domingo, 12 de fevereiro de 2012

Enfrentando a tempestade

Uma tempestade se aproxima. Posso senti-la no ar, posso sentir o seu cheiro de umidade. Posso vê-la, pelos pássaros que se recolhem, buscando um abrigo. Posso percebê-las, pelos insetos que entram pelas janelas e ficam em torno da lâmpada acesa de minha sala. Mas essa não é uma tempestade qualquer. Ela se move lentamente, anunciando-se sem se anunciar. Mostrando-se, ao longe, sem ousar se aproximar. É como se ela quisesse se impor pelo medo, sem precisar mostrar sua força. É como se ela quisesse se fazer, por vezes, despercebida, fazer com que a esqueçamos, para nos pegar de supetão, desprevenidos.
Dessa vez eu estou preparado, em guarda, abrigado, seguro, esperando-a para o embate. Não irei relaxar um único instante. Eu a encaro, medindo forças. Sei que não posso com ela, que jamais poderei vencê-la, que não posso afastá-la, empurrá-la com minhas próprias mãos, sozinho, mas sei que devo enfrentá-la. Já fugi de muitas tempestades, já me esconde de inúmeras, já me senti impotente diante de várias, e cansei de fugir, de me esconder e de me sentir impotente, fraco e fragilizado, e agora encaro essa tempestade de frente, sem medo, sem receios, sem fraquezas.
Eu a vejo dar um passo após o outro, se aproximando, me estudando, vendo qual será, dessa vez, a minha reação. Ela olha em meus olhos e não vê o que viu das outras vezes: medo. Dessa vez me enfrentará sem medo. Tem plena consciência de sua força, de que nada pode detê-la, mas a vejo indecisa sobre o momento de desabar sobre minha cabeça. Se ela fosse dotada de sentimentos humanos, estaria insegura nesse momento, olharia para trás em busca de alguma ajuda, de algum apoio no qual pudesse buscar forças para me enfrentar, mas ela não tem sentimentos e eu estou livre dos meus nesse momento. Seremos, dessa vez, só eu e ela.
Já é noite. Suas nuvens esconderam as estrelas e a lua, fazendo com que eu me sinta ainda mais só. Mas não posso demonstrar fraquezas, não posso deixar que ela sinta qualquer tipo de cheiro de medo no ar. Já estive só em outros momentos, assim como me encontro agora e, no fim das contas, tudo acabou bem.
Ela dá o seu primeiro passo, ouço o ribombar dos trovões. Sinto bater em meu rosto o sopro do vento frio e cortante, mas deixo que ele me acaricie. Vejo sua raiva expressa nos raios que deixa cair sobre o oceano.
Estou surpreendentemente calmo no momento em que sinto as pesadas gotas d’água que ela deixa cair sobre minha cabeça. Abro a porta e saio. Fico a esperando do lado de fora, com os braços abertos, pronto para que ela desabe sobre minha cabeça.
Ao me ver daquela forma, tão desprovido de medo, ela sopra um vento forte e frio e desaba, com toda a sua força, sobre mim. Não consegue, mesmo com toda a sua força, me abalar.
Cai a chuva fria e pesada, cortante como o vidro, sopra o vento frio, forte, ameaçando levar tudo embora, caem os raios, ribombam os trovões e o céu parece que vai desabar sobre a minha cabeça. Sinto um leve estremecimento, da base de minha coluna se estendendo até minha nuca. Fecho os olhos e deixo-me apenas ser banhado pela chuva e acariciado pelo vento. Ouço, sim, os trovões e vejo, mesmo com os olhos fechados, os clarões dos raios e relâmpagos, mas estes não mais me assustam.
Hoje não sou mais como uma criança que se esconde embaixo dos lençóis ou corre para a cama dos pais em noites de tempestade; não sou mais o adolescente que teme a aproximação de um mal tempo, que se aflige com uma tempestade em sua vida, que se sente inseguro perante momentos de tempestade, quando o céu ameaça desabar. Hoje sou um homem que muito viveu, que aprendeu a enfrentar as tempestade, que as encara, que não as teme.
No fim das contas, as tempestades são o que simplesmente são: apenas tempestades. E esta não é diferente. Da mesma forma que se formou, que chegou, ela começa a perder a força.
A chuva que caia com tanta força, começa a ficar mais fraca, o vento, tão forte, passa a não ser mais do que uma simples brisa, os trovões se calam, os relâmpagos nada mais iluminam e os raios não mais cortam o céu.
Ainda mantenho os olhos fechados, mas sinto a tempestade perder sua força, se retrair e começar a ir embora.
Resisti a essa tempestade, encontrei forças dentro de mim que eu jamais imaginava possuir para enfrentá-la, não tive medo de seu poder, pois ele reside só e unicamente em nossa fraqueza.
Só quando sinto no meu rosto o toque do primeiro raio de sol, que abro meus olhos. A noite foi embora, junto com a tempestade, e vejo, agora, um céu que se descortina de um azul esplendoroso e, ao longe, surgir um arco-íris, saudando um novo dia que nasce após tão longa noite de tempestade. Ao meu redor a vida renasce com todos os seus brilhos, cores e sonhos, na umidade, entre as poças d’água que ficaram após a chuva.
A vida renasce – ela sempre renasce – mesmo após tão longa noite, após tão forte tempestade.
Eu renasço – eu sempre renasço – tal como uma fênix, mesmo estando encharcado, com frio, mas realizado, por ter enfrentado, vivido e vencido a tempestade que desabou sobre mim.

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