Eu
me nego a voltar ao bairro onde vivi minha infância, onde vivi a maior parte de
minha vida, de onde sai aos 17 anos e, onde, segundo dizem, “O progresso
chegou”. Não volto lá por medo. Por medo de não mais encontrar às mangueiras de
frutos tão belos, macios e suculentos, onde, ao início de cada tarde, nos
abrigávamos à sua generosa sombra, protegendo-nos do inclemente sol. Medo de
não mais ver os meninos jogando bola durante as tardes, quando a bola, por
descuido um ou falta de jeito de outro acabava caindo na casa de alguém que
morava em torno do campo e tínhamos que torcer e implorar para que a pessoa,
generosamente, não confiscasse nossa bola ou, o que era pior, que a furasse,
ali mesmo, na nossa frente, o que nos causava calafrios só em pensar, mas que
nunca aconteceu, apesar das ameaças. Medo de não mais encontrar sequer esses
meninos, por que, talvez, nem mais existam meninos por lá. Medo de não mais ver
os cachorros correndo atrás dos carros, mesmo por que, hoje, há tantos carros por
lá que os cachorros se desinteressaram, por não mais poderem alcançar a todos
os que passam por ali, justamente por serem tantos. Medo de não mais ver as
pessoas sentadas despreocupadas na porta de suas casas, conversando umas com as
outras, despreocupadas com a vida. Medo de não mais ver sendo organizada uma “festa
americana”, em que, cada pessoa, se comprometia a trazer algo. Para se
comemorar o quê? Simplesmente para se comemorar a vida, as amizades, os
prazeres que a vida simples nos proporciona. Medo de não mais ver a
tranquilidade, reinante naquele lugar, que foi quebrada pelo “progresso” que
chegou. Medo de não mais ouvir o canto do galo que o vizinho criava, que me
acordava toda a manhã com o nascer do sol. Medo de não ver, nos dias de chuva,
a água espocada nas ruas onde brincávamos, jogando bola, nos sujando inteiros,
enquanto as nossas mães nos gritavam “venha pra casa, menino, senão você vai se
molhar inteiro”, mesmo estando nós inteiramente molhados (e sujos). Medo das
noites insones que passava, após ter escutado uma “história de trancoso”
contada, sempre, por um irmão mais velho de um amigo. Tenho medo de não
encontrar, talvez, os velhos amigos de minha infância, mas tenho medo,
principalmente, de constatar que eles cresceram, que não são mais os mesmos
meninos de minhas memórias e de perceber que eu mesmo cresci, que não sou mais
a criança, o menino, o adolescente de minhas doces memórias.
Tenho
medo desse tipo de progresso, que acaba com nossas infância e destroça nossas
memórias, justamente por ver que elas não passam disso, de memórias¸ de lembranças
que não mais voltam, que não posso mais reviver.
Para
mim, o local onde vivemos a nossa infância é eterno, é sagrado, e deve viver
sempre em nossa memória como foram, e não se mostrarem na forma em que se transformaram. Por isso eu me recuso a
voltar ao bairro onde vivi, pois lá continuam vivendo as minhas lembranças, a
minha infância.
Lima, este texto foi escrito com a alma. Vê-se claramente nas palavras usadas, nas colocações trabalhadas, a beleza e harmonia de uma memória construída e compartilhada. É amigo,você também tem talento para cronista. Não o deixe de usar. Parabéns. Amei o texto e doravante ele será o texto de abertura sempre que eu for trabalhar Lima Neto nas escolas.
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