terça-feira, 26 de maio de 2009
A Menina e Seu Tesouro - Conto
Uma pequenina menina estava agachada, quase deitada no chão, em frente a sua casa, cavando um buraco. Pessoas passavam no meio da rua e se detinham durante um curto instante observando a cena. Algumas se perguntavam o que ela fazia e por que fuçava a terra daquela maneira, com tanta energia e entusiasmo. Mas logo se voltavam para suas próprias preocupações, para seus próprios pensamentos e seguiam seus caminhos, esquecendo-se completamente da menina. A criança não via que as pessoas a observavam e sequer ouvia se alguém perguntasse o que ela fazia, de tão compenetrada que estava na sua tarefa.
Cavou até onde seus diminutos braços alcançavam, retirou a terra de dentro do buraco com sua rechonchuda e delicada mãozinha e, ao terminar, suada, suja de terra e poeira, com as mãos encardidas, com areia embaixo das unhas, mas com um sorriso radiante na face, com um brilho de satisfação nos lindos olhos, respirou fundo e olhou para o céu e se deixou acariciar pela suave brisa que soprava no início daquela manhã.
Lentamente ela se levantou e foi até o local onde tinha deixado as sandálias, de frente ao portão de sua casa, mas não pegou os calçados, mas sim algo que estava sobre o pé direito do par. Era algo tão pequenino que mal dava pra se ver, algo tão delicado que se escondia na palma de sua mão. E aquilo era tão pequeno e frágil que parecia mesmo se esconder do mundo, sentindo-se seguro e protegido somente enquanto estivesse na palma daquela mão. A menina segurou com firmeza, e ao mesmo tempo com extrema delicadeza, o seu tesouro e pôs a mão junto ao peito, fazendo-o sentir o seu calor, escutar as batidas de seu coração, e se dirigiu até o local onde tinha cavado o buraco. Foi se abaixando até ficar de joelhos na terra suja, depois foi se deitando para conseguir enfiar inteiramente a mão e o braço dentro do buraco. Quando sentiu que sua mão tocava o fundo, abriu-a e lá depositou o seu tesouro: uma semente.
A menina se levantou e começou a andar de um lado para o outro, como se pensasse no que fazer, agora que tinha depositado o seu tesouro num local seguro e adequado para germinar. Parou junto ao buraco e pegou um punhado de terra, deixando-a escapar por entre os dedos. Fez aquilo muitas e muitas vezes, até o buraco finalmente sumir por completo. Ela então passou a mão por sobre a terra, como se a acariciasse, e ergue-se de um salto, como se só agora se desse conta de algo muito importante de que tinha se esquecido. Entrou correndo em casa e abriu uma torneira, mas não para lavar as mãos. Pôs as duas mãozinhas juntas uma da outra, em forma de concha, para levar um pouco d’água para aguar a terra sob a qual estava a sua sementinha. Fez isso tantas e tantas vezes que se cansou, mas sentiu-se satisfeita com tudo aquilo. Com um sorriso no rosto foi até onde havia uma pequena poça d’água, olhou mais uma vez, imaginando que, em breve, dali sairia uma plantinha. Mas se cansou de esperar, mesmo porque já era tarde, e voltou para dentro de casa, onde sua mãe já a chamava.
Na manhã seguinte, antes do nascer do sol, a menina acordou e foi correndo ver se a plantinha já havia surgido. Mas sentiu-se decepcionada ao ver que não havia nada ali, apenas a mais limpa terra. Mas sua frustração não demorou muito. Com entusiasmo, ela abriu uma torneira, pôs as mãos embaixo, pegou um pouco d’água e correu para aguar o local onde residia toda a sua felicidade. No meio do caminho, muita da água que trazia escorria por entre seus dedos, de forma que apenas poucas gotas ela conseguia levar até seu destino. Mas ela não desanimava. Andava frenética, de um lado para o outro, levando água até onde tinha plantado a sua semente.
No final da manhã, já ofegante, suada, com os cabelos pregados ao alto de sua testa, ela descansou um pouco ao lado da poça d’água e se deixou aquecer pelo calor do sol matutino, que tanto lhe fazia bem. Quando o calor começou a incomodá-la, sentiu o sopro frio de uma brisa, e se sentiu feliz, confortada.
E dia após dia, a menina carregava a água em suas pequeninas mãos. Nunca via o rastro que deixava atrás de si pela casa, pois só tinha olhos para um ponto definido, à sua frente.
Mas após tanto tempo, regando com tanto carinho aquela terra que agora ela começava a achar que era estéril, ela começou a cansar, pensando que todos os seus sonhos, tudo que havia feito foram em vão, até que não dava mais que uma ou duas viagens levando água. Ela começava a querer desistir, pois em seu íntimo, era isso que sua razão lhe dizia para fazer.
