os olhos
fechados, os clarões dos raios e relâmpagos, mas estes não mais me assustam.
Hoje não sou mais como uma
criança que se esconde embaixo dos lençóis ou corre para a cama dos pais em
noites de tempestade; não sou mais o adolescente que teme a aproximação de um
mal tempo, que se aflige com uma tempestade em sua vida, que se sente inseguro
perante momentos de tempestade, quando o céu ameaça desabar. Hoje sou um homem
que muito viveu, que aprendeu a enfrentar as tempestade, que as encara, que não
as teme.
No fim das contas, as tempestades
são o que simplesmente são: apenas tempestades. E esta não é diferente. Da mesma
forma que se formou, que chegou, ela começa a perder a força.
A chuva que caia com tanta força,
começa a ficar mais fraca, o vento, tão forte, passa a não ser mais do que uma
simples brisa, os trovões se calam, os relâmpagos nada mais iluminam e os raios
não mais cortam o céu.
Ainda mantenho os olhos fechados,
mas sinto a tempestade perder sua força, se retrair e começar a ir embora.
Resisti a essa tempestade, encontrei
forças dentro de mim que eu jamais imaginava possuir para enfrentá-la, não tive
medo de seu poder, pois ele reside só e unicamente em nossa fraqueza.
Só quando sinto no meu rosto o
toque do primeiro raio de sol, que abro meus olhos. A noite foi embora, junto
com a tempestade, e vejo, agora, um céu que se descortina de um azul esplendoroso
e, ao longe, surgir um arco-íris, saudando um novo dia que nasce após tão longa
noite de tempestade. Ao meu redor a vida renasce com todos os seus brilhos,
cores e sonhos, na umidade, entre as poças d’água que ficaram após a chuva.
A vida renasce – ela sempre
renasce – mesmo após tão longa noite, após tão forte tempestade.
Eu renasço – eu sempre renasço – tal
como uma fênix, mesmo estando encharcado, com frio, mas realizado, por ter
enfrentado, vivido e vencido a tempestade que desabou sobre mim.
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