- Pai, mãe, eu sou um viciado. Eu
sou um chocólatra!
-
O quê? Chocólatra? Vem cá, meu filho. Senta aqui no colo de papai e me deixa te
dar um abraço.
-
Não, pai, não vou sentar no seu colo. Além de já ser bem grandinho, eu não
mereço colo. Vocês não entenderam? Eu sou um viciado!
-
O que há de errado nisso, filho? – perguntou a mãe, chegando perto do filho
para abraçá-lo, como se o parabenizasse.
-
Mãe, eu sou um viciado. Você não entende isso? Eu não consigo viver sem
chocolate. É mais forte do que eu. Eu já roubei o chocolate da bolsa de uma
amiga da escola e já até briguei com uma criança por conta de um Baton.
-
Mas filho, não podia ser diferente. Toda a nossa família é assim. O vício por
doces e por chocolate em especial está no nosso sangue, é genético. Eu li até
uma reportagem numa revista que há cientistas fazendo um mapeamento genético em
busca do gene do chocolate...
-
Mãe, isso é loucura. Esse vício não leva ninguém a nada. Eu deixo de comprar
coisas que preciso só para comprar chocolate, eu até já abri o meu cofre, que
você e o papai estavam juntando dinheiro para quando eu entrar na faculdade, só
para comprar chocolate, que comi escondido de todo mundo, no escuro, dentro do
banheiro, e não ofereci nenhum pedaço para ninguém, mãe. Você entende isso? Eu sou
um viciado.
-
Todos nós já fizemos isso alguma vez na vida, filho. Eu, por exemplo, não gosto
de dividir meu chocolate com ninguém: nem com seu pai. Costumo comer tudo
sozinha. Ah, meu filho, como eu me arrependo de, quando você era pequenininho,
quando ia para os aniversários, que recebia a sua lancheira, eu roubava os
chocolates e você nem percebia, só para satisfazer o meu vício.
-
Eu também não estou livre dos pecados provocados pelo vício, filho. Sua mãe
roubava, sim, seus chocolates quando você era criança. Eu, por meu lado, cometi
vários pecados capitais por conta do meu vício. Já pequei pela gula, de comer
tanto chocolate que fiquei passando mal; já peguei pela vaidade, me exibindo
por ser o único a possuir um chocolate de uma série especial; já pequei pela ira,
saindo no tapa com um colega do trabalho só porque ele mordeu meu chocolate; já
fui avaro, negando chocolate até a uma criança; já pequei até pela luxúria,
usando chocolate “na hora H”...
-
Pedro...
-
Desculpe, querida. Eu me empolguei um pouco.
-
O que estamos querendo dizer, meu filho, é que esse vício é mais forte do que
eu, do que você, e está em nosso sangue. Não há como fugir dele. Além do mais,
não faz mal a ninguém.
-
Faz mal sim, mãe. Minha taxa de glicose, na última vez em que fui ao médico,
deu quase o dobro. Eu estava numa margem de pré-diabético. Mas não é desse mal
que falo. Esse vício está me consumindo, mãe, e eu não consigo me segurar. Tenho
que comer chocolate todo dia, toda hora. Em casa, cansei de, em plena
madrugada, acordar com a boca seca, desejoso de comer nem que seja só um
tabletinho, e só consegui voltar a pegar no sono depois de satisfazer o meu
desejo. Na escola já menti para o professor, dizendo que precisava ir ao
banheiro, mas só para fugir, ir até a cantina para comprar um chocolate e
comê-lo escondido dentro de um box no banheiro.
-
Eu, em meu tempo de estudante, também fazia muito isso, filho.
-
Mas pai, você não vê a gravidade disso? Isso é um vício, pai e mãe! Eu sou
levado a mentir para conseguir chocolate. Até já roubei moedinhas de vocês só
para comprar chocolate. Semana passada eu vendi até umas figurinhas de um álbum
só para conseguir dinheiro para comprar chocolate! Isso já está passando dos
limites.
-
Você não precisava ter vendido suas figurinhas, filho. Era só ter nos pedido
dinheiro, que daríamos para você comprar seu chocolate.
-
Pedir dinheiro para vocês? Para compra chocolate? Pedir dinheiro para vocês
para manter meu vício? Não, pai, não, mãe. Eu não faria isso, nunca, com vocês.
Eu sou um viciado, e dei o primeiro passo, hoje, a fim de me curar desse vício,
ao confessá-lo para vocês.
Pai
e mãe viram que o filho estava falando muito sério, e que estava até um pouco
alterado. Resolveram adotar uma outra postura para ver onde aquilo tudo iria
dar.
-
Resolvi me confessar um viciado e pedir ajuda de vocês, mas acho que vocês não
podem fazer nada por mim, nesse caso. Mas eu já estava preparado para isso. Já andei
pesquisando na internet e encontrei uma clínica de recuperação para viciados em
chocolate...
-
Não precisa disso tudo, filho. Podemos encontrar uma maneira de você se curar,
ou pelo menos conter-se mais...
-
Preciso disso tudo, sim, mãe. Isso, esse vício é mais forte do que eu. Lembro da
vê em que tentei ficar uma semana sem comer chocolate. Meu humor mudou, eu
ficava irritado o tempo todo, com um nada eu explodia, eu tremia, estava quase
tendo convulsões. Não podia ouvir o barulho de uma embalagem qualquer sendo
aberta, que eu já imaginava que se tratava de chocolate. Não, mãe. Isso é mais
forte do que eu. Eu preciso ir para uma clínica de desintoxicação.
Pai
a mãe se olharam, um esperando que o outro tomasse a frente naquela difícil
situação. Coube ao pai, na condição de homem da casa, dar o decisivo passo e
ser o apoio de que o filho tanto precisava.
-
Tudo bem, filho. Se é disso que você precisa, se é realmente isso que você
quer, nós vamos te apoiar, vamos estar ao seu lado para o que der e vier, e
vamos enfrentar isso tudo juntos, como a família unida que somos.
Chorando
por ter sido compreendido, o filho se atirou nos braços do pai, agradecendo-o.
Depois abraçou e chorou nos braços da mãe. Aquela era uma situação extrema, e
ele iria precisar do apoio e da compreensão de todos.
-
Agora que você já falou o que queria falar, vamos comemorar o início de sua
recuperação com um bom jantar – falou a mãe. Foram, então, todos para a mesa.
Pai
e filho ficaram sentados conversando sobre a rodada do Campeonato Brasileiro do
final de semana, fazendo suas apostas, enquanto a mãe preparava o jantar.
Passado
algum tempo, a mãe começou a trazer o jantar.
-
O que teremos para sobremesa, mãe – perguntou o filho.
-
Espere só um minutinho, que já vou trazer – falou ela, sumindo momentaneamente.
Quando ela voltou, vinha trazendo algo que tinha comprado naquele dia na
padaria. O filho, ao ver aquilo, aguçou a visão, e abrindo muito os olhos. Balbuciou
palavras incompreensíveis, e só quando voltou a si, que olhou para o pai,
depois para a mãe, foi que falou.
-
Não, mãe. Bolo de chocOLATE NÃO...
muito bom! muito bom mesmo!
ResponderExcluirE eu tenho uma ótima notícia para os que riram muito de mim quando comentei que não poderia mais comer essa maravilha que é o chocolate (porque "contém glúten")... Achei um chocolate muito gostoso e que não contém glúten... Por isso Sr. Lima Neto, não precisa rir mais da coitada dessa chocólatra, que não pode ingerir glúten... rs
Abraços... (adorei o texto!)