Acordou um dia de manhã no horário de costume e foi olhar, pela última vez, a terra que havia regado com tanto carinho. Mas ali onde antes não havia nada, ela percebeu algo novo, algo belo, algo delicado, porém muito maior do que ela imaginava encontrar. Naquele local havia surgido uma pequenina e delicada planta. Na verdade, havia surgido apenas uma pequena folha, tão pequena e frágil que um nada poderia machucar, poderia arrancá-la, mas aos olhos da menina não era apenas isso, era algo grandioso, algo que havia criado raízes profundas, que tinha lutado e sobrevivido, graças a ela, que tinha regado aquela terra áspera com tanto amor e perseverança.
Não se contendo, tamanha a alegria que sentia, ela abaixou-se junto à plantinha e ficou olhando, observando toda a sua beleza, toda a sua delicadeza. Com o dedo anelar da mão esquerda, ela acariciou a folha, sentindo a sua maciez e a sua firmeza. Abaixou-se mais um pouco até encostar os lábios na planta recém-nascida, e esta balançou, como se se alegrasse àquele toque. A menina voltou a sorrir, e correu para dentro de casa, para pegar água e regar a plantinha.
Dia após dia, quanto mais era regada, mais a planta crescia, depressa, rápido, a ponto de em pouco tempo já estar quase da altura da menina, que, contente por ver o quão grandioso estava ficando o seu trabalho, não cansava de admirá-lo, de correr para abraçar a planta sempre que podia. Sentia o suave toque das folhas em seu rosto, a forma como os galhos se envergavam abraçando-a, protegendo-a, da mesma forma como ela fizera no início, quando a planta não se passava de uma única folha, de um broto, de uma muda.
Mesmo com a planta já crescida, com raízes profundamente fincadas, a menina continuava a regá-la.
Abraçava o grosso caule e subia em seus galhos, e lá ficava horas a fio, como que protegida pelos braços vigorosos da árvore.
Mas a plantinha cresceu muito depressa, e logo se tornou uma linda e exuberante árvore, com tronco grosso, que era impossível se abraçar, e com galhos altos, que pessoa alguma podia alcançar. E a menininha, que só agora se dava conta disso, desesperou-se quando percebeu que não conseguia mais segurar com seus braços aquela árvore, que havia se tornado muito maior que ela, que não conseguia mais subir em seus galhos, muito altos para que ela pudesse alcançá-los, mesmo pulando e esticando os braços. Desesperada, se ajoelhou ao pé da árvore e, com as mãos sobre os olhos, chorou. Havia regado tantas e tantas vezes aquela planta com água, e agora regava com suas próprias lágrimas.
A planta, condoída ao ver a sua criança chorando daquela forma, balançou os galhos e afastou-os, de forma que se fizesse uma sombra para proteger a menina dos raios do sol, que queimavam a sua pele sem que ela se desse conta. Mas a menina não havia percebido o que se operava. Começaram a cair algumas folhas da árvore, úmidas de orvalho, na mesma proporção que brotavam de seus olhos e escorriam pela face da menina as lágrimas, mas ela também não se deu conta do que acontecia ao seu redor. A árvore balançava, para frente e para trás, de um lado para o outro, para chamar a atenção da menina, mas ela, tão inconsolável estava que não via nada. E a árvore, já sem saber o que fazer, jogou o seu primeiro fruto aos pés da menina, que parou de chorar ao escutar o barulho provocado pela queda. Olhou para o alto, para a copa da árvore, e por um momento um raio de sol passou por entre as folhas e incidiu diretamente sobre o rosto da menina, que sorriu, com os olhos ainda cheios de lágrimas e ofuscados pela claridade. Apanhou o fruto, que jazia no chão, com ambas as mãos, e o colocou junto ao peito, exatamente como ela tinha feito com aquela sementinha. Sentiu um pulsar da semente por baixa da casca e da polpa da fruta. Olhou para o céu e imaginou ver, numa nuvem, as formas de uma menina embaixo de uma árvore. Deixou-se acariciar pelo vento morno do fim de tarde. Ao virar-se para encarar a árvore, viu que a seus pés várias folhas voavam, ao sabor dos ventos, que as dispersava e as levava para longe.
A menina, ainda com o fruto produzido pela árvore nas mãos, entrou em sua casa, mas antes olhou para trás, para ver a árvore que havia crescido tanto, da qual tinha tanto orgulho, da qual se sentia a verdadeira mãe, que havia criado raízes tão profundas naquele solo áspero e estéril, e que apenas graças àquela menina, com seu zelo, carinho e dedicação, germinara.
